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É importante para o contexto da constituição do habitus musical desses professores, ressaltar as diversas relações que foram se cultivando à medida que se aproximavam do campo musical. A esse respeito dois professores fazem os seguintes relatos:

No “Bar das letras” eu conheci muita gente... era um bar de artistas, o

pessoal do circuito cultural do Benfica. Era na época em que o Benfica era um lugar de muita efervescência cultural, anos 80 [...] um dia, a Marta Aurélia foi cantar nesse bar, daí ela me convidou prá assistir o espetáculo do

coral da UFC, que se chamava “Os três tempos do homem” e eu fui [...]

quando ouvi o coral resolvi que ia cantar naquele coral, e fiquei perseguindo o coral prá onde ele ia. Daí fiz a seleção e em 84 comecei a cantar (Prof. Elvis).

[...] eu tinha visto o coral Zoada no Parque do Cocó, regido pelo Elvis [...] um coral legal, todo fantasiado e era uma coisa muito bacana. Daí eu resolvi me informar sobre o coral e descobri que estava tendo inscrição e eu me inscrevi (Prof. Erwin).

O “Bar das letras” era bastante conhecido pelos estudantes da UFC, em especial, pelos

que faziam parte daquele perímetro das Avenidas da Universidade, João Pessoa e Treze de

Maio. O nome “Bar das letras” fora dado, devido à proximidade com o bosque da faculdade

de letras. Tornou-se, portanto, ponto de encontro de diversos grupos, em especial de artistas: compositores, cantores, atores, que se reuniam pra trocar idéias, cantar, tocar; enfim, viver a arte que transbordava de cada um e enchia aquele cenário. Era, por assim dizer, a Belle Époque cultural do Benfica.

Logo, não é de se estranhar a paixão demonstrada pelos entrevistados em suas narrativas, quando se referiam a esse período de suas vidas. A fala desses dois sujeitos foi destacada por apresentar similaridades na aproximação com esse contexto através do coral da UFC e de suas ramificações.

Aí a gente começou a conviver, alguns cantando no “Zoada”, outros no coral da UFC, tinha o Coratel, concurso de coral, nós participávamos das disputas... então, fomos embarcando nesse meio do canto coral, que tava ali naquele momento (Prof. Erwin).

Mas, eu estava muito interessado por música e fui cantar no coral. E, no coral, a gente tinha oportunidade de ter aula, tinha aula de técnica vocal com Dona Leilah, e, de vez em quando, tinha curso de leitura de partitura. Naquela época havia também os encontros de julho que a universidade promovia. Eram espécie de festivais, esses encontros pré-cursos, o nome era

“Nordeste”. Traziam gente de fora, era um convênio que havia com a

FUNARTE (Prof. Elvis).

O canto coral foi um espaço de fruição e desenvolvimento estético, musical, teatral, pedagógico, que foi dando forma às ações, às escolhas, às estratégias de manutenção, aceitação e/ou resistência desses sujeitos dentro do campo que paralelo à formação destes, também se constituía. A eles foi oportunizado o acesso a aulas de canto e teoria musical, bem como o ingresso em cursos, concursos e festivais que também tiveram sua parcela de contribuição no delineamento de seu habitus pedagógico musical.

Para alguns dos agentes esse ambiente, além de outros resultados, contribuiu necessariamente para sua escolha profissional, concretizando-se como principal espaço de formação. A exemplo disso, ressalto a seguinte fala:

Foi no coral que eu fui tendo uma formação ou praticamente toda a minha formação. Se eu for pensar quando foi que eu pensei em ser músico, e professor de música, e regente de coro, essas coisas, foi no coral da UFC (Prof. Elvis).

Ainda que o coral da UFC não tenha sido o universo em torno do qual todos os agentes se reuniram para compartilhar suas experiências formativas, é de suma importância notar que esse coro teve uma grande repercussão na constituição do campo pedagógico musical dessa Universidade. A esse respeito entraremos com maiores detalhes no capítulo que trata sobre o campo pedagógico musical da UFC.

2.3.1 Festivais e novas aprendizagens

passou também por uma vivência em festivais11. Participar de festivais, nesse contexto de experiências formativas, aborda aspectos bastante amplos, no que diz respeito ao contato com a diversidade cultural do Brasil e a maneira bem própria que cada região tem de mostrar as concepções e interpretações sobre os espetáculos e as discussões que apresentam.

Observando o relato de experiência de Márcia Maria Strazzacappa Hernández, no qual ela demonstra a importância dos festivais para sua formação como artista, pude visualizar alguns aspectos também presentes na trajetória dos agentes em questão. Embora os festivais se concentrem em um espaço de tempo bem curto, essa brevidade representa uma intensidade de experiências. Essas vivências se concretizam na forma de trocas, de confrontos, de conexões, de discussões, entre outros. Mostra-se também como ocasião de travar novas amizades com pessoas de outros cursos, de outras áreas e de re-conhecer os próprios colegas numa outra situação, fora do contexto da sala de aula. É ainda a oportunidade de partilhar de experiências artísticas com profissionais cujas vidas se concentram em espaços mais distantes do cotidiano dos alunos (HERNÁNDEZ, 2000). Esses aspectos são ressaltados na fala de alguns dos agentes:

[...] eu assistia aos Festivais de música. Fui pra Curitiba, fui pra Brasília, Juiz de fora, fiz curso de regência, estudei com outras pessoas, comecei a abrir um leque de opções o máximo que eu podia, não ficar só com aquele professor, só com aquela disciplina, e fazendo todo tipo de experiência, então somou [...] (P. Erwin).

Fiz vários cursos de extensão. Fui à Teresópolis, à Brasília, para cursos de férias. Na época tínhamos um curso de férias aqui, chamado Nordeste. Era no mês de julho e vinha sempre um pessoal dar aula de teoria, de violão, era o mês todo. Eu passava o ano todo tendo aula e em julho também... e era muito legal porque vinha gente de todo o país, do Rio Grande do Sul, de São Paulo, do Rio, da Paraíba (P. Marco).

Passamos a organizar encontros musicais, que denominamos de “Nordeste – Encontro Musical da UFC”. E a gente foi fazendo ligações e encontros com

outros corais e músicos brasileiros e, de repente, o coral da UFC era muito falado. Nossos encontros eram financiados pela FUNARTE (Fundação Nacional de Arte). Nos cursos e encontros que promovíamos, os jovens recebiam aulas de gente que vinha do Brasil inteiro, grandes músicos (Profa. Izaíra).

É nesse contexto de experiências que levam os sujeitos a visualizarem o mundo, que se aprende a desenvolver o próprio olhar, cunhando uma maneira peculiar de ver as coisas ao

11

Esses festivais aqui mencionados, não tem relação com os famosos festivais da MPB. Refiro-me aos encontros musicais, claramente explicitados na fala da professora Izaíra.

seu redor. Estas maneiras deverão ser apresentadas também na forma como o artista expressa sua arte.