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Um segundo momento da pesquisa foi realizado em um novo contexto formativo: o curso de Licenciatura em Física/Parfor da Universidade Federal da Bahia. Este contempla professores que atuam em Física/Ciências em escolas do interior do estado da Bahia, que ainda não possuem a licenciatura na área. Uma vez por mês, os cursistas têm uma semana de aulas presenciais em Salvador, e, nos interstícios, seguem atuando em seus municípios. Em 2011.1, segundo semestre do curso, aconteceu a disciplina Educação e Tecnologias Contemporâneas (EDC287), tendo a pesquisadora atuado na docência da mesma.

Apesar de ser uma disciplina presencial, fazia-se muito pertinente promover vínculos e momentos de participação e construção on-line. Foi introduzido o Ambiente Virtual de Aprendizagem Moodle, já amplamente utilizado na UFBA, mas que ainda não fazia parte do cotidiano deste curso. Após criar um ambiente para esta disciplina dentro do Moodle da universidade, foram disponibilizados diversos materiais (textos, vídeos, links...) e alguns fóruns temáticos. Além disso, como existem evidências de que os blogs podem ser espaços precursores para reflexões e externalização dos dilemas docentes53, solicitou-se que cada cursista criasse o seu blog, para que nele pudesse externar suas reflexões, suas compreensões sobre os temas discutidos, angústias e descobertas. Os endereços dos blogs de cada cursista da turma (APÊNDICE F) foram disponibilizados no ambiente do curso54, a fim de que todos pudessem transitar por entre eles, comentando seus conteúdos e tecendo reflexões conjuntas.

Foi então elaborado um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e Autorização de Uso de Imagem e Voz (APÊNDICE G), de forma que os sujeitos tivessem esclarecidos os propósitos da pesquisa, os instrumentos de coleta, possíveis riscos e benefícios associados à participação neste trabalho. O termo foi lido em sala de aula, quando também aconteceu o esclarecimento de dúvidas e o convite para que cada um, de forma livre e esclarecida,

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HALMANN, Adriane Lizbehd. Reflexão entre professores em blogs: aspectos e possibilidades. Salvador, 2006. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia,

Salvador, 2006. 130p. Disponível em

<http://www.bibliotecadigital.ufba.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=1734>. Acesso em 12 maio 2011.

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O ambiente do curso pode ser acessado em <http://www.moodle.ufba.br/course/view.php?id=11762>. A relação dos endereços dos blogs dos cursistas pode ser visualizada em <http://www.moodle.ufba.br/mod/resource/view.php?id=88701>

participasse da pesquisa. Todos se interessaram em participar.

Na primeira semana de aula, foi realizado um mapeamento da realidade tecnológica dos cursistas, na forma de questionário (APÊNDICE H), construído em uma plataforma de escrita colaborativa, sendo utilizado, para isso, o recurso de “formulários” do GoogleDocs. Esta é uma plataforma on-line com funcionalidades para criação e edição de documentos de texto, planilhas, apresentações, desenhos, formulários, com a possibilidade de um arquivamento inteligente dos documentos ali criados ou quaisquer outros para ali acendidos, fácil integração com outros ambientes web, além da possibilidade de escrita colaborativa entre pares. Seu potencial já foi descrito e analisado em diversos contextos, como no ensino de ciências (BARROSO; COUTINHO, 2009) e na formação de professores (SERAFIM; PIMENTEL; Ó, 2008). Durante o período de coleta de dados, o questionário foi apresentado de forma que os cursistas o respondessem on-line e o próprio programa atualizava a base de dados. Uma vez fechada a coleta de dados, gerou-se um arquivo PDF e este ficou disponível para consulta55 (APÊNDICE I).

As questões, de múltipla escolha e abertas (opcionais), inquiriam os cursistas sobre sua formação, atuação profissional, acesso e uso das tecnologias (computador e internet em casa e no trabalho; celular; outros equipamentos), atividades culturais, hábitos de leitura, além da formação em relação às tecnologias. Com este instrumento, foi possível captar parte da realidade vivenciada por estes sujeitos, traduzidos em dados quantitativos e analisados qualitativamente, abordagens estas que se complementam, pois “o quantitativo e o qualitativo, a objetividade e a subjetividade, o digital e o analógico, são apenas dois modos complementares e interligados de abordar a mesma realidade” (TAVARES, 2001, p. 66). Em um segundo momento, os resultados56 foram apresentados aos cursistas para que eles próprios pudessem contribuir nas interpretações desta realidade.

Ao longo do semestre, ao passo em que eram possibilitadas oportunidade de discussão e apropriação teórica, tanto em aula, quanto prolongada nos espaços on-line, como os fóruns e blogs, promoveu-se também oficinas de edição de áudio, imagens e vídeo, sempre utilizando softwares livres. Esta escolha se dá por conta de nossa opção político-filosófica, que considera o software livre elemento estruturante dos processos educacionais na perspectiva de promover a capacidade de programação e não só de reprodução do instituído. Para Lynn Alves,

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Os dados deste questionário, apresentados, em sua maioria na forma de gráficos, ficaram disponíveis para consulta através do link <http://www.moodle.ufba.br/mod/resource/view.php?id=94258>

utilizar o software pelo software implica em empobrecer a prática pedagógica, mantendo uma postura tradicional frente ao processo de ensinar e aprender, que se limita a transmissão de informações, onde o aluno recebe os "pacotes" cheios de conteúdos, caracterizando a velha educação bancária [...], cuja única diferença é a presença do som, imagem e texto. É, em verdade, uma grande mixagem, que torna inicialmente atrativa a navegação pelo software, mas é logo preterida por se tornar "chata", limitada, cansativa, repetitiva. (ALVES, 1998, p. 142)

Mais do que animar a educação a partir do uso de um ou outro recurso, pretendia-se que os cursistas pudessem expressar suas autorias nas mais diversas linguagens, em suportes digitais. Associado a isso, a discussão sobre a filosofia do movimento software livre e as suas características possibilitam dar aos processos educacionais uma dimensão emancipatória, considerada fundamental para a educação. Assim, os quatro princípios do software livre, a saber, “liberdade de executar o programa para qualquer propósito; liberdade para estudar o programa e adaptá-lo às suas próprias necessidades; liberdade de redistribuir suas cópias originais ou alteradas; e a liberdade para aperfeiçoar o programa e liberá-lo para benefícios da comunidade” (SILVEIRA, 2001, p. 38), são os princípios que deveriam pautar todo o processo educacional, incluso aí, e talvez mais significativamente ainda, o ensino das ciências. Desta forma, os softwares livres são socialmente mais justos, economicamente mais viáveis e tecnologicamente sustentáveis, sendo a opção mais coerente para o trabalho autoral com professores em formação. Assim, foram utilizados, dentre outros, softwares para edição de texto e apresentações (BrOffice), navegadores (Mozilla/Firefox e Iceweasel), editores de áudio (Audacity), imagens (Gimp e Inkscape) e vídeo (Openshot). A isto se seguiu um período em que os cursistas, em rede, criassem seus conteúdos digitais. Foi solicitado que, em grupos, eles escolhessem uma linguagem (áudio, vídeo, imagens) e algum conceito da Física que estivessem se apropriando no semestre em curso, buscando situações problemáticas cotidianas onde estes se aplicassem.

Durante todo o semestre, foi possível notar um posicionamento característico dos cursistas, que, por vezes, reflete particularidades do próprio curso ou mesmo de concepções do ensino e aprendizagem de Física como desatrelada da necessidade de leitura e escrita. As leituras, quando ocorriam, pouco suscitavam subsídios para as discussões. Vários cursistas manifestavam dificuldades em compreender os textos, uma vez que eram escritos em linguagem diferenciada daquela utilizada nos livros de Física. Optou-se, então, por promover a familiarização por aproximações, apresentando, primeiramente, pequenos textos veiculados em jornais. Contudo, mesmo assim, era pouca a participação nas discussões presenciais, e as escritas nos fóruns e blogs também pouco evidenciavam as leituras ou articulações entre estas

e suas práticas cotidianas. Ao questionar-lhes o motivo da pouca participação nestes espaços, além das dificuldades na leitura e compreensão dos textos, também foi relatada a dificuldade que tinham no manuseio dos ambientes, seja o Moodle ou mesmo o blog. Assim, visando ter registrado as concepções dos cursistas acerca dos temas da pesquisa, que se articulavam intrinsecamente aos temas abordados na disciplina, resolveu-se, após diálogo com outros professores, por criar e aplicar um roteiro de questões, a ser respondida durante uma das aulas, sem o uso do computador (APÊNDICE J). Este roteiro era composto por quatro questões, todas solicitando que expressassem suas concepções acerca dos processos de construção autoral de conteúdos digitais, explicitando elementos de sua práxis docente. Com isso, obteve-se um registro escrito dos principais temas abordados, que trouxe importantes subsídios de análise.

Assim, para o conjunto de análises apresentadas ao longo desta tese, foram observadas as condições de acesso destes cursistas às tecnologias, os usos a elas culturalmente atribuídos, a imersão em um processo autoral, os conflitos e transformações, por meio de observação direta, questionário, suas escritas textuais nos fóruns e blogs, além da análise das produções. O tratamento dos dados e as técnicas de análise aplicadas foram descritas em um tópico específico, adiante.

A seguir, será apresentado o tratamento conferido aos relatórios e os procedimentos de tabulação, e, na sequência, as análises construídas a partir destes dados.