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O projeto inicial desta pesquisa previa determinadas estratégias metodológicas para a condução do estudo, porém, com o passar do tempo, notou-se que este planejamento prévio não daria conta do seu objeto, da forma como foi se delineando. Como, inicialmente, pretendia-se analisar o papel dos sujeitos enquanto autores, no âmbito do Second Life e Sloodle, a perspectiva metodológica girava em torno tanto da imersão da pesquisadora nele, quanto da abordagem dos sujeitos nestes espaços. Após um ano explorando e observando os fenômenos desenvolvidos em tais ambientes, foi possível mapear iniciativas promissoras, bem como várias limitações e até algumas incoerências na análise do que era ali produzido. Em paralelo, junto com o Grupo de Pesquisa Educação, Comunicação e Tecnologias (GEC), vivenciei atividades em um curso de formação de professores que atuam em escolas do campo,

cujos cursistas tinham pouco acesso aos recursos tecnológicos, mas produziam conteúdos digitais significativos e voltados para a transformação das suas realidades. Desta forma, pode- se dizer que esta investigação possui princípios metodológicos amplos, ao mesmo tempo que traz estratégias de coleta de dados traçadas de acordo com as especificidades de cada contexto.

A situação problema, percebida e vivenciada em toda a sua complexidade, evidenciou a necessidade de uma implicação intrínseca da pesquisadora, em busca da compreensão e elucidação de seus pormenores. A natureza do problema da pesquisa deixava patente que não caberia a construção de hipóteses a serem testadas, pois, mais do que confirmação ou refutação de respostas prévias, era necessário conhecer os fenômenos que emergiam da interação entre os sujeitos. Por conta disto, até mesmo as questões de pesquisa só poderiam ser formuladas com a própria elucidação da situação e do objeto de pesquisa, no constante exercício descritivo e analítico. Diante dessas particularidades apresentadas, optou-se pelo uso da abordagem qualitativa, na medida em que:

1. Na investigação qualitativa a fonte direta de dados é o ambiente natural, constituindo o investigador o instrumento principal […]; 2. A investigação qualitativa é descritiva […]; 3. Os investigadores qualitativos interessam-se mais pelo processo do que simplesmente pelos resultados ou produtos […]; 4. Os investigadores qualitativos tendem a analisar os seus dados de forma indutiva […]; 5. O significado é de importância vital na abordagem qualitativa. (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 47-51)

A abordagem qualitativa se fez necessária e adequada, uma vez que o tema de estudo tem ocorrência em ambientes construídos através de processos historicamente constituídos, onde os sujeitos são agentes ativos, o que exigiu um olhar e uma escuta sensíveis para todos estes elementos e as subjetividades neles implícitas. A compreensão de que os ambientes estudados são historicamente constituídos decorre de uma forma de compreender a realidade, o que, por consequência, faz com que esta característica não seja própria apenas destes ambientes, mas de todos os processos e fenômenos sociais.

Entendendo que um fenômeno deve ser capturado “em seu acontecer natural”, que “as ações são melhor compreendidas em seu ambiente habitual de ocorrência” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 47) e levando em consideração os componentes de uma situação em suas interações e influências recíprocas, são propostos aqui os procedimentos deste estudo qualitativo, que "enfatiza os aspectos subjetivos do comportamento humano e preconiza que é preciso penetrar no universo conceitual dos sujeitos para poder entender como e que tipo de sentido eles dão aos acontecimentos e às interações sociais que ocorrem em sua vida diária" (ANDRÉ, 1995, p. 18).

Atentando para a complexidade e a amplitude da situação problema exposta na seção anterior, tornou-se imperativo delimitar os aspectos a serem investigados, a fim de traçar o plano da pesquisa. A apresentação inicial da investigação, tomada com o intuito de compreender as contribuições do Sloodle/Second Life para a educação, teve, ao longo do processo exploratório, um repensar de vários dos seus elementos. As reflexões suscitadas resultaram em um redirecionamento da pesquisa, durante o seu percurso, uma vez que a imersão inicial no Second Life possibilitou visualizar incompletudes e inconsistências da proposta inicial, ao mesmo tempo que uma melhor delimitação e outros campos mostravam-se efetivamente mais promissores. Como afirmam Bogdan e Biklen (1994), determinar, antecipadamente, um método para realizar uma pesquisa é uma atitude bastante ambiciosa, na medida em que:

Os planos evoluem à medida que se familiarizam com o ambiente, pessoas e outras fontes de dados, os quais são adquiridos através da observação direta. […] Quando iniciam um trabalho, ainda que os investigadores possam ter uma ideia acerca do que irão fazer, nenhum plano detalhado é delineado antes da recolha dos dados. […] É o próprio estudo que estrutura a investigação, não ideias preconcebidas ou um plano prévio detalhado. (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 83)

As oportunidades encontradas e criadas nos espaços investigados permearam a implicação da pesquisadora que, ao mesmo tempo, também agente, afastava-se para olhar o fenômeno “de fora”. Ao longo da pesquisa, este movimento concomitante de implicação e afastamento constantes da pesquisadora-agente permitiu, com a flexibilidade inerente aos estudos qualitativos, ir delineando seu novo traçado. Isto não significa dizer que andava sem um planejamento. Não se trata, aqui, de negar a existência do plano, mas evidenciar que, a cada passo, com os dados coletados e suas análises, foi possível clarificar a problemática e as questões a ela ligadas. Dessa forma, também os instrumentos e técnicas de acesso ao campo, coleta, tratamento e análise dos dados puderam ser melhor planejados a cada nova aproximação e afastamento do campo de pesquisa. Sendo assim, embora a escrita tenha transcorrido durante todo o processo, a redação final deste produto mostra apenas uma visão mais limpa do quadro, como uma pintura cujas primeiras camadas de tinta, mesmo não sendo percebidas pelo “leitor”, são sobrepostas às camadas mais recentes, se misturando umas às outras, gerando um efeito único.

no Second Life36, entremeadas pela história de vida da pesquisadora-agente, suscitaram a primeira delimitação de tema, objetivo e estratégias metodológicas. Todos estes elementos foram revistos e revisitados durante os estudos exploratórios, que mostraram as insuficiências e incoerências da proposta original. Somente na imersão em outros contextos formativos, como a Licenciatura em Educação do Campo e Licenciatura Especial em Física, ambos desenvolvidos na Universidade Federal da Bahia, foi possível delimitar o tema da investigação como a construção de conteúdos digitais por professores em formação, buscando compreender suas implicações na apropriação científica por estes sujeitos, além de potenciais transformações e superações de práticas instituídas.

O referencial teórico – fortemente influenciado, em um primeiro momento, pelas leituras e vivências de estudos anteriores37 sobre as tecnologias de informação e comunicação e a cultura digital – foi ampliado, de forma a compreender melhor a formação de professores em diferentes contextos, a educação científica, as tecnologias digitais e suas imbricações em movimentos culturais, a autoria dos sujeitos em rede.

O acesso aos campos da investigação foi oportunizado no decorrer da pesquisa. As relações com outros professores, em redes presenciais e/ou on-line, permitiram que eu me aproximasse e conhecesse os processos ora analisados. Assim, a oportunidade de atuar como agente formadora nos cursos de Licenciatura em Educação do Campo (2008-2011) e de Licenciatura Especial em Física (2011) me proporcionou um olhar de um local privilegiado. As observações, acompanhadas dos registros escritos, fotográficos e fílmicos, foram uma constante deste processo. Com a ajuda de outros pesquisadores vinculados ao GEC, foram desencadeadas, nestes espaços formativos, ações consideradas de fundamental importância para o desenvolvimento desta pesquisa, as quais foram devidamente observadas, registradas e analisadas das formas que me foram permitidas. A participação, com outros docentes, em momentos de planejamento e avaliação, tornou possível o acesso a documentos e pessoas que ajudaram na compreensão das concepções curricular e de educação que permeavam estes contextos, assim como das repercussões, entre os outros docentes, das atividades provocadas. A implicação intrínseca nestes contextos também permitiu conversar com os professores em formação, em alguns momentos, através de entrevistas, não como um desconhecido, mas

36A ambiência no Second Life contribuiu significativamente para uma clarificação do problema de pesquisa, que

demonstrou ser mais coerente que a pesquisa fosse realizada em outro contexto. Dessa forma, as coletas sistemáticas dos dados já aconteceram apenas nas licenciaturas observadas. Assim, o Second Life não é, aqui, considerado como campo da pesquisa, contudo, se faz necessário na contextualização da problemática.

37HALMANN, Adriane Lizbehd. Reflexão entre professores em blogs: aspectos e possibilidades. Salvador,

2006. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia,

Salvador, 2006. 130p. Disponível em

como alguém que havia participado dos processos formativos junto destes sujeitos. Complementarmente, alguns levantamentos de dados também foram utilizados, por vezes traçando mapeamentos com dados quantitativos, mas que se mesclaram às análises qualitativas. Os conteúdos digitais construídos por estes cursistas, na forma de imagens, sons e vídeos, considerando o processo e o resultado das suas produções, foram imprescindíveis às análises apresentadas nesta tese.

As questões a investigar não se estabelecem mediante a operacionalização de variáveis, sendo, outrossim, formuladas com o objetivo de investigar os fenômenos em toda a sua complexidade e em contexto natural. Ainda que os indivíduos que fazem investigação qualitativa possam vir a selecionar questões específicas à medida que recolhem os dados, a abordagem à investigação não é feita com o objetivo de responder a questões prévias ou de testar hipóteses. Privilegiam, essencialmente, a compreensão dos comportamentos a partir da perspectiva dos sujeitos da investigação. As causas exteriores são consideradas de importância secundária. Recolhem normalmente os dados em função de um contato aprofundado com os indivíduos, nos seus contextos ecológicos naturais. […] O investigador introduz-se no mundo das pessoas que pretende estudar, tenta conhecê-las, dar-se a conhecer e ganhar a sua confiança, elaborando um registro escrito e sistemático de tudo aquilo que ouve e observa. O material assim recolhido é complementado com outro tipo de dados, como registros escolares, artigos de jornal e fotografias. (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 16)

Com o acesso obtido aos contextos a investigar – Licenciaturas do Campo e em Física –, foi possível coletar os dados de forma a privilegiar, considerando suas perspectivas, a compreensão dos sujeitos envolvidos nas ações formativas, acerca da construção de conteúdos digitais e suas relações com as apropriações científicas. Como a realidade é socialmente constituída a partir dos sentidos elaborados por cada um dos sujeitos em suas relações sociais, era fundamental prever estratégias de coleta de dados que captassem as perspectivas de cada um, na medida em que estas se reorganizavam de acordo com a vivência das ações desencadeadas. Assim, a construção de sentidos pelos sujeitos é tomada como um constante reabitar, uma vez que eles próprios, provocados pelas situações inquietantes que os tiravam de um lugar comum, reconstruíam seus sentidos.

Por conta das características dos espaços e sujeitos imbricados nesta investigação, esta pesquisa aproxima-se ao estudo de caso, que, para Bogdan e Biklen (1994, p. 89), “consiste na observação detalhada de um contexto, ou indivíduo, de uma única fonte de documentos ou de um acontecimento específico”. Já André (1984) entende o estudo de caso como uma investigação sistemática de uma instância específica, de um evento particular. Assim, o “caso” seria não cada um dos campos de pesquisa (Licenciatura em Educação do Campo ou

Licenciatura Especial em Física), mas a própria construção dos conteúdos digitais.

Há, na literatura, a descrição de estudos de caso que decorrem em mais de um campo. Uma destas abordagens é contemplada pelo “estudo de casos múltiplos”, “quando os investigadores estudam dois ou mais assuntos, ambientes, ou bases de dados” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 97), considerando que os primeiros estudos se prestam como piloto para novas pesquisas, que podem pretender a generalização ou comparação entre os casos. Contudo, a investigação aqui apresentada não se pretendia a comparação entre os campos, tampouco a busca pela generalização dos dados. Este estudo foi orientado mais no sentido de compreender aspectos da apropriação científico-tecnológica na construção de conteúdos digitais por professores em formação e, para isso, se fez pertinente a aproximação em mais de um contexto que possibilitasse tal reflexão, o que, segundo Bogdan e Biklen (1994, p. 98) pode ser caracterizado como “estudo realizado simultaneamente em múltiplos locais”.

A partir desta caracterização de Bogdan e Biklen, foi possível pensar estratégias para o desenvolvimento da pesquisa com o foco no “caso”, levando em consideração as características de cada contexto, com as quais foram construídos instrumentos apropriados, assim como formas de condução da coleta de dados que respeitassem as singularidades dos grupos envolvidos. Para tanto, foi propícia a aproximação dos contextos formativos de dois cursos desenvolvidos na Universidade Federal da Bahia: a Licenciatura em Educação do