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Na proposta chomskyana da teoria da linguagem, como vimos, a linguagem é um sistema de princípios inatos, universalmente pertencente a todos os seres humanos, sistema alojado em um órgão da linguagem denominado faculdade da linguagem. A tarefa de uma criança é ativar a gramática e modelar as estruturas, tomando por base os dados da língua-E, que compõem o input da língua que está sendo adquirida. Para tanto o acesso input da língua é primordial para desencadear a fixação dos parâmetros próprios da primeira língua e fazer funcionar o aparato linguístico com toda capacidade biológica que lhe é próprio.

De acordo com Quadros (1997) as pesquisas desenvolvidas nos últimos anos sobre a aquisição de primeira língua por surdos ocorreram em relação à Língua Americana de Sinais (ASL, do inglês American Sign Language), realizadas com crianças surdas, filhas de pais surdos. Esse público é ideal para a pesquisa tendo em vista que dessa maneira é possível garantir que as crianças tenham tido acesso ao input adequado. O que se obteve com os resultados das pesquisas foi mostrado fazendo-se um paralelo com as línguas orais em relação aos períodos de aquisição. Foi enfatizado nas pesquisas o estabelecimento do nome, o sistema pronominal e a concordância dos verbos, tendo em vista a importância desses itens gramaticais, diante da especificidade espacial da língua. Abaixo, apresentamos a sistematização realizada por Quadros (1997) sobre os períodos de aquisição observados, os resultados obtidos e os autores de referência.

Período pré-linguístico (do nascimento até por volta de 14 meses de idade): Petitto e Marantette (1991) realizaram estudos em bebês surdos e ouvinte no mesmo período e verificaram que o balbucio ocorre em bebês surdos assim como nos ouvintes. Foram observados balbucios manuais de duas formas: silábicos, os que faziam parte do sistema fonológico da língua, e gestuais, os que não apresentam nenhuma forma internamente organizada. Assim como em um determinado tempo os balbucios orais cessam, foi observado que os manuais também, o que ocorre pelo fato do input favorecer o desenvolvimento natural

da língua.

Estágio de um sinal (por volta dos 12 meses até 2 anos): Karnopp (1994) relata o início do estágio de um sinal por volta dos 6 meses de bebês surdos, apesar de crianças adquirentes de línguas orais só começarem aos 12 meses de idade. Lillo-Martin (1986) justifica essa diferença devido à diferença articulatória (mãos e sistema vocal). Pettito (1987) considera que antes dos 14 meses os movimentos das crianças surdas são apenas gestos, ainda não são sinais de fato. Em ASL, a autora diz que as primeiras produções são sinais chamados de congelados, pelo fato de não existir ainda flexões como o padrão dos adultos. Petitto e Bellugi (1988) e Klima (1989) observam que as crianças surdas omitem o sistema pronominal no estágio de um sinal. O sistema pronominal nas línguas de sinais é realizado por apontação, costume comum entre crianças surdas e ouvintes até um ano de idade, mas quando a criança surda entra no estágio de elaboração dos primeiros sinais, a apontação é omitida. Petitto (1997) sugere que nesse período a criança já está elaborando um sistema linguístico e a apontação deixa de ser um gesto para ser um elemento gramatical a ser apreendido.

Estágio das primeiras combinações (por volta dos 2 anos de idade): Fischer (1973) e Hoffmeister (1978) observam nesse estágio a ordem dos constituintes nas sentenças produzidas como sendo SV, VO e posteriormente SVO. No estágio em questão as crianças começam a usar o sistema pronominal, mas com alguma inconsistência, mesmo o pronome EU e TU em ASL serem apenas a indicação a si mesmo e ao outro. Os estudos de Bellugi e Klima (1979) comparam o fenômeno aos ‘erros’ de aquisição, nesse mesmo período, por falantes ouvintes, ao adquirirem os pronomes. Hoffmeister (1978) observou que a apontação envolve a categoria dos determinantes e os modificadores, o sistema de plurais e o sistema dos verbos. Quadros (1995) observou em LSB a omissão do sujeito presente no contexto, também a não referência de 3ª pessoa e o uso de verbos congelados, sem flexão, como o verbo IR.

Estágio de múltiplas combinações: (por volta de 2 anos e meio a 3 anos): esse é o período denominado por explosão de vocabulário. Lillo-Martin (1986) diz que as crianças começam a utilizar formas idiossincráticas para diferenciar nomes de verbos. A partir dos 3 anos as crianças começam a usar o sistema pronominal para referentes não presentes no discurso e algumas crianças ainda empilham os referentes num mesmo espaço. Depois passam a distinguir espaços diferentes, porém sem associar os lugares aos referentes. O desenvolvimento do sistema flexional dos verbos acompanha a aquisição dos pronomes. E

ambos os sistemas apresentam - se adequados por volta dos 5 a 6 anos de idade. Quadros (1995) diz que crianças surdas adquirentes de LSB usam a concordância verbal consistente por volta dos 5 anos e meio a 6 anos de idade. Os autores ainda descrevem outras aquisições do sistema gramatical desse período da infância.

O desenvolvimento relatado pelas pesquisas não deixa dúvidas quanto à existência da competência linguísticas de surdos e quanto ao fato de que se manifesta de forma exatamente igual à das ouvintes. No entanto, sabe-se que as crianças surdas estão expostas a diferentes cenários de aquisição de língua, devido ao contexto em que se encontram: há crianças surdas filhas de pais surdos, mas há crianças surdas filhas de pais ouvintes, há pais ouvintes que não utilizam língua de sinais e os que a utilizam; e ainda há ambientes de aquisição formal de língua de sinais fornecida por instituições como a escola, as igrejas, ou os atendimentos clínicos. Não só a aquisição, mas também o desenvolvimento da linguagem, vão depender das questões do ambiente e do período em que se detectou ou se instaurou a surdez. Quanto mais rápido o acesso à língua de sinais pela criança surda, menores serão as perdas linguísticas e as possíveis lacunas de aprendizagem. Tão logo a pessoa surda se torna proficiente na própria língua, de modalidade visuoespacial, a comunicação, a troca de experiências e o acúmulo de conhecimento se dará de forma natural e espontâneos (QUADROS, 2011).

2.7 Aquisição de segunda língua por surdos: a interlíngua e o português (L2) escrito