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Bilinguismo dos surdos: aspectos psicossociais

As pesquisas sobre a prática pedagógica no ensino de português escrito como segunda língua para surdos consideram primordialmente o canal perceptual do surdo, o visuoespacial, em detrimento do auditivo, por questões óbvias. O desenvolvimento cognitivo, social e pessoal do surdo está inteiramente ligado ao canal perceptual de que esse sujeito faz uso direcionando as pesquisas na área para a proposta de uma educação bilingue que vise instaurar o ambiente adequado ao desenvolvimento acadêmico e as condições favoráveis ao desenvolvimento integral do sujeito surdo. Instauradas algumas as certezas sobre o bilinguismo, vamos observar alguns dos seus significados e implicações.

Silva et al. (2010) fazem considerações que permeiam o conceito de bilinguismo social, e é pelo viés das autoras que vamos refletir sobre bilinguismo. O conceito de bilinguismo total, amplamente divulgado, prevê indivíduos que possuem o domínio de outra (s) língua(s) presentes no contexto social da língua materna, apesar de que falantes plenos não são tão comuns quanto parece. Essa é uma das crenças sobre o bilinguismo que necessita ser esclarecida, porque esse pensamento envolve outros aspectos como propriedades linguísticas da L1 e da L2 e as variadas formas de contato entre as línguas, que implicam um significado social, além das diferenças entre as línguas envolvidas nesse contexto traduzidas como ‘distância vs.proximidade’ entre línguas, estas últimas trazendo implicações específicas (e pouco entendidas) em se tratando de línguas orais-auditivas em oposição a línguas visuais- espaciais.

Dessas diferenças surge o conceito de bilinguismo social “quando dois grupos que não compartilham a mesma língua entram em contato, assumindo um a posição majoritária e o outro, a minoritária”, situação muito observada em contextos de colonização (GROSJEAN, 1982 apud SILVA et al., 2010, p. 63). Entre comunidades diferentes outros aspectos podem diferenciar a L1 da L2, como o perfil identitário dos interlocutores envolvidos, o grau de formalidade, a oficialização de um dos idiomas, os interesses econômicos e políticos, e demais aspectos que podem permear a situação social em que se manifesta o fenômeno do bilinguismo. Nesse contexto, as políticas educacionais instituídas para cada realidade social são determinantes para a caracterização do bilinguismo, como foi mencionado anteriormente (cf. Capítulo 1).

A esses aspectos vem juntar-se a crença de que o bilinguismo é uma situação excepcional. Citando The Cambridge Encyclopedia of Language, de David Cristal, Silva et al. (2010) observam que o bilinguismo é uma situação muito mais presente do que o monolinguismo e há pelo menos três vezes mais línguas do que países. Observam ainda que condições favoráveis à aquisição de L2 são fatores motivantes para os indivíduos na medida em que agregam ao desenvolvimento linguístico elementos psicossociais relevantes, que são capazes de interferir positivamente na aquisição. Dependendo das condições de contato e de como o falante acessa o sistema linguístico da língua, as autoras distinguem dois tipos de bilinguismo: o bilinguismo total, aquele em que o falante detém mais de uma L1; e o bilinguismo em que o indivíduo além da L1, possui uma L2. Esse último caso se define pelo fato de que as condições de aquisição de L2 não são as mesmas da L1, conforme citado anteriormente.

Esse processo leva ao surgimento de uma interlíngua, fenômeno observado no processo de aquisição da língua alvo, além de determinar a existência de níveis de proficiência variados. As autoras observam que tais fatores devem ser entendidos pelo ponto de vista da capacidade do ser humano em adquirir língua, uma vez que esteja exposto às condições sociais em que essa língua se apresenta. Quanto ao grau de proficiência, além da exposição à língua no período crítico, primeira infância da criança, que promove desenvolvimento cognitivo a partir do uso natural da língua, fatores sócio-históricos e as condições de acesso ao input linguístico também vão interferir no desenvolvimento das habilidades linguísticas na L2. Assim, diante da diversidade em que surgem as línguas e os dialetos, considerando os contextos sociais, a caracterização do indivíduo bilingue deve ser considerada pelo ponto de vista das noções complementares: o completo/total e o

incompleto/imperfeito. Com essa discussão, as autoras avançam no sentido de destacar alguns fenômenos surgidos no processo de aquisição de L2, que vão determinar cada um dos tipos, pois geram efeitos sociais e cognitivos, são eles: “interferência”, “empréstimo”, “transferência” e “code-switching”13.

O bilinguismo dos surdos se manifesta nas condições citadas, devendo ser analisado pelo ponto de vista das condições que determinam o uso das línguas vinculadas ao processo de aquisição. Primeiramente a modalidade da L1 dos surdos é por natureza visual espacial, dada a natureza perceptual desses indivíduos, sendo o acesso ao input escrito da língua oral a modalidade naturalmente adequada. Além disso, as condições sociais de aquisição de L1 e de L2 por surdos são diversas, até porque, no Brasil, a aquisição da língua de sinais, por muito tempo, se revelou tardia – primordialmente pelo fato de que a maioria dos surdos pertence a famílias de ouvintes. Em meio a essa realidade, a criança se depara com o contato com a língua oral (na modalidade escrita ou oralizada), mas a realidade é o acesso insuficiente em ambas as línguas. Diante disso, é evidente que, uma vez identificada a surdez, a criança necessita imediatamente de contato com a língua de sinais para que se evite prejuízos cognitivos decorrentes da ausência de língua.

Com os avanços trazidos pela legislação educacional vigente (a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, também chamada de Lei Darcy Ribeiro) em consonância com a Lei nº 10.436/2002, referida como Lei de Libras, e sua regulamentação, o Decreto nº 5626/2005 e a Lei nº 12.319/2010, da acessibilidade, a sociedade e as autoridades governamentais e educacionais vêm reconhecendo as demandas linguísticas dos surdos, bem como sua identidade cultural. Por sua vez, as escolas têm procurado estratégias de ensino que abarquem as especificidades subjetivas dos estudantes brasileiros surdos, a exemplo da criação de escolas bilingues para surdos em diversos estados brasileiros.

A educação de surdos é interesse da sociedade brasileira e a legislação em vigor e as ações promovidas pelas autoridades educacionais nos estados e municípios de nosso país atualmente evidenciam isso.14 Além disso, consideração pacífica entre surdos e ouvintes participantes das mudanças sociais no âmbito educacional, é a importância dos critérios para

13A mudança do código (code-switching) está ligada ao problema do contato entre as línguas, e consiste na

presença de estruturas e itens lexicais de uma língua nos enunciados de outra língua, nas situações de uso, fenômeno esse capaz de interferir no surgimento de novo sistema linguístico. ( p. 65)

14 Há de se considerar que as mudanças são fruto de décadas de luta de uma comunidade surda organizada em

atendimento ao estudante surdo, a começar da figura do professor. O professor precisa ter conhecimento especializado e estar capacitado para realizar os atendimentos. Salles (2007, p. 60) ressalta: “A formação de professores deverá desenvolver-se em ambiente acadêmico e institucional especializado, promovendo a investigação dos problemas dessa modalidade de educação, buscando-se oferecer soluções teoricamente fundamentadas e socialmente contextualizadas.”