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3. Capítulo III – O Percurso do Voo RAF47 no Instituto Geográfico do Exército

3.1. Aquisição do Voo

Durante a Segunda Guerra Mundial, a fotogrametria evoluiu bastante, tendo-se tornado numa das mais valiosas armas à disposição de cada uma das partes envolvidas no conflito [Redweik et al., 2009]. Para além do rápido desenvolvimento tecnológico que se verificou nesta área durante esta época, nomeadamente na evolução das câmaras aéreas, a interpretação fotográfica ganhou uma importância vital neste período. Para tentar prever os ataques inimigos e minimizar as suas consequências, era necessário conhecer com exactidão a localização dos edifícios militares e vigiar constantemente todos os movimentos efectuados nas suas imediações. Esta necessidade conduziu à adaptação de muito do material fotogramétrico existente na altura, principalmente das câmaras que, entre outras modificações, passaram a apresentar distâncias focais superiores às apresentadas até à data, pois a fim de ficar fora do alcance dos inimigos, os voos tinham de ser feitos a alturas mais elevadas. Foram, ainda, desenvolvidas, durante este período, técnicas para a obtenção de fotografias nocturnas e o movimento do negativo para compensar o arrastamento visível nas imagens devido à velocidade do avião em voos de baixa altitude [Evidence in Camera, 1945].

A interpretação fotográfica desempenhou um papel vital durante a Segunda Guerra Mundial, mas não perdeu a sua importância após o fim do confronto. Em 1945, muitos países europeus estavam completamente destruídos. A necessidade de uma cuidadosa avaliação da extensão dos danos e do planeamento da reconstrução fez com que a interpretação fotográfica não caísse no esquecimento. Nos anos posteriores à Guerra, era comum efectuar voos fotográficos com estes fins [Remote Sensing and Photogrammetry Society, 2008].

Depois do fim da Guerra, a British Royal Air Force realizou vários voos fotogramétricos sobre a Península Ibérica. As imagens referentes a Portugal foram adquiridas entre os meses de Maio e Agosto de 1947, tendo sido adquiridas aproximadamente 12000 fotografias. As razões que levaram a RAF à aquisição destas imagens não são conhecidas, mas existe a possibilidade de que estas não tenham sido adquiridas para aquisição de informação estereoscópica, mas sim para a construção de mosaicos [Redweik et al., 2009]. Um mosaico é um conjunto de fotografias aéreas individuais organizadas de forma a

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parecerem uma única fotografia onde está representada toda a área fotografada. É impossível criar um mosaico perfeito, devido às variações na altitude e na atitude do avião e ao relevo da área fotografada. No entanto, apesar de a exactidão dos mosaicos poder variar consoante a técnica utilizada na sua construção, já na época em que as imagens foram obtidas, era possível construir mosaicos com a exactidão exigida a uma carta. A utilização deste género de produtos é bastante vantajosa, uma vez que permite a análise de vários aspectos da zona de estudo sem ser necessário realizar muitas campanhas de campo, as quais envolvem sempre custos elevados. Os mosaicos construídos a partir de fotografias aéreas valorizam mais a posição relativa dos elementos que a sua posição absoluta [American Society of Photogrammetry, 1952].

Durante o ano de 1948, os rolos de filme fotográfico onde foram registadas as fotografias foram oferecidos aos Serviços Cartográficos do Exército [Alves, 1950a]. O facto de várias instituições civis terem conseguido autorização superior para ter acesso a provas destas imagens, fez com que, nos anos seguintes, estas fossem frequentemente utilizadas. A entidade mais interessada nas fotografias do voo RAF47 foi o Ministério da Economia, ao qual foram fornecidas 4600 provas deste voo em 1949 e 1174 no ano seguinte. As referidas imagens foram de grande utilidade, principalmente, para os Serviços Florestais e Agrícolas [Alves, 1950a; Alves, 1950b].

A interpretação de fotografias aéreas não tinha apenas aplicações militares. Esta fonte de informação era de grande importância para a monitorização de zonas florestais, por exemplo. Através desta ferramenta era possível conhecer quais as zonas do país cobertas por floresta, quais as espécies existentes, identificar zonas onde exista um elevado número de árvores mortas e permitia, ainda, o planeamento de acções como reflorestação e construção de acessos. Para além das florestas, existiam outras actividades civis onde a interpretação de fotografias aéreas podia ser utilizada, tais como, a hidrologia e a agricultura [American Society of Photogrammetry, 1960].

A Companhia Nacional de Electricidade também achou vantagem na utilização das fotografias, tendo sido obtidas 58 provas das imagens para esta entidade durante o ano de 1950. O Estado-Maior Naval mostrou interesse na cobertura aérea, tendo adquirido imagens referentes a toda a zona costeira do continente. Para além das entidades referidas, algumas provas foram, ainda, utilizadas por câmaras municipais.

Simultaneamente à obtenção das provas, foi realizado um enquadramento referente a este voo, onde as fotografias foram localizadas na carta 1:50000 [Alves, 1950a; Alves, 1950b]. Ainda existe, nos arquivos do IGeoE, um outro enquadramento antigo das fotografias

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do RAF47. Este está organizado num caderno e consiste num conjunto de folhas de papel vegetal (Figura 3.1), onde estão representados 1 em cada 3 fotogramas por fiada, estando estes registados a cores diferentes para permitir a diferenciação dos rolos utilizados. Para além do esquema que apresenta a posição relativa entre os vários fotogramas, cada um destes contém o número da fotografia que representa e cada uma das fiadas tem a indicação de qual o rolo em que as respectivas imagens estão registadas. As folhas de papel vegetal estão enquadradas sobre uma edição antiga da carta de Portugal à escala 1:250000, sendo esta a única informação espacial que existiu sobre estas imagens durante um período de cerca de 60 anos. O referido caderno contém ainda duas informações sobre as fotografias: a sua escala e as suas dimensões. Através desta fonte foi possível ficar a saber que as imagens têm uma escala de 1:30000 e apresentam um formato de 23 cm 23 cm. Contudo, não existe nenhum outro tipo de informação sobre estas imagens, nem sobre a câmara aérea com as quais foram obtidas.

Figura 3.1 – Enquadramento das fotografias do voo RAF47 referentes à região de Lisboa (IGeoE).

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Recentemente, estas folhas de papel vegetal foram digitalizadas e enquadradas sobre um cartograma da carta 1:25000, em formato digital. Esta nova versão do enquadramento serviu de base para a selecção das imagens a utilizar na realização do presente projecto.