• Nenhum resultado encontrado

4 A ESCOLA PÚBLICA NO CAMPO: ENTRE OS INTERESSES DA ELITE E AS

5.2 DETERMINANTES EXTERNOS E INTERNOS e o processo de ensino e

5.2.1 Arcabouço normativo

A organização do ensino no Brasil segue alguns documentos normativos que pretendem padronizar e orientar o ensino no país. Para o Ensino Fundamental, que corresponde ao nível de ensino envolvido na pesquisa, analisamos as Diretrizes Nacionais Curriculares da Educação Básica. O documento apresenta as diretrizes para a Educação Infantil, para o Ensino Fundamental de 9 anos e demais níveis e modalidades de ensino.

Com relação aos anos iniciais do Ensino Fundamental, podemos destacar alguns aspectos que apontam para uma educação que contemple as singularidades das instituições educativas. Os alunos da Educação Básica são considerados sujeitos ativos:

[...] social e culturalmente, porque aprendem e interagem; são cidadãos de direito e deveres em construção; copartícipes do processo de produção de cultura, ciência, esporte e arte, compartilhando saberes, ao longo de seu desenvolvimento físico, cognitivo, socioafetivo, emocional, tanto do ponto de vista ético, quanto político e estético, na sua relação com a escola, com a família e com a sociedade em movimento (BRASIL, 2013, p. 35).

Constatamos que o documento legal reafirma a condição dos alunos como protagonistas do processo de ensino e aprendizagem e, ainda, também os reconhece como sujeitos de direitos. Direitos que, no caso das escolas localizadas no campo, na sua maioria não são respeitados e, dentre eles, destacamos o direito a uma educação de qualidade.

Também consta nas Diretrizes para a Educação Básica (2013, p. 35) como princípio orientador da prática educativa “o respeito aos estudantes e a seus tempos

mentais, socioemocionais, culturais, identitários”. Desta forma, há um

É responsabilidade dos sistemas educativos responderem pela criação de condições para que crianças, adolescentes, jovens e adultos, com sua diversidade (diferentes condições físicas, sensoriais e socioemocionais, origens, etnias, gênero, crenças, classes sociais, contexto sociocultural), tenham a oportunidade de receber a formação que corresponda à idade própria do percurso escolar, da Educação Infantil, ao Ensino Fundamental e ao Médio (BRASIL, 20113, p. 35).

Quanto ao projeto político-pedagógico, documento cuja elaboração demanda um processo coletivo, representa uma forma de descentralização do poder de decidir os rumos da escola, repassando a ela a responsabilidade na condução da ação educativa, de modo a contemplar as especificidades dos sujeitos envolvidos no processo e as demandas da comunidade atendida.

Nomeado na LDB como proposta ou projeto pedagógico, representa mais do que um documento. É um dos meios de viabilizar a escola democrática e autônoma para todos, com qualidade social. Autonomia pressupõe liberdade e capacidade de decidir a partir de regras relacionais. O exercício da autonomia administrativa e pedagógica da escola pode ser traduzido como a capacidade de governar a si mesmo, por meio de normas próprias (BRASIL, 2013, p. 47).

Na construção do projeto político pedagógico, “a concepção de currículo e de conhecimento escolar deve ser enriquecida pela compreensão de como lidar com temas significativos que se relacionem com problemas e fatos culturais relevantes da realidade em que a escola se inscreve” (BRASIL, 2013, p.48).

Há que se pensar na relação entre o singular, o particular e o universal, pois o papel da escola, conforme defendido pela pedagogia histórico-crítica, é possibilitar aos alunos a apropriação do conhecimento científico historicamente produzido pela humanidade; mas tal apropriação depende da interlocução com os conhecimentos cotidianos ou espontâneos que embasam a construção dos conhecimentos científicos.

Outro documento importante destacado nas Diretrizes é o regimento escolar

O regimento escolar trata da natureza e da finalidade da instituição; da relação da gestão democrática com os órgãos colegiados; das atribuições de seus órgãos e sujeitos; das suas normas pedagógicas, incluindo os critérios de acesso, promoção, e a mobilidade do escolar; e dos direitos e deveres dos seus sujeitos: estudantes, professores, técnicos, funcionários, gestores, famílias, representação estudantil e função das suas instâncias colegiadas. (BRASIL, p. 51)

Portanto, o regimento representa um dos instrumentos de execução do projeto político pedagógico em consonância com a legislação e as normas educacionais.

Quanto a forma de gestão:

Acrescente-se que a obrigatoriedade da gestão democrática determinada, em particular, no ensino público (inciso VIII do artigo 3º da LDB), e prevista, em geral, para todas as instituições de ensino nos artigos 12 e 13, que preveem decisões coletivas, é medida desafiadora, porque pressupõe a aproximação entre o que o texto da lei estabelece e o que se sabe fazer, no exercício do poder, em todos os aspectos. Essa mudança concebida e definida por poucos atinge a todos: desde a família do estudante até os gestores da escola, chegando aos gestores da educação em nível macro. Assim, este é um aspecto instituidor do desafiante jogo entre teoria e prática, ideal e realidade, concepção de currículo e ação didático- pedagógica, avaliação institucional e avaliação da aprendizagem e todas as exigências que caracterizam esses componentes da vida educacional escolar. (BRASIL, 2013 p.55).

Vemos que no documento ministerial há incentivo à gestão democrática, no entanto, a realidade empírica nos mostra que no município pesquisado e, também em outros municípios da Região Metropolitana de Curitiba, há a predominância de uma gestão autoritária, hierárquica e centralizadora. Situação que é um agravante para o processo ensino e aprendizagem porque as decisões que vem de cima para baixo, de fora da escola para dentro da sala de aula, desconhecem a materialidade do contexto e as necessidades dos sujeitos envolvidos no processo.

A Resolução CNE/CEB 1/2002, que institui as Diretrizes Operacionais para a Educação do Campo, também faz menção à gestão democrática, ao respeito à diversidade cultural, à flexibilização da organização do calendário escolar e à formação de professores. O artigo 13 faz a declaração, a seguir.

Os sistemas de ensino, além dos princípios e diretrizes que orientam a Educação Básica no país, observarão, no processo de normatização complementar da formação de professores para o exercício da docência nas escolas do campo, os seguintes componentes: I - estudos a respeito da diversidade e o efetivo protagonismo das crianças, dos jovens e dos adultos do campo na construção da qualidade social da vida individual e coletiva, da região, do país e do mundo; II - propostas pedagógicas que valorizem, na organização do ensino, a diversidade cultural e os processos de interação e transformação do campo, a gestão democrática, o acesso ao avanço científico e tecnológico e respectivas contribuições para a melhoria das condições de vida e a fidelidade aos princípios éticos que norteiam a convivência solidária e colaborativa nas sociedades democráticas (BRASIL, 2002, p.3)

O documento referido, além de um marco orientador para a organização das escolas localizadas no campo, apresenta avanços conquistados mediante a luta dos movimentos sociais em prol de uma educação de qualidade para os povos do campo. No entanto, constatamos em nossas pesquisas, o seu desconhecimento, bem como do Decreto nº 7352 de 4 de novembro de 2010, que dispõe sobre a política de Educação do Campo.

A política de educação do campo destina-se à ampliação e qualificação da oferta de educação básica e superior às populações do campo, e será desenvolvida pela União em regime de colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, de acordo com as diretrizes e metas estabelecidas no Plano Nacional de Educação e o disposto neste Decreto (BRASIL, 2010, s.p.)

No Decreto também estão explicitados os princípios da Educação do Campo com relação ao respeito à diversidade em todas as suas dimensões; sobre a elaboração de projetos político pedagógicos que contemplem a realidade do campo, elaborados de forma coletiva com a participação de toda comunidade escolar, de forma que reflitam a escola e o tipo de educação que pretendemos; sobre a política de formação de profissionais da educação, que atenda à demanda do campo no que se refere à realidade da vida e de trabalho; sobre a valorização da identidade da escola; sobre o controle da qualidade da educação.

Entretanto, há uma distância entre o que os documentos declaram e o que efetivamente é realizado nos municípios, pois, nesse aspecto, não há uma contribuição efetiva das condições de melhoria do ensino nas escolas localizadas no campo. O desconhecimento das leis, de documentos que garantem direitos e ações específicas inviabilizam a materialização da escola do campo, conforme preconizada pelos movimentos sociais.