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DESENVOLVIMENTO FILOGENÉTICO DO PSIQUISMO

2 O PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM: A CONCEPÇÃO

2.2. DESENVOLVIMENTO FILOGENÉTICO DO PSIQUISMO

A filogênese diz respeito à evolução da espécie, desta forma Vigotski (1931, p.38) apresenta as peculiaridades da conduta humana, afirmando que, ao compararmos a adaptação e desenvolvimento dos animais com a adaptação e

desenvolvimento histórico do homem, fica evidenciado que “o processo de

desenvolvimento psíquico do homem é uma parte do processo geral do desenvolvimento da humanidade”.

Segundo Luria (1979, p.44), os progressos na evolução do homem e sua transmissão às gerações posteriores decorrem da atividade humana que, diferente da atividade animal, é criadora e produtiva. “Esta é, portanto, e antes de mais nada,

a atividade fundamental do homem, o trabalho24” (Grifo do autor).

Os homens em sua atividade, não apenas se adaptam25 à natureza, mas a

modificam. À medida que suas necessidades aumentam, os homens criam

24

É essencial que compreendamos a relação entre o trabalho no campo e as experiências de vida no campo como constitutivas dos sujeitos e como fonte de conhecimento e saber.

25 “O desenvolvimento do homem, da sua vida, exige evidentemente uma interação constante do

instrumentos, máquinas, habitações, vestimentas e outros valores materiais. O progresso na produção de materiais aumenta o conhecimento do homem sobre o mundo e sobre si mesmo, resultando no desenvolvimento das artes e da ciência.

Para além disso, no processo de atividade dos homens, as suas capacidades conhecimentos e aptidões cristalizam-se de determinada maneira nos produtos dessa atividade, nos produtos materiais e espirituais, nos seus ideais. [...] cada nova geração começa sua vida no mundo dos objetos e fenômenos criados pelas gerações precedentes. Participando do trabalho, na produção e nas diferentes formas da sua atividade social, ela apropria-se das riquezas deste mundo, desenvolvendo nos homens as aptidões especificamente humanas que já se haviam encarnado neles. (LURIA, 1979, p. 44-45).

Para Luria (1979, p. 48), o mesmo acontece com relação ao pensamento e aos conhecimentos, os quais se desenvolvem a partir dos avanços das gerações

anteriores26, “por meio da assimilação individual dos progressos do desenvolvimento

histórico da humanidade”. No entanto, é importante ressaltar que a relação do homem com a natureza não é simples adaptação, mas apropriação, processo que consiste na “reprodução, pelo indivíduo, das aptidões e funções humanas, historicamente formadas. [...] encarnação nas propriedades do indivíduo das aquisições da espécie”. (LURIA, 1990, p. 169).

Assim, a aquisição das ações mentais, que estão na base da apropriação pelo indivíduo da “herança” dos conhecimentos e conceitos elaborados pelo homem, supõe, necessariamente que o sujeito passe das ações realizadas no exterior às ações situadas no plano verbal, depois à uma interiorização progressiva destas últimas; o resultado é que estas ações adquirem o caráter de operações intelectuais estreitas, de atos intelectuais. (LURIA, 1979, p. 183).

de adaptação do homem à natureza. Todavia o homem adaptar-se à natureza circundante não é

senão produzir os meios de sua própria existência. Graças a isto, o homem, diferentemente do animal, mediatiza, regula e controla este processo pela sua atividade; ele próprio desempenha, em face da natureza, o papel de uma potência natural” (LURIA, 1990, p. 173).

26 As ponderações do autor ressaltam a necessidade da interação entre as diferentes gerações, para

que as gerações mais novas se apropriem daquilo que já foi socialmente conquistado a fim de avançar o desenvolvimento. Esta situação se faz presente na dinâmica dos acampamentos e assentamentos do MST, nos quais é permitido às crianças participarem de todas as ações desenvolvidas, de modo a se apropriarem da totalidade da realidade da vida na comunidade.

Luria, reforçando a natureza humana, apresenta três fatores importantes que distinguem a atividade consciente do homem do comportamento instintivo dos animais. Primeiramente, afirma que as atividades do homem não se baseiam em inclinações biológicas, mas em complexas necessidades superiores, dentre elas, as necessidades cognitivas, de comunicação e de participação na sociedade. Outro fator importante reside no fato do homem não se basear nas impressões imediatas do meio, mas na capacidade de refletir sobre o comportamento e condições do meio, de maneira mais profunda que os animais. O terceiro fator é que o homem supera o comportamento dos animais, os quais possuem apenas duas fontes, a saber, os programas hereditários e a experiência individual; enquanto no homem os conhecimentos e habilidades se formam “por meio da assimilação da experiência de

toda a humanidade, acumulada no processo da história social e transmissível no

processo de aprendizagem” (LURIA, 1979, p. 73, grifos do autor).

Portanto, para Luria (1979) a raiz da atividade histórico social do homem tem sua origem no trabalho social, com o emprego e a elaboração de instrumentos de

trabalho, e também na linguagem. A elaboração dos instrumentos de trabalho

implica num conhecimento sobre a utilização dos mesmos, o que resultou no surgimento da produção da consciência; tal fato comprova que o homem não age de acordo com a necessidade puramente biológica, pois, ao criar um produto, ele só terá sentido com sua aplicação posterior na existência humana.

Corroborando com Luria, Leontiev (1978) também afirma que o trabalho é condição fundamental da existência do homem, o qual acarretou a transformação e hominização do cérebro, provocando modificações anatômicas e fisiológicas, modificando sua aparência física. O aparecimento da consciência marca então, segundo o autor, o começo de uma etapa superior de desenvolvimento psíquico, pois ela nada mais é do que o reflexo da realidade. “A consciência humana distingue a realidade objetiva do seu reflexo, o que a leva a distinguir o mundo das impressões interiores e torna possível com isso o desenvolvimento da observação de si mesmo”. (LEONTIEV, 1978, p. 70).

Por sua vez, o surgimento da linguagem, conforme Luria (1979, p. 80) apresenta três mudanças essenciais na atividade consciente do homem. A primeira consiste em que: “designando os objetos e eventos do mundo exterior com palavras isoladas ou combinadas, a linguagem permite discriminar esses objetos, dirigir a atenção para eles e conservá-los na memória”. A segunda mudança é que as

palavras, além de indicar a propriedade das coisas, permitem abstrair suas categorias essenciais. Como terceira mudança, a linguagem caracteriza-se como “o

veículo fundamental de transmissão da informação”. (LURIA, 1979, p. 81, grifo do

autor).

A linguagem, além de reorganizar os processos perceptivos, altera os processos de atenção do homem, da memória, pois permite desligar-se da experiência imediata do objeto e possibilita o surgimento da imaginação.

Desta forma, Vigotski (1931, p. 57) aponta a filogênese como início do desenvolvimento psíquico do ser humano, o qual prossegue na ontogênese, não apenas com relação ao aperfeiçoamento e complexificação da estrutura e das funções cerebrais, mas também com relação à aquisição da linguagem, enquanto um importante aparato de sinais que, para o autor, representa a chave do desenvolvimento psíquico.

Consequentemente, a essência humana fica assegurada mediante o acesso ao acervo da humanidade, inclusive por meio da educação. Quando há impossibilidade de acesso aos conhecimentos socialmente acumulados, o sujeito fica em situação de marginalidade, o que o fragiliza e deixa suscetível a situações de dominação. Destacamos que, na sociedade sob o modo de produção capitalista, a dominação de uma classe sobre a outra se reflete justamente na escola, pois de posse da hegemonia do saber, a classe dominante controla aquilo que a classe

trabalhadora deve ou não se apropriar. Trata-se de uma questão fundante para a

pedagogia histórico-crítica, que destaca a transmissão de conhecimentos na escola como fator essencial para instrumentalizar a classe trabalhadora a fim de romper com a situação de alienação e subalternidade, conforme desenvolveremos na sequência.