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8 A RGAMASSAS DE CAL AÉREA COM COMPONENTES POZOLÂNICOS

4.4 Argamassas com base em cal hidráulica ou cimento

- Argamassas de cal hidráulica

As argamassas de cal hidráulica natural apresentam características, de um modo geral, intermédias entre as argamassa de cimento e as argamassas de cal aérea. As argamassas de cal hidráulica artificial registam resistências à compressão aproximadas às obtidas com argamassas de cal hidráulica natural mas reduzida deformação na rotura (que chega a ser inferior à das argamassas de cimento), pelo que apresentam reduzido interesse para aplicação em argamassas para rebocos [666, 668].

Lewin [400] analisou em laboratório argamassas de cal hidráulica e areia. A própria cal hidráulica analisada já continha portlandite (hidróxido de cálcio) e os mesmos minerais constituintes do cimento Portland (C3S, C2S, C3A e, em menores quantidades, C2F e C6A2F). Ao preparar uma mistura de 1:3 de cal hidráulica e areia, obteve resultados semelhantes aos obtidos com argamassa de cimento, cal aérea e areia com traço 1:4:10 a 12. A análise por XRD não identificou componentes hidráulicos tais como a tobermorite (5CaO.6SiO2.21/2H2O) que é identificada em pastas de cimento Portland. No entanto, a análise por SEM mostrou que as superfícies dos grãos de areia (quartzo) estavam cobertas por películas de forma típica à cristalização de gel CSH e de tobermorite.

A existência de cal hidráulica e de cimento natural em argamassas antigas é apresentada por Callebaut et al [101] através de análises petrográficas, mineralógicas, por SEM e químicas. A dominância de C2S, a presença de gehlenite (C2AS), a grande quantidade de CA(OH)2 e a baixa

quantidade de SiO2, Al2O3 e Fe2O3 apontaram para a utilização de cal hidráulica natural em algumas argamassas antigas analisadas. A presença de gehlenite (C2AS) pode ser um importante

indicador da temperatura máxima atingida na queima da cal durante o processo de cozedura, uma vez que se forma a temperaturas inferiores a 1250ºC, juntamente com C2S. Registaram a presença

4. Análise de argamassas 125 materiais durante a produção de cal hidráulica natural. A calcite (CaCO3) encontrada nas amostras

não é encontrada em amostras com cimento. A presença de C2S é um indicador menos valioso da utilização de cal hidráulica natural devido ao facto do C3S hidratar mais depressa que o C2S, que

resulta numa mais alta proporção de cristais de C2S no ligante.

As argamassas de cal hidráulica artificial analisadas por Veiga [677], com traços volumétrico de 1:3 revelaram-se demasiado “fortes”, rígidas e susceptíveis à fendilhação. A argamassa de cal hidráulica natural analisada, com traço 1:4, apresentou resistências mecânicas demasiado fracas para juntas. As argamassas de cal hidráulica apresentaram genericamente bom comportamento à água.

Vários investigadores [27, 617] sugerem que possa existir uma relação entre a hidraulicidade e a permeabilidade ao vapor em argamassas de cal hidráulica. Por outro lado, a temperatura influencia a taxa de hidratação. Quando se trata da hidratação de cais hidráulicas obtidas por técnicas a quente (mistura da cal hidráulica viva com areia molhada, a fim de hidratar), Forster [238] considera que, devido ao desenvolvimento de silicatos de cálcio hidratados (CSH), de aluminatos de cálcio hidratados (CAH) e de alumino-silicatos de cálcio (CAS), ocorre uma aceleração da presa, que conduz a uma maior resistência ao gelo (pelo facto da redução da permanência da água na argamassa).

- Argamassas de cimento

Em argamassas de cimento a distribuição do tamanho dos poros é muito diferente de em argamassas de cal [312]. A pequena dimensão dos poros nas argamassas de cimento pode ser a principal causa de danos entre as argamassas de cimento e os materiais pétreos das alvenarias. Os poros de pequeno diâmetro exercem uma maior força capilar e retêm a água por um período de tempo superior ao que sucede com os poros maiores. As argamassas de cimento, devido aos seus poros de pequena dimensão, conduzem a água para a interface com a pedra e a evaporação nestas zonas passa a ocorrer através desta, de porosidade geralmente maior. A degradação da pedra é então incrementada pelas tensões induzidas na evaporação e pelo depósito potencial de sais. Pelo contrário, a porosidade de argamassas de cal é mais compatível com a das pedras, pelo que a água não tende a localizar-se em redor das juntas, sendo assim a evaporação menos concentrada.

Relativamente à degradação provocada por ambientes marítimos, Bosc et al [79] estudaram os mecanismos de degradação de diferentes argamassas de cimento através de um simulador de nevoeiro salino durante 84 dias (que equipararam a uma acção natural da ordem de 80 anos) e seguiram o curso da simulação pela aferição das variações de velocidade por ultrasons. Após a simulação, estudaram a microestrutura e os movimentos hídricos, a fim de identificar os produtos formados e comparar a porosidade e a penetração dos iões agressivos. Os resultados mostraram

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que a alteração das argamassas está muito relacionada com a distribuição porosa e a penetração desses iões e que a adição de metacaulino contribui para criar uma microestrutura mais compacta que reduz as trocas com o meio salino.

Em termos da resistência aos sais solúveis, Palomo et al [495] consideram que as argamassas de cimento apresentam bom comportamento ao ensaio de cloretos, não apenas devido a maior resistência mecânica relativamente às argamassas de cal (que permite que as argamassas de cimento absorvam melhor as tensões internas) mas também aos cloretos poderem interligar-se aos aluminatos do cimento, gerando o sal de Friedel39(vd. 3.3.11.2). Esta fixação de cloretos numa nova fase vai interagir contra o processo destrutivo, devido a reduzir a quantidade de halite livre. No caso de imersão das argamassas em solução de sulfato de sódio (sem ciclos de secagem), a presença de quantidade moderada de etringite e a presença de gesso indicia a existência de alguns processos expansivos, devidos a reacções entre os aluminatos de cálcio do cimento e os sulfatos e entre esses sulfatos e a portlandite, que se desenvolvem em paralelo à cristalização da ternardite. Este ataque por sulfatos às fases hidratadas do cimento não é tão destrutivo como o efeito da cristalização da ternardite mas pode ser a causa da deterioração irreversível das argamassas de cimento.

Relativamente à sulfatação de argamassas, esta é função de diferentes factores relativos às condições ambientais, tais como a concentração de SO2 e aerosóis no ar, a temperatura, a humidade relativa, a velocidade do vento e a presença de água líquida, e relativos às características do material, como sejam a composição química e mineralógica, a porosidade e a permeabilidade [68, 69]. A matriz de argamassas hidráulicas (com base em cimento Portland, em cimento branco, em cal hidráulica ou em mistura de cal aérea e pozolana) é maioritariamente constituída por silicatos e aluminatos de cálcio hidratados, assim como por portlandite e/ou CaCO3. Cada uma destas fases interage de modo distinto em ambientes contaminados por SO2, formando diferentes

compostos, tais como sulfitos e sulfatos de cálcio hidratados. Uma das fases que se podem, eventualmente, formar como consequência da sulfatação dos compostos hidráulicos é a taumasite. Os autores submeteram provetes de argamassas de cimento e de cal hidráulica a um processo de sulfatação acelerado e conservação em imersão parcial em água a 5ºC, durante vários meses. Constataram a formação de taumasite nas argamassas de cimento e de cal hidráulica (nestas últimas só nos provetes mantidos parcialmente imersos). O primeiro produto formado devido à interacção das argamassas com o SO2 foi o gesso, que reage com o carbonato de cálcio e

o gel CSH, dando lugar à formação de taumasite, enquanto em argamassas de cal aérea e pozolana não se formou taumasite.

4. Análise de argamassas 127 No que se refere à acção específica do ataque por sulfatos a argamassas de cimento conservadas parcialmente imersas em água à temperatura de 0 a 5ºC ao longo de um ano, a presença da taumasite foi muito mais forte nas argamassas com cimento com alto teor de aluminato tricálcico (C3A) relativamente às argamassas de cimento com baixo teor em C3A [4]. Em argamassas de cimento Portland com areia calcária ou de cimento com 15% e 30% de calcário, imersas numa solução de sulfato de magnésio a 5ºC e 25ºC, desenvolveu-se ataque de sulfatos por desenvolvimento de taumasite, a baixa temperatura, não se tendo identificado esse ataque nas argamassas conservadas à temperatura ambiente. Neste tipo de argamassas de cimento com 15% de calcário e areias siliciosas ou calcárias, a utilização de minerais específicos, como é o caso de componentes pozolânicos, podem inibir a formação da taumasite [629]. A introdução de pozolanas (caso do metacaulino) provoca a densificação da matriz da argamassa devido à sua elevada superfície específica e consumo do hidróxido de cálcio [590]. Estas conclusões vieram corroborar as obtidas a partir de uma análise de argamassas de cimento com incorporação de metacaulino realizadas por Khatib e Wild [377] que mostraram que a resistência ao sulfato de sódio (Na2SO4) aumenta com o aumento da substituição do cimento pelo metacaulino até 25%.

Os investigadores atribuem à alteração da estrutura porosa e à diminuição do teor em cal livre com o acréscimo em metacaulino (em argamassas sujeitas a cura húmida) a principal responsabilidade pela melhoria da resistência aos sulfatos das argamassas.

No que se refere à retracção linear, Veiga [670] analisou várias argamassas. A argamassa com traço 1:4 de cimento e areia de rio, bem como argamassas idênticas mas incorporando fibras (de vidro e de polipropileno) ou armadas com redes, apresentaram um empolamento inicial, seguido de contracção que atingiu valores de 0,15 a 0,20 mm/m, a partir do 3º dia; algumas argamassas pré-doseadas e uma argamassa de ligante misto (aditivada com resina sintética) apresentaram retracções sensivelmente superiores às anteriores; a argamassa bastarda de cimento, cal aérea e areia, com traço 1:1:6, e a argamassa com traço 1:4 de cal hidráulica e areia apresentaram os menores valores de retracção. A investigadora considera que, para este tipo de argamassas, os resultados obtidos não contrariam os resultados de retracção obtidos com os prismas (método tradicional de determinação da retracção), com o início da aferição a 1 dia de idade.

Relativamente à influência das areias, Veiga e Carvalho [669], a partir de um estudo realizado com argamassas com base em ligantes hidráulicos e bastardas, concluem que a introdução de misturas de areia de areeiro, juntamente com areia de rio, reduz a capilaridade e aumenta o módulo de elasticidade de argamasssas realizadas só com areia de rio. As mesmas autoras, numa análise realizada a argamassas de cimento, de cal hidráulica e bastardas de cal hidráulica e cimento, com areia de rio, areia de areeiro ou mistura a 50% das duas areias [668], verificaram que as argamassas de cal hidráulica apresentaram melhor trabalhabilidade que as bastardas e estas que as só de

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cimento, e que a influência das areias era mais sensível nas argamassas de cimento (melhor plasticidade e coesão com areia de areeiro). A retracção apresentada pelas argamassas bastardas de cimento e cal hidráulica era muito elevada (ultrapassando até a apresentada pelas argamassas de cimento que, por sua vez, era maior que a das argamassas de cal hidráulica) e tanto mais elevada quanto maior a incorporação de areia de areeiro nas argamassas. A capilaridade das argamassas de cal hidraúlica é superior às bastardas e estas às de cimento, contribuindo a areia de areeiro para a diminuição da capilaridade (argamassas com maior teor em finos e menor quantidade de água de amassadura necessária e, por isso, menos porosas e mais compactas). A relação existente entre as resistências à flexão e à compressão indicia um comportamento bastante frágil, pouco favorável relativamente à fendilhação. O teor em areia de areeiro também contribui para o aumento da resistência à tracção por flexão e à compressão das argamassas e do correspondente módulo de elasticidade, e para a redução da permeabilidade ao vapor. As autoras referem que a introdução de areia de areeiro deve ser limitada a pequenas porções, considerando excessiva a mistura em partes iguais.

No estudo de argamassas que tem vindo a ser desenvolvido no LNEC ao longo dos anos e de acordo com os critérios de requisitos mínimos para edifícios antigos estabelecidos [676], Veiga [677] verificou que relativamente ao comportamento mecânico, as argamassas de cimento analisadas, com traço volumétrico de 1:4 só com areia de rio ou com mistura em partes iguais de areia de rio e de Corroios, são demasiado “fortes” e rígidas, transmitindo ao suporte forças excessivas e tendo uma rotura demasiado frágil, confirmando-se serem inadequadas para paredes antigas, por tenderem a degradar as alvenarias antigas por transmissão de esforços elevados e a fendilhar por dificuldade em acomodar as deformações elevadas que são expectáveis nesse tipo de suportes. As argamassas de cimento analisadas mostraram tendência para reter a água junto ao suporte, dificultando a sua secagem e contribuindo para a degradação da construção.