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3 A EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E O ESTUDO DA ARGUMENTAÇÃO

3.3 Argumentação e Educação em Ciências

Com relação ao campo de Educação em Ciências, mais especificamente, também há vários estudos que apontam a importância da argumentação nos processos de ensino-aprendizagem de Ciências (JIMÉNEZ-ALEIXANDRE; ERDURAN, 2007; SCOTT ET AL., 2007; TIBERGHIEN, 2007; KUHN, 1993; SANDOVAL; REISER, 2004; SADLER, 2006; SANTOS; MORTIMER, 2001; SÁ; QUEIROZ, 2007; ZOHAR, 2007; VILLANI; NASCIMENTO, 2003; CAPECCHI; CARVALHO; SILVA, 2002;

KELLY; DUSCHL, 2002; DUSCHL, 2008; MUNFORD ET. AL., 2005; MONTEIRO;

TEIXEIRA, 2004; MCNEILL; PIMENTEL, 2010; OSBORNE ET AL., 2013; BERLAND; HAMMER, 2012). Os resultados dessas pesquisas indicam potenciais contribuições da introdução de argumentação nas salas de aula de ciências, como sumarizado por Jiménez-Aleixandre e Erduran (2007).

Primeiramente, ela promove o desenvolvimento do raciocínio, particularmente a escolha de teorias ou posições baseadas no critério racional e na certeza de que a pesquisa científica é influenciada por ideologia, poder e interesses comerciais (JIMÉNEZ-ALEIXANDRE; ERDURAN, 2007).

Em segundo lugar, pode apoiar o desenvolvimento de processos cognitivos de ordem superior, dado que os estudantes apresentam o raciocínio deles e constroem socialmente novos significados ao voltarem nas próprias declarações para buscar evidências e avaliar explicações alternativas (JIMÉNEZ-ALEIXANDRE; ERDURAN, 2007; SCOTT ET AL., 2007; TIBERGHIEN, 2007; KUHN, 1993).

Em terceiro, ela pode ser uma ferramenta de avaliação e auto-avaliação, pois a construção de argumentos torna os pensamentos dos estudantes visíveis (SANDOVAL; REISER, 2004) e permite avaliar, além do conhecimento adquirido, a capacidade de uso funcional e contextualizado dos conhecimentos para a realização do que foi proposto (BRASIL, 2002).

Em quarto lugar, permite aos estudantes desenvolver competências comunicativas e pensamento crítico que contribuem para estimular a cidadania, possibilitando a eles conhecer a sociedade em que vivem e capacitando-os para transformá-la (JIMÉNEZ-ALEIXANDRE; ERDURAN, 2007; SADLER, 2006; SANTOS; MORTIMER, 2001; SÁ; QUEIROZ, 2007; KUHN, 1993).

Em quinto lugar, a argumentação favorece a alfabetização científica para os estudantes falarem e escreverem a linguagem da ciência. Este aspecto da linguagem é abordado por vários autores como Jiménez-Aleixandre e Erduran (2007), Villani e Nascimento (2003), Capecchi, Carvalho e Silva (2002), Sá e Queiroz (2007). Eles se apóiam nos trabalhos de Bakhtin que concebe comunicação como um fenômeno social, e de Lemke que traz essa perspectiva para o estudo da fala e escrita científica como práticas sociais. Sugerem que as diferentes linguagens sociais que nós aprendemos constituem ferramentas que podem ser chamadas como formas de falar e pensar de acordo com a demanda do contexto para produzir significados específicos. Aprender ciência, então, envolve aprender o discurso científico e se apropriar dele.

Finalmente, a argumentação possibilita a enculturação na ciência, desenvolvendo nos estudantes critérios epistêmicos para avaliação do conhecimento (JIMÉNEZ-ALEIXANDRE; ERDURAN, 2007, p. 5). Este é outro aspecto que recebe bastante atenção de autores como Villani e Nascimento (2003), Capecchi, Carvalho e da

Silva (2002), Jiménez-Aleixandre e Erduran (2007), Zohar (2007), Sá e Queiroz (2007), Kuhn (1993), Duschl (2008), dentre outros. Para eles, aprendizagem de ciência envolve aprendizagem epistêmica da comunidade científica, que é definida como a apropriação de práticas cognitivas e discursivas (SANDOVAL; REISER, 2004; KELLY, 2013)

associadas com produzir, comunicar e avaliar o conhecimento (KELLY; DUSCHL, 2002). Assim, a apropriação pelos estudantes das práticas argumentativas está relacionada ao objetivo de desenvolver conhecimentos e habilidades sobre a natureza da ciência.

Esses resultados das pesquisas evidenciam como a implementação da argumentação em salas de aula pode promover aprendizagem em ciências de forma rica e multifacetada. Esses resultados também contribuíram para vários avanços no campo de pesquisa em Educação em Ciências.

O estudo de Newton e colaboradores (1999), por exemplo, tinha o objetivo de determinar se os professores de Ciências da Inglaterra ofereciam aos estudantes oportunidades para desenvolver habilidades de argumentação durante as aulas de Ciências. Esses autores utilizaram uma ferramenta para quantificar o tempo utilizado em cada atividade em sala de aula. Como resultado, os pesquisadores consideraram que havia um predomínio de exposição do professor e interações entre professor e alunos do tipo pergunta e resposta. Além disso, a tendência das práticas dominantes nas aulas era não incluir atividades que apoiavam a discussão, a argumentação e a construção social do conhecimento. Entretanto, quando ocorreram atividades práticas mais abertas, os pesquisadores observaram que os estudantes pensavam por si mesmos.

Ao entrevistar os professores sobre os resultados encontrados na pesquisa, foram levantados alguns fatores limitantes para o desenvolvimento desse tipo de atividade. Como exemplos, i) o tempo é pequeno, considerando o volume de conteúdo estabelecida pelo currículo desse país; ii) existe pressão de pais quanto às atividades resgistradas em cadernos e livros; iii) os professores apresentam poucas estratégias para estruturar as atividades de discussão, consideram-nas uma tarefa pedagógica difícil e não sentem confiança para desenvolver esse tipo de atividade; iv) os materiais ou recursos didáticos disponíveis não ajudam a apoiar atividades de discussão; v) os estudantes não reconhecem esse tipo de atividade como parte das atividades de Ciências.

Resultados de pesquisa, como esses do estudo de Newton e colaboradores (1999), criticam as práticas de uma sala de aula tradicional, propondo outros tipos de interação entre alunos e professor e entre os alunos. Esses resultados também deslocam a atenção dos pesquisadores para o discurso e contribuem para o desenvolvimento de práticas que promovem maior participação dos alunos (VARELAS ET AL., 2008) e de currículos que orientam as práticas dos professores e que fazem com que os estudantes argumentem mais (SANDOVAL; REISER, 2004).

Outros estudos contribuíram para o conhecimento sobre como os estudantes usam evidências e sobre a influência da escolarização nas formas de se comunicar dos estudantes e suas implicações para a aprendizagem de ciências, quando entendida como enculturação (JIMÉNEZ-ALEIXANDRE ET AL., 2000; JIMÉNEZ-ALEIXANDRE & ERDURAN, 2007; VILLANI; NASCIMENTO, 2003; CAPECCHI; CARVALHO; SILVA, 2002; JIMÉNEZ-ALEIXANDRE & ERDURAN, 2007; ZOHAR, 2007; SÁ & QUEIROZ, 2007; KUHN, 1993; DUSCHL, 2008).

Diante desses desafios, outros estudos procuraram caracterizar a prática dos professores, estabelecendo um maior diálogo com os docentes e sugerindo aspectos da argumentação que são mais trabalhados e os que são menos trabalhados (ZEMBAL-

SAUL ET AL., 2002; ZEMBAL-SAUL, 2008; ZOHAR, 2007; McNEILL; PIMENTEL,

2010; McNEILL; KRAJCIK, 2008; SADLER, 2006). Os estudos de Sadler (2006), de Avraamidou e Zembal-Saul (2005) e de Zembal-Saul (2009), por exemplo, relacionam positivamente experiências críticas durante a formação inicial - como a vivência e a discussão sobre argumentação em disciplinas como “Prática de Ensino” - com o aumento de habilidades do professor para desenvolver o ensino de argumentação.

Outros estudos, por sua vez, tiveram como foco as práticas de professores experientes do ensino básico relacionadas à argumentação. McNeill e Krajcik (2008), por exemplo, através de uma pesquisa quanti-qualitativa, analisaram as práticas instrucionais de 13 professores de ciências, que participaram de um programa de desenvolvimento profissional com os próprios pesquisadores. Além disso, para verificar a influência da prática do professor na aprendizagem dos estudantes, foram aplicados pré e pós-testes aos alunos. A partir dos resultados, os autores perceberam diferenças no efeito do professor sobre a aprendizagem dos estudantes e que a instrução variou entre os professores mesmo adotando a mesma unidade. Os autores também sugeriram o desenvolvimento de pesquisas sobre as interações entre professores e estudantes durante

atividades que promovam a construção de explicações científicas baseadas em evidências.

Já no estudo de McNeill e Pimentel (2010), também sobre práticas de professores experientes do Ensino Básico, analisou-se a fala dos professores e estudantes; a estrutura do argumento; os tipos de evidências usadas; as interações dialógicas; e as questões colocadas pelos professores. Essa análise, quanti-qualitativa, teve como objetivo identificar a aula que era mais propícia para haver argumentação e na qual os alunos estivessem mais ativos. Como resultados, as autoras observaram que apenas um dos três professores propôs questões abertas e que essas desempenharam um papel-chave para apoiar a argumentação dos estudantes e as interações estudante- estudante. Além disso, esses resultados sugerem a importância do currículo estruturado para promover argumentação, ressaltando a relevância do papel do professor.

Outros estudos estão relacionados ao levantamento das principais dificuldades em argumentar professores em formação inicial. Zohar (2007), por exemplo, fez uma revisão dos estudos sobre argumentação nos programas de formação de professores e de desenvolvimento profissional, dos quais participaram professores de ciências em formação inicial e professores de ciências experientes. Essa autora sugere que muitos estudos têm demonstrado a incapacidade de professores em formação inicial e experientes construírem argumentos e contra-argumentos. Entretanto, outros estudos como os de Zembal-Saul et al. (2002), Sadler (2006) e Vieira (2007) argumentam que os professores em formação inicial são capazes de argumentar, porém os argumentos deles apresentam algumas limitações.

De modo geral, podemos dizer que os primeiros estudos sobre argumentação sugeriram a importância do discurso para os processos de aprendizagem. Esses resultados, por sua vez, influenciaram o desenvolvimento de novas pesquisas em vários sentidos. Alguns autores pesquisaram sobre estratégias de ensino e currículo que promovam a participação e argumentação dos estudantes. Outros avaliaram o potencial dos cursos de formação inicial e de desenvolvimento profissional para auxiliar as práticas dos professores com relação à argumentação nas aulas de Ciências. Outros ainda avaliaram as habilidades de argumentação de professores de Ciências em formação inicial e experientes.

Como a maioria dessas pesquisas utilizam um referencial metodológico originado no campo da teoria da argumentação, apresentaremos como o uso desse referencial insere-se em discussões mais amplas desse campo.