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2 ARGUMENTAÇÃO: O DISCURSO DOS ESTUDANTES E A APROPRIAÇÃO DE

2.1 ARGUMENTAÇÃO EM SALA DE AULA

Do mesmo modo que Lemke (1998b) e Sutton (1997), Jiménez-Aleixandre e Diaz de Bustamante (2003) destacam que diferentes pessoas podem atribuir significados diferentes a uma mesma palavra. Dessa forma, focalizam sua pesquisa nos processos por meio dos quais os discursos são construídos. Os autores elucidam que o discurso dos alunos nas aulas de ciências contribui para uma compreensão mais geral dos processos de aprendizagem das ciências e defendem, assim, um ensino de Ciências não somente voltado para a exploração de fenômenos, mas no qual haja possibilidade de desencadear

argumentações em aula. “Por argumentação entende-se a capacidade de relacionar dados e conclusões, de avaliar enunciados teóricos à luz dos dados empíricos ou procedentes de outras fontes.” (JIMÉNEZ-ALEIXANDRE; DÍAZ DE BUSTAMANTE, 2003, p. 360, grifo meu).

Jiménez-Aleixandre, Bugallo Rodríguez e Duschl (2000) procuram distinguir os momentos em que as ações dos alunos evidenciam diferenças entre a cultura científica e a cultura escolar, ou seja, momentos em que os estudantes “falam e fazem ciência” e momentos em que realizam tarefas de aula. Para Sasseron e Carvalho (2008c, p. 337), o instrumento de análise desenvolvido por estes autores “apresenta um conjunto de operações epistemológicas que mostram as relações entre diversas fontes e formas de ações para se fazer ciência” e pode ser sintetizado no Quadro 4.

Quadro 4 – Operações epistemológicas

Indução Procura por padrões, regularidades

Dedução Identificação de exemplos particulares de leis, regras Causalidade Relação causa-efeito, procura por mecanismo, predição

Definição Manifestação de entendimento de um conceito

Classificação Agrupamento de objetos, organismos de acordo com critérios

Apelo a

Analogia Exemplo Atributo Autoridade

Apelo a analogias, exemplos ou atributos como uma forma de explicação

Consistência

Com outro conhecimento Com experiência Compromisso com consistência Metafísica

Fatores de consistência, particular (com a

experiência) ou geral (necessário para explicações similares)

Plausibilidade Afirmação ou avaliação de seu próprio conhecimento ou do conhecimento dos outros

Fonte: Jiménez-Aleixandre, Bugallo Rodríguez e Duschl (2000, p. 768 apud SASSERON; CARVALHO, 2008c, p 337).

Villani e Nascimento (2003) destacam que o argumento é atividade social, ocorre por meio de interações discursivas e depende do contexto no qual está inserido. Um enunciado ou comunicado, por meio linguagem, poderá ser considerado um argumento ou não de acordo com a situação na qual aparece. Segundo os autores, um enunciado apresentado de forma isolada pode não representar um argumento a princípio. No entanto,

quando estiver inserido em um discurso e submetido a um determinado contexto e for constituído por um ou mais posicionamentos, com a intenção de obter a aprovação de um ponto de vista particular, será considerado como argumento. Vale destacar que o argumento existe quando a linguagem é utilizada para justificar ou refutar uma ideia, um conceito ou uma opinião numa aula de Ciências.

Candela (1998) evidencia a forma como a interação discursiva em torno do conteúdo constrói dialeticamente um contexto argumentativo que propicia elaborações de outras aproximações ao significado, enfatizando a importância da contextualização para construção de argumentos no ensino de Ciências. Para essa investigadora, os alunos se apropriam de novas formas de se expressar, com mais confiança, independência de ideias e atitudes científicas baseadas na postura do professor, à medida que práticas discursivas são incentivadas durante as aulas. No entanto, as situações de conflito representam um modo de envolver os alunos na busca de recursos discursivos para validação de seus argumentos sobre os conteúdos de ciências. Afirma que a diversidade de argumentos sempre será mais rica que opiniões uniformes.

Capecchi, Carvalho e Silva (2002) enfatizam, em relação à contextualização, que uma mesma afirmação pode ter diferentes significados em diferentes contextos, portanto, isto deve ser levado em consideração em análises que buscam informações sobre discursos argumentativos em sala de aula. Para Villani e Nascimento (2003), a opinião está em constante evolução e depende dos outros. Usando a definição de Philippe Breton (1996), de que a opinião é um conjunto de crenças, de valores, de representações de mundo e da confiança nos outros, que um indivíduo forma para ser ele mesmo.

Os autores destacam a relação entre argumentação e opinião, afirmam que a primeira será considerada argumento quando aparecer como um ponto de vista possível ou como confrontação de vários pontos de vista, ou seja, quando é utilizada na linguagem para convencer um ou mais interlocutores. Um argumento ocorre, então, quando uma opinião é utilizada na tentativa de persuadir um ou mais interlocutores sobre determinado ponto de vista a respeito de uma situação, ou seja, quando se tenta convencer outrem que determinado ponto de vista é correto (justificando) ou não (refutando). Asseveram que todo argumento contém pelo menos uma opinião e a opinião precede o argumento, pode existir sem ser necessariamente um argumento. Para os autores, pode haver uma opinião sem que

haja um argumento. Os autores diferem ainda opinião de informação, aquela possui um caráter mais subjetivo, enquanto a informação busca a objetividade.

Driver e Newton (1997) apontam algumas limitações do modelo proposto por Toulmin, sugerindo a necessidade de sua adequação ou ampliação. Segundo os autores, o modelo não conduz a julgamentos sobre a verdade ou adequação do argumento sendo necessária incorporação de conhecimento específico a análise. Destacam ainda que a argumentação acaba aparecendo de forma descontextualizada e seus aspectos interacionais não são explicitados.

Capecchi, Carvalho e Silva (2002) fazem uso dessas categorias para identificação de componentes de argumentos dos alunos numa análise de duas cenas, em um episódio de ensino extraído de uma sequência de aulas, em que alunos do primeiro ano do ensino médio estudam o funcionamento do forno de micro-ondas. E concluem que os argumentos passam a ter níveis de qualidade baseados na sua complexidade e na complexidade das interações entre diferentes ideias. Essas categorias, criadas dentro de uma proposta de desenvolvimento de argumentos em sala de aula, visando uma enculturação em ciências e considerando o aspecto de construção coletiva do conhecimento científico, valorizam a presença de teorias conflitantes e as sínteses nas discussões em sala de aula.

As autoras afirmam que a utilização isolada das categorias de Driver e Newton (1997) é insuficiente para análise por não permitir o estabelecimento de diferenças entre os tipos de justificativas apresentadas pelos alunos em suas falas, ou seja, todas elas receberiam a mesma classificação e não haveria distinção entre uma justificativa baseada no senso comum e aquela baseada em conhecimentos adquiridos na escola. Utilizaram o padrão de Toulmin (1958) para identificação de elementos constituintes de argumentos individuais. O modelo de Toulmin (2006), já citado, tem sido adaptado e vem sendo amplamente utilizado em estudos na área de pesquisa em Educação, apresentando-se como um importante e eficiente instrumento de análise na investigação sobre a argumentação dos alunos em aulas e situações de ensino de Ciências.

Driver e Newton (1997), Jiménez-Aleixandre, Reigosa Castro, Álvarez-Pérez (1998), Capecchi e Carvalho (2000), Capecchi, Carvalho e Silva (2002), Villani e Nascimento (2003), Capecchi (2004), Carmo (2006) e muitos outros pesquisadores têm se valido desse modelo de Toulmin em seus trabalhos e investigações, de forma a contribuir

significativamente para sua consolidação como um importante instrumento de análise adaptado a diversas situações de ensino.

Para Capecchi e Carvalho, além de ser uma ferramenta bastante eficaz para identificar a estrutura de argumentos científicos, o modelo proposto por Toulmin “pode mostrar o papel das evidências na elaboração de afirmações, relacionando dados e conclusões, através de justificativas de caráter hipotético” (CAPECCHI; CARVALHO, 2000, p.). Os autores também afirmam que: “Se os alunos puderem entrar em contato com argumentos completos, prestando atenção nestas sutilezas, possivelmente estarão compreendendo uma importante faceta do conhecimento científico” (CAPECCHI; CARVALHO 2000, p. 175).

Há, contudo, a necessidade de interpretação do texto e algumas considerações que devem ser observadas com muita atenção: a mesma afirmação ou posicionamento podem apresentar significados diferentes de acordo com o contexto; declarações implícitas e de relevância para a estrutura do argumento podem ser informadas por meio do contexto; para identificar componentes e características de um argumento são necessários exames de longas seções do texto, já que as conversas em sala de aula não se desenvolvem necessariamente de forma linear; outras formas de linguagem, além da oral, devem ser observadas atentamente, como a gestual, por exemplo, visto que podem apresentar e constituir elementos essenciais de um argumento.

Em sua tese de doutorado, Sasseron (2008) aglutina as habilidades listadas pelos autores acima em três blocos e os denomina de Eixos Estruturantes da Alfabetização Científica, pois percebe em sua pesquisa a convergência entre as diversas classificações propostas. A investigadora define que:

o primeiro destes três eixos estruturantes refere-se à compreensão básica de

termos, conhecimentos e conceitos científicos fundamentais e concerne na

possibilidade de trabalhar com os alunos a construção de conhecimentos científicos necessários para que seja possível a eles aplicá-los em situações diversas e de modo apropriado em seu dia-a-dia. [...] O segundo eixo preocupa- se com a compreensão da natureza das ciências e dos fatores éticos e políticos

que circundam sua prática. Reporta-se, pois, à ideia de ciência como um corpo

de conhecimentos em constantes transformações por meio de processo de aquisição e análise de dados, síntese e decodificação de resultados que originam os saberes. [...] O terceiro eixo da AC compreende o entendimento das relações

existentes entre ciência, tecnologia, sociedade e meio-ambiente. Trata-se da

identificação do entrelaçamento entre estas esferas e, portanto, da consideração de que a solução imediata para um problema em uma destas áreas pode representar, mais tarde, o aparecimento de um outro problema associado. (SASSERON, 2008, p. 65, grifos da autora).

A pesquisadora aponta que a relevância do primeiro eixo reside na necessidade de se compreender conceitos-chave a fim de chegar ao entendimento até mesmo de pequenas informações e situações cotidianas; o segundo eixo contribui para o “comportamento assumido por alunos e professor sempre que defrontados com informações e conjunto de novas circunstâncias que exigem reflexões e análises considerando-se o contexto antes de tomar uma decisão.” (SASSERON, 2008, p. 65); e, finalmente, o terceiro eixo diz respeito à compreensão das aplicações dos saberes constituídos pelas ciências, ponderando-se as possíveis ações advindas de sua utilização. Para a autora, é a escola a responsável por garantir o trabalho com este último eixo e, em sua pesquisa, defende:.

[...] a existência de indicadores da Alfabetização Científica capazes de nos trazer evidências sobre como os estudantes trabalham durante a investigação de um problema e a discussão de temas das ciências fornecendo elementos para se dizer que a Alfabetização Científica está em processo de desenvolvimento para eles. (SASSERON, 2008, p. 66, grifo do autor).

Além dos indicadores propostos, em sua pesquisa, afirma ser esperado

[...] encontrar entre os alunos do EF: o raciocínio lógico compreendendo o modo como as idéias são desenvolvidas e apresentadas. [...] E o raciocínio

proporcional que, como o raciocínio lógico, dá conta de mostrar o modo que

se estrutura o pensamento, além de se referir também à maneira como variáveis têm relações entre si, ilustrando a interdependência que pode existir entre elas. (SASSERON, 2008, p. 67-68, grifos do autor).

Para verificação desses indicadores, utiliza-se do padrão proposto por Toulmin. O Quadro 5, a seguir, apresenta os indicadores propostos em sua pesquisa.

Quadro 5 – Indicadores propostos por Sasseron (2008)

Indicador Explicação

Seriação de informações Lista ou relação de dados não necessariamente ordenados.

Organização de informações Ocorre quando as informações são arranjadas.

Classificação das informações Caracteriza-se pela ordenação dos elementos trabalhados e ocorre

quando se busca o estabelecimento de características para os dados.

Levantamento de hipóteses Suposições acerca de um tema.

Teste de hipóteses Colocação à prova das suposições anteriormente levantadas.

Justificativa Garantia para uma afirmação/proposição proferida.

Previsão Associação de acontecimento para predição de uma ação e/ou fenômeno. Explicação Relacionamento entre informações e hipóteses já levantadas.

Normalmente acompanhada de justificativa e previsão.

Nesta pesquisa, na identificação da argumentação dos alunos, consideram-se os indicadores apresentados por Sasseron (2008). Será empregado como instrumento o padrão proposto por Toulmin, conforme afirmam Nascimento e Vieira, “[...] o uso do padrão propicia uma série de possibilidades analíticas, apesar de reconhecermos algumas de suas limitações importantes quando da sua aplicação em situações de sala de aula” (NASCIMENTO; VIEIRA, 2008, p. ). Ainda segundo os autores,

o padrão foi incapaz de servir a tal propósito [efetuar uma análise de procedimento e estratégias de validação de argumentos pelo formador] por se tratar de uma estrutura analítica que não leva em conta questões contextuais e de assimetria entre os locutores. (NASCIMENTO; VIEIRA, 2008, p.).

No entanto, ressaltam que

Toulmin não se propôs a contemplar em seu padrão questões contextuais e de assimetria entre interlocutores; antes ele estava fundamentalmente preocupado com questões de validade da estrutura lógica interna dos argumentos, de forma que pudessem ser julgados segundo esse critério. (NASCIMENTO; VIEIRA, 2008, p.).

Finalmente, concluem que, apesar das ressalvas, o padrão proposto por Toulmin é um instrumento bastante complexo e útil para análise do ciclo argumentativo.