• Nenhum resultado encontrado

2 ARGUMENTAÇÃO: O DISCURSO DOS ESTUDANTES E A APROPRIAÇÃO DE

2.2 PROMOVENDO ARGUMENTAÇÃO EM SALA DE AULA

A revisão da bibliografia, nesta pesquisa, tem demonstrado que a argumentação possui grande relevância na promoção da aprendizagem e do desenvolvimento do pensamento reflexivo. Considerando-se, então, essa relação – argumentação,

aprendizagem e desenvolvimento do pensamento crítico – deve-se reforçar a importância que as práticas de sala de aula voltadas para a argumentação assumem. O papel do professor – e de todos os agentes no ambiente de sala de aula – também deve ser considerado. Como afirmam Leitão e Damianovi, “o engajamento em argumentação sobre tópicos curriculares exige dos participantes um contínuo esforço de formulação explícita e fundamentação de seus pontos de vista” (LEITÃO; DAMIANOVI, 2001, p. ). As autoras afirmam que:

ao fazê-lo, abrem-se para o participante oportunidades não só de expansão e elaboração do seu entendimento do tema (conteúdo) sobre o qual argumenta, mas, também, de compreensão e apropriação de formas de raciocínio características do campo do conhecimento em que aquele se insere. Por outro lado, a necessidade de examinar e responder a perspectivas contrárias (contra- argumentação) impele o argumentador a avaliar (‘testar’) a força e sustentabilidade de suas próprias afirmações, à luz de críticas e ideias alternativas trazidas pelo oponente. O diálogo entre pontos de vista, que se estabelece na argumentação, confronta os participantes com múltiplas perspectivas acerca de um mesmo tópico, possibilitando-lhes, portanto, exame, compreensão e apropriação de uma multiplicidade de posições sobre o tema (LEITÃO; DAMIANOVI, 2011, p. 42).

Para desenvolvimento desta tese, foi realizado um aprofundamento na revisão dos trabalhos que se têm debruçado sobre esses dois aspectos da argumentação em sala de aula: a promoção da aprendizagem – como já apontada pelos inúmeros autores citados – e as práticas e ações dos agentes dentro da sala de aula que possibilitem ambiente propício ao desenvolvimento da argumentação. Em uma pesquisa feita em Galiza, na Espanha, envolvendo alunos com idades entre 14 e 15 anos do nono grau (ensino médio), Jimenez- Aleixandre et al (2000) analisam os discursos presentes em uma aula de genética, distinguindo o “fazer lição” ou “fazer escola” do “fazer ciência”. Nessa última predominam os discursos argumentativos, que no trabalho são analisados a partir do padrão de argumentação de Toulmin, complementado por outros quadros de análise.

As seis aulas analisadas tiveram duração de uma hora cada, ocorreram em duas semanas consecutivas. Os dados foram coletados a partir das gravações em vídeo dos trabalhos realizados em grupos de quatro alunos, seguidos das discussões envolvendo toda a classe. As aulas foram planejadas para gerar argumentação, já que o funcionamento normal nas escolas da Espanha não favorece o diálogo entre alunos e entre professor e alunos. A pobreza da argumentação em ambientes de ensino sem intervenção já havia sido mostrada pelos autores, o que justificou, nessa pesquisa, um uso deliberado de situações ancoradas em problemas que exigem dos alunos uma troca intensa de

argumentos. As situações propostas centraram-se em problemas autênticos de aprendizagem, nas quais os alunos eram incentivados a fazer perguntas, rever seus conhecimentos à luz de evidências, justificar suas respostas para os colegas, analisar e interpretar dados, buscar e comparar soluções e a justificar suas escolhas.

A referida pesquisa faz parte de um grande projeto com o qual se busca compreender as situações de ensino e de aprendizagem a partir da argumentação que elas promovem, assim como subsidiar a construção de contextos eficazes para promover a argumentação e o diálogo. Para os autores, a argumentação tem significativa importância na compreensão e no aprimoramento do ensino e da aprendizagem de ciências, pois é por intermédio do exercício do argumento que os alunos constroem explicações científicas para os fenômenos observados. Além disso, a argumentação é uma das principais formas utilizadas pelos cientistas na produção do conhecimento, tanto no trabalho cotidiano que envolve troca de ideias, explicações, confrontos, quanto na comunicação científica que envolve igualmente trocas e confrontos em outro patamar e na escala global da produção científica. Sendo assim, e considerando que a aprendizagem da ciência na escola deve incluir as formas como a ciência é construída, vê-se justificado duplamente o foco na argumentação.

Como enfatizado pelos autores, o objetivo central do trabalho foi encontrar padrões discursivos entre os estudantes quando resolvem um problema em aulas de ciências, buscando clara distinção entre os momentos em que eles “fazem escola” e os momentos em que “fazem ciência”. Esse objetivo está vinculado a outro, muito mais amplo e profundo, que é o de subsidiar a construção de currículos que favoreçam o desenvolvimento do pensamento científico e que permitam um monitoramento disto, tanto pelo professor quanto pelos próprios alunos. Esse objetivo se desdobra em três, explicitando as buscas e as análises feitas pelos autores. São eles: 1. identificar ocorrências em que os alunos estão a “fazer ciência” ou a “fazer escola”; 2. nos casos em que “fazem ciência”, que tipo de argumentação e de relações são utilizadas; 3. identificar o uso de operações epistemológicas pelos alunos (explicação de procedimentos, relações causais e analogias) típicas do domínio da ciência. O objetivo nas operações epistêmicas se justifica pelos objetivos cognitivos do ensino, que deve estar direcionado para a compreensão de estruturas de conhecimento.

O estudo mostrou que em condições normais de aula, onde predomina a exposição feita pelo professor, os diálogos quase não acontecem. As mudanças que devem ser implementadas para favorecer o diálogo entre os alunos não se restringem ao currículo ou às estratégias de ensino. Elas requerem um ambiente de aprendizagem caracterizado pela investigação, em que os alunos sejam frequentemente colocados diante de problemas a serem resolvidos. No ensino por investigação assim concebido, a argumentação ocupa papel central, e nela estão presentes tanto elementos relativos à forma e estrutura dos argumentos quanto os elementos epistêmicos, próprios do conhecimento científico. No entanto, como foi possível evidenciar pelo estudo, as formas de argumentação relacionadas ao conhecimento científico não são naturais em sala de aula. Para que ocorram, é necessário construir um ambiente de ensino e de aprendizagem que estimule e exija dos alunos a resolução de problemas, o relacionamento de dados e a busca por explicações.

Os autores também concluem que, devido à complexidade do assunto tratado – genética –, devido também à existência e persistência de conhecimentos de senso comum, à exigência de conhecimentos sobre probabilidades, entre outros, seria necessário um maior número de aulas para que os alunos fossem, de fato, introduzidos em um ambiente de investigação. Como fica evidenciado nessa e nas demais pesquisas até agora citadas, uma das principais implicações para a pesquisa em ensino de ciências é a necessidade de utilização de uma variedade de abordagens e de instrumentos para a compreensão dos discursos da sala de aula.

Uma das propostas de construção de ambientes de ensino e de aprendizagem baseados na investigação, que nesta pesquisa tomamos como fundamento, são as Sequências de Ensino por Investigação – SEI (CARVALHO, 2013). No capítulo seguinte haverá um aprofundamento das principais pesquisas que subsidiaram as propostas de ensino por investigação, extraindo delas, questões e diretrizes metodológicas que orientaram o olhar deste trabalho.

59

3 SEQUÊNCIA DE ENSINO INVESTIGATIVA (SEI): O ENSINO POR