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Argumentos a favor do Compatibilismo

No documento joseafonsodepaularetto (páginas 39-42)

CAPÍTULO I: O PROBLEMA DA VONTADE NA FILOSOFIA

1.3 O debate sobre livre arbítrio e vontade na filosofia contemporânea

1.3.4 Livre Arbítrio e Determinismo

1.3.4.2 Compatibilismo, Incompatibilismo e Pessimismo

1.3.4.2.2 Argumentos a favor do Compatibilismo

Tendo situado representantes dos dois argumentos mais importantes a favor do incompatibilismo, vamos agora considerar os argumentos a favor do compatibilismo. Ao considerar esses argumentos, é bem útil valer-se dos argumentos a favor do incompatibilismo para abordá-los e, assim, começaremos por considerar as maneiras como os compatibilistas responderam aos argumentos apresentados anteriormente.

A. Rejeitando os argumentos incompatibilistas

Como observado acima, o argumento da origem para o incompatibilismo parece ser válido, sendo que a única maneira do compatibilista rejeitar a conclusão do argumento seria rejeitando a sua primeira premissa. Ou seja, dada a definição de determinismo, compatibilistas devem rejeitar que o livre arbítrio requer que um agente seja o autor ou fonte última de suas ações. Mas como isso pode ser feito? Na maioria das vezes, compatibilistas propõem uma rejeição à “ultimacy condition” de livre e espontânea vontade, apelando para uma visão hierárquica ou “responsiva a razões” da vontade, por exemplo, respectivamente, Frankfurt

(1971) e Fischer e Ravizza (1998). Se tudo o que é necessário para o livre-arbítrio é uma certa “malha” entre volições de 1ª ordem e desejos de 2ª ordem, então não é necessária essa consideração de que um agente seja o originador desses desejos. Além disso, uma vez que a verdade do determinismo não implica que os agentes não tenham desejos e vontades de primeira e segunda ordem, uma consideração hierárquica da vontade é compatível com a verdade do determinismo. Da mesma forma, um agente pode ter livre arbítrio se ele tem o nível necessário de “responsividade a razões” de tal forma que ele teria agido de forma diferente se tivesse tido razões diferentes. Desta maneira, a “ultimacy condition” novamente não é obrigatória. Assim, se são adotas determinadas considerações da vontade, tem-se razões válidas para rejeitar a premissa central do “argumento da origem”.

B. Argumento de Frankfurt contra o "princípio de possibilidades alternativas"

Em seu artigo de 1969, “Moral Responsibility and Alternate Possibilities”, Harry Frankfurt desenvolveu um argumento que possibilitou aos compatibilistas utilizarem-se de uma estratégia alternativa para atacar a primeira premissa do clássico argumento incompatibilista (se uma pessoa age por sua própria vontade, pressupõe-se que ela poderia ter agido de outra forma). Temos aqui, então, o argumento de Frankfurt dirigido contra o princípio de possibilidades alternativas: “uma pessoa é moralmente responsável pelo que ela faz apenas se ela pode fazer o contrário”.

O Ponto central ao ataque de Frankfurt a esse princípio é um exemplo dado por ele onde um agente é moralmente responsável apesar de, no momento da ação pertinente, não poder agir de outra forma, ou fazer o contrário. Um resumo aproximado para o exemplo que Frankfurt apresentou em seu artigo original seria:

Jones decidiu atirar em Smith. Black descobriu o plano de Jones e resolveu ajudá-lo a realizar o plano. Porém, Black preferiria que Jones atirasse em Smith por conta própria. No entanto, preocupado que Jones pudesse vacilar em sua determinação de atirar em Smith, Black secretamente arruma as coisas de modo que, se Jones mostrasse algum sinal de que não iria atirar em Smith (pressupondo que Black tivesse todos os recursos necessários para detectar tais sinais), Black poderia manipular Jones de tal forma que Jones iria atirar em Smith. No decorrer da ação, Jones segue com seus planos e atira em Smith por suas próprias razões. Ninguém de nenhuma forma ameaçou ou coagiu Jones, ofereceu suborno, ou mesmo sugeriu que ele atirasse em Smith. Jones disparou em Smith por sua própria intenção. Black nunca interveio.

Neste exemplo, Jones atirou em Smith por sua própria conta, e fê-lo sem nenhum ónus ou impedimento – o fez livremente. Mas, dada a presença de Black no cenário, Jones não poderia ter agido de outra maneira a não ser atirando em Smith. Assim, temos um contra exemplo para o princípio de possibilidades alternativas. De acordo com McKenna (2009), esse argumento fez com que os compatibilistas tivessem de buscar um outro modelo como base intuitiva para o tipo de controle pertinente à agency moralmente responsável. Pois, se o argumento de Frankfurt está correto, muito do debate em torno do livre arbítrio tem sido mal posto através de grande parte da história da filosofia. Se o determinismo ameaça o livre arbítrio e a responsabilidade moral, não é porque ele seja incompatível com um tipo de liberdade que envolva a capacidade de fazer o contrário e, mesmo que seja, não é do tipo de liberdade necessária para a responsabilidade moral. Independentemente disso, o que é mais relevante é que o argumento de Frankfurt vem inspirando muitos compatibilistas a pensarem novas considerações da liberdade ou de controle que se desviam, ou evitam propositalmente, por exemplo, de modelos como o dos jardins de caminhos que se bifurcam.

C. Atitudes reativas de Strawson

Para Peter Strawson (1982) muito dos debates tradicionais entre compatibilistas e incompatibilistas estão equivocados, pois, segundo ele, deveríamos nos focar mais no que ele chama de atitudes reativas – são atitudes que temos em relação às outras pessoas, baseando- nos em suas atitudes diante a como a tratamos. Strawson diz que a característica das atitudes reativas é que elas são “reações humanas essencialmente naturais a boa ou má vontade ou indiferença dos outros em relação a nós, conforme exibido em suas atitudes e ações” (p. 67). Exemplos de atitudes reativas incluem gratidão, ressentimento, perdão e amor. Portanto, são atitudes cruciais para as interações interpessoais e fornecem a base para a realização de indivíduos moralmente responsáveis. Strawson, então, vai utilizar-se desse ponto de partida para fazer duas argumentações. A primeira delas é que as atitudes reativas de um agente não seriam afetadas por uma crença de que o determinismo seja verdade ou não:

O compromisso humano à participação nas relações interpessoais comuns é, penso eu, profundamente enraizada para que levemos a sério a ideia de que uma convicção teórica geral possa mudar tanto o nosso mundo que, nele, não haveriam mais coisas como as inter- relações pessoais tais como normalmente a compreendemos... A objetividade sustentada de atitudes interpessoais, e o isolamento humano que isso implicaria, não parece ser algo

de que os seres humanos seriam capazes, mesmo se alguma verdade geral tivesse uma base teórica por isso (p. 68, tradução nossa)

Além disso, Strawson também defende uma reivindicação normativa: a verdade do determinismo não deve comprometer as nossas atitudes reativas. Ele acha que existem dois tipos de casos em que é conveniente suspender nossas atitudes reativas. Uma envolve agentes, tais como crianças ou deficientes mentais, que não são agentes morais, assim, segundo ele, não devemos ter atitudes reativas em relação a agentes não morais. O segundo tipo de caso em que é conveniente suspender nossas atitudes reativas são aquelas em que, enquanto o agente é um agente moral, suas ações em relação a nós não estão conectadas à sua agência no caminho correto. Por exemplo, enquanto eu poderia ter a atitude reativa de ressentimento em relação a alguém que esbarra em mim e me faz derramar minha cerveja, se eu descobrisse que essa pessoa foi empurrada em minha direção, eu não teria mais justificativa em me ressentir com essa pessoa. A verdade do determinismo, no entanto, não implica necessariamente nem que possam haver agentes que são agentes morais, nem que nenhuma das ações de um agente estão conectadas à sua agência moral. De acordo com Strawson, a verdade do determinismo não deve comprometer as nossas atitudes reativas. Desde que a responsabilidade moral é baseada nessas mesmas atitudes, Strawson pensa que a responsabilidade moral é compatível com a verdade do determinismo. Então, se o livre arbítrio é um requisito para a responsabilidade moral, o argumento de Strawson dá suporte para um compatibilismo.

No documento joseafonsodepaularetto (páginas 39-42)