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Críticas ao funcionalismo

No documento joseafonsodepaularetto (páginas 85-89)

CAPÍTULO II: PSICOLOGIA COGNITIVA: FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS

2.3 Funcionalismo

2.3.8 Críticas ao funcionalismo

Uma dificuldade para cada versão da teoria é que sua caracterização funcional é holística. Funcionalistas sustentam que os estados mentais devem ser caracterizados em termos de seus papéis em uma teoria psicológica – seja ela folk-psychology, uma teoria científica, ou algo entre isso –, mas todas essas teorias incorporam informações sobre um grande número e variedade de estados mentais. Assim, se a dor é definida como relacionada a certas crenças altamente articuladas e desejos, então os animais que não têm estados internos que desempenham os papéis de nossas crenças e desejos não podem compartilhar nossas dores, assim como seres humanos sem a capacidade de sentir dor não podem compartilhar certas (ou talvez nenhuma) de nossas crenças e desejos. Além disso, as diferenças na forma com que as pessoas raciocinam, a forma como suas crenças são fixas, ou a forma com que seus desejos afetam suas crenças – devido tanto a idiossincrasias culturais ou individuais – deveria tornar impossível que pessoas compartilhassem os mesmos estados mentais. Estas são consideradas sérias preocupações para todas as versões do funcionalismo (Stich, 1983; Putnam, 1988).

Outra preocupação para os funcionalistas é o “problema da exclusão causal”: a preocupação sobre qual regra funcional pode ser responsável por aquilo que consideramos ser a eficácia causal dos nossos estados mentais (Malcolm 1968; Kim 1989, 1998). Por exemplo, se a dor é realizada em mim por algum tipo de estado neural, então, na medida em que existe algo parecido a leis puramente físicas que ligam os estados desse tipo com o comportamento

de dor, pode-se dar uma explicação causal completa do meu comportamento, citando a ocorrência desse estados neurais (e as propriedades em virtude das quais eles representam nessas leis). Desta maneira, segundo esta visão, as propriedades da função de nível superior desse estado – no caso exemplificado a dor – são causalmente irrelevantes.

Tem havido um número de diferentes respostas para este problema. Alguns (por exemplo Loewer, 2002, 2007; Burge, 1995; Baker, 1995) sugerem que surge a partir de uma consideração excessivamente restritiva do nexo de causalidade, na qual uma causa deve “gerar” ou “produzir” o efeito, uma visão que colocaria as propriedades macroscópicas de outras ciências como causalmente irrelevantes também. Em vez disso, o nexo de causalidade deve ser considerado como um tipo especial de dependência contrafactual entre estados de certos tipos (Loewer, 2002, 2007; Block, 1997), ou como um tipo especial de regularidade que se mantém entre eles (Melnyk, 2003). Se isso estiver correto, então as propriedades funcionais (juntamente com outras propriedades macroscópicas de ciências como Química e Biologia) poderiam contar como causalmente eficazes. No entanto, a plausibilidade dessas considerações sobre a causalidade depende de suas perspectivas para distinguir de boa-fé relações causais daquelas que são claramente epifenômenos, e alguns expressaram ceticismo sobre se isso realmente pode ser feito, entre eles Kim (2007) e Jackson (1996).

Outros filósofos argumentam que a causalidade seria melhor considerada como uma relação entre tipos de eventos que deveria ser invocada para fornecer explicações suficientemente gerais de seus comportamentos (Burge, 1995; Baker, 1995). Embora muitos dos que são movidos pelo problema da exclusão, como por exemplo Jackson (1996) e Kim (2007), sustentam que há uma diferença entre generalizações que são verdadeiramente causais e aquelas que contribuem de alguma outra forma (meramente epistêmica) para a nossa compreensão do mundo, teóricos que defendem esta resposta ao problema acusam que essa objeção, mais uma vez, depende de uma visão restrita do nexo de causalidade que excluiria as demais.

Outra importante questão diz respeito às crenças que temos sobre a ocorrência em nós próprios de estados mentais, como pensamentos, sensações e percepções. Parece que temos imediatamente disponíveis crenças, não-inferenciais, sobre esses estados, e a questão é como isso deve ser explicado se os estados mentais são idênticos com propriedades funcionais. A resposta depende da visão que se tenha dessas crenças introspectivas. Em termos gerais, segundo Levin (2013), há duas visões dominantes do assunto. Um relato popular de introspecção – o modelo “sentido interior” em que a introspecção é considerada como sendo

uma espécie de “varredura interna” do conteúdo de sua mente – foi tomado como sendo hostil ao funcionalismo, alegando que é difícil ver como os objetos de tal verificação podem ser propriedades relacionais de segunda ordem dos próprios estados neurais. Alguns, no entanto, ainda segundo Levin, têm defendido que o funcionalismo pode acomodar as características especiais de crença introspectiva sobre o modelo de “sentido interior”, uma vez que seria apenas um dos muitos domínios em que é plausível pensar que temos conhecimento imediato, não- inferencial, de propriedades causais ou disposicionais.

Há ainda uma outra crítica ao funcionalismo que levanta a questão de saber se qualquer teoria da mente que invoque crenças, desejos e outros estados intencionais jamais poderia ser, mesmo que aproximadamente, uma teoria empírica. Considerando que, mesmo funcionalistas analíticos sustentam que os estados mentais são definidos implicitamente em termos de seus papéis (causais ou probabilísticos) na produção de comportamento, esses críticos tomam estados mentais, ou pelo menos estados intencionais, a serem definidos implicitamente em termos de seus papéis na racionalização, ou no fazer sentido, do comportamento. Esta é uma empreitada diferente, eles afirmam, uma vez que na racionalização, ao contrário da explicação causal, é preciso mostrar como as crenças do indivíduo, seus desejos e comportamentos conformam-se, pelo menos aproximadamente, a certas normas ou ideais a priori de raciocínio teórico e prático – prescrições sobre como devemos raciocinar, ou o que, dadas nossas crenças e desejos, nós devemos fazer (Davidson, 1980; Dennett, 1978). Assim, não se pode esperar que a definição de relações normativas ou racionais entre os estados intencionais expressos por estes princípios correspondam a relações empíricas entre os nossos estados internos, estímulos sensoriais e comportamento, uma vez que essa constitui uma espécie de explicação que tem fontes de evidências e padrões de correção que são diferentes dos das teorias empíricas (Davidson, 1980). Ou seja, não se pode extrair fatos de valores. Com isso, embora atribuições dos estados mentais possam, em certo sentido, explicar o comportamento, ao permitir que um observador interprete-os como comportamentos que tem um sentido, não deve ser esperado que denotem entidades que figurem em leis empíricas. Isto não quer dizer, entretanto, que não existam causas ou leis empíricas do comportamento. Mas estes, no entanto, poderão apenas ser expressos no vocabulário das neurociências, ou outras ciências de nível mais baixo, e não como relações entre crenças, desejos e comportamento (Dennett, 1978).

Segundo Levin (2013), funcionalistas têm respondido a estas preocupações de diferentes maneiras. Muitos simplesmente negam a intuição por trás da objeção e afirmam que até mesmo as mais rigorosas análises conceituais dos nossos termos e conceitos intencionais pretende

defini-los em termos de seus papéis causais de boa-fé, e que quaisquer normas que refletem são explicativas em vez de prescritivas. Eles argumentam que, se essas generalizações são idealizações, elas são o tipo de idealizações que ocorrem em qualquer teoria científica: assim como a Lei de Boyle retrata as relações entre a temperatura, pressão e volume de um gás sob certas condições experimentais ideais, nossa teoria da mente consiste em descrições do que os seres humanos normais fazer em condições ideais fisicamente especificáveis, e não prescrições a respeito do que deveriam fazer.

Outros funcionalistas concordam que podemos advertir a várias normas de inferência e ação ao atribuir crenças e desejos para os outros, mas negam que haja qualquer incompatibilidade em princípio entre explicações normativas e empíricas. Eles argumentam que, se há relações causais entre crenças, desejos e comportamento que mesmo aproximadamente espelham as normas da racionalidade, em decorrência disto, as atribuições de estados intencionais podem ser empiricamente confirmados (Fodor, 1990). Além disso, muitos dos que sustentam esta opinião sugerem que os princípios da racionalidade aos quais estados intencionais devem satisfazer são mínimos, compreendendo, no máximo, um conjunto de restrições sobre os contornos da nossa teoria da mente, como a de que as pessoas não podem, em geral, manterem crenças contraditórias, ou agirem contra seus sinceramente declarados desejos mais fortes (Loar, 1981).

Como vimos, e embora muitos funcionalistas argumentem que as considerações discutidas acima mostram que não há em princípio uma obstrução a uma teoria funcionalista que tenha força empírica, de acordo com Levin (2013), essas preocupações com a normatividade da atribuição intencional continuam a alimentar um certo ceticismo sobre o funcionalismo e, para além disso, qualquer teoria científica da mente que use noções intencionais. Além dessas preocupações gerais sobre o funcionalismo, há ainda muitas questões específicas que surgem para a perspectiva de dar uma caracterização funcional dos estados qualitativos, ou o problema da qualia segundo uma visão funcionalista. Em termos gerais, já que esse assunto extrapolaria o escopo do presente trabalho, esta é uma categoria de estados mentais que parece particularmente resistente a uma caracterização funcional. Como vimos, teorias funcionalistas de todas as variedades buscam caracterizar os estados mentais exclusivamente em termos relacionais, mais especificamente causais. Uma objeção comum e persistente, no entanto, é que não há como tais caracterizações captarem o caráter qualitativo, ou “qualia”, de estados experienciais tais como percepções, emoções e sensações corporais,

uma vez que deixaria de fora algumas das suas propriedades essenciais, a saber, “o como é tê- las” (Nagel, 1974).

Há uma estratégia final para defender uma abordagem funcionalista de estados qualitativos contra todas essas objeções, e que ficou conhecida como eliminativismo (Dennett 1988; Rey, 1997). Segundo esta visão, pode-se negar que haja algo tal qual uma qualia

irredutível, e sustentar que a convicção de que se tais coisas existem, ou até mesmo que se

poderiam existir, seria devido à uma ilusão. Estratégia similar foi utilizada por Wegner & Wheatley (1999) – Apparent mental causation: Sources of the experience of will – e Wegner (2002) – The illusion of conscious will– ao sustentar que a vontade consciente, ou melhor, o efeito causal que poderia emanar de um vontade livre, não passa de uma ilusão, ou de um “pseudofenômeno”. Esses trabalhos citados foram fortemente influenciados pelos experimentos de Benjamin Libet, que abordamos mais a frente.

No documento joseafonsodepaularetto (páginas 85-89)