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Psico-funcionalismo

No documento joseafonsodepaularetto (páginas 75-77)

CAPÍTULO II: PSICOLOGIA COGNITIVA: FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS

2.3 Funcionalismo

2.3.2 Psico-funcionalismo

Uma segunda força no funcionalismo, o psico-funcionalismo, deriva principalmente da reflexão sobre os objetivos e metodologias de teorias psicológicas cognitivas. Em contraste com a insistência dos behavioristas de que as leis da psicologia deveriam apelar unicamente para disposições comportamentais, psicólogos cognitivos argumentam que teorias empíricas do comportamento mais fidedignas deveriam tomar como base um complexo de estados e processos mentais, estabelecidos e individuados em termos de regras que desempenhem um papel na produção do comportamento a ser explicado. Por exemplo (como mostrado por Fodor, 1968, Cap. 3), um psicólogo pode começar a construir uma teoria da memória, postulando a existência do declínio do “traço de memória” – um processo cuja ocorrência ou ausência é responsável por efeitos como a perda de memória ou sua retenção e que é afetada pelo estresse ou emoção – de maneiras distintas (Levin, 2013).

Em uma teoria deste tipo, o que faz de algum processo neural uma instância de declínio de traço de memória é uma questão de como ele funciona, ou o papel que desempenha, em um sistema cognitivo. As propriedades neurais e químicas desse dado processo são relevantes na medida em que permitem que haja o declínio do traço de memória, à forma como foi hipotetizado. De forma similar, assim também o é para outros estados e processos mentais invocados por teorias psicológicas cognitivas. Desta maneira, a psicologia cognitiva, como um

todo, dispõe-se a ser uma ciência de “nível elevado” assim como a biologia por exemplo o é, e, portanto, ter sua autonomia das ciências de “nível inferior”, como a neurofisiologia. Da mesma forma que, como na biologia, entidades fisicamente distintas podem ter corações, que são identificados como tais pois funcionam para fazer circular o sangue num determinado organismo vivo, e outras entidades fisicamente distintas podem ter olhos, das mais diferentes formas, mas que são igualmente identificados como tais enquanto permitem a um organismo vivo ver. Diferentes estruturas ou processos físicos podem ser instancias para a deterioração do traço de memória – ou mesmo fenômenos tais como pensamentos, sensações e desejos – contanto que eles desempenhem os papéis descritos pela teoria cognitiva relevante (Levin, 2013).

Assim sendo, como sustenta Levin (2013), o psico-funcionalismo parece adotar diretamente uma metodologia da psicologia cognitiva em sua caracterização de estados e processos mentais como entidades definidas pelo seu papel em uma teoria psicológica cognitiva. Todas as versões do funcionalismo, no entanto, caracterizam os estados mentais em termos de seus papéis em alguma teoria psicológica ou em outra teoria qualquer. O que é característico sobre o psico-funcionalismo, para Levin, é sua alegação de que estados e processos mentais são apenas aquelas entidades, com apenas aquelas propriedades, postuladas pela melhor explicação científica do comportamento humano, mesmo que seja difícil saber qual seriam os critérios para essa tal melhor explicação científica. Isto significa, para eles, em primeiro lugar, que a forma da teoria pode afastar-se das especificações do funcionalismo computacional. Isso também significa que as informações utilizadas na caracterização funcional de estados e processos mentais não precisam ser restritas ao que é considerado conhecimento comum ou o senso comum, mas podem incluir informações disponíveis apenas pela observação laboratorial cuidadosa e experimentação. Por exemplo, uma teoria psico-funcional pode ser capaz de distinguir fenômenos como a depressão da tristeza ou apatia, mesmo embora as causas e os efeitos distintos dessas síndromes sejam difíceis de desembaraçar apenas consultando intuições ou apelando para o senso comum.

Isto pode parecer uma vantagem absoluta, uma vez que as teorias psico-funcionais podem aproveitar-se de todas as ferramentas de pesquisa disponíveis à psicologia científica, e, presumivelmente, fazer todas, e apenas, as distinções que são cientificamente corretas. Esta metodologia, no entanto, deixa o psico-funcionalismo aberto à acusação de que, como a tese da identidade psicofísica, ele seja excessivamente excludentes (Block, 1980), uma vez que criaturas cujos estados internos compartilhem conosco um mesmo arcabouço de padrões

causais, mas que não sejam tão refinados como os nossos, não contariam como partilhando dos nossos estados mentais. Muitos psico-funcionalistas podem não considerar isso como uma consequência infeliz, e argumentam que isto é apropriado pois permite tratar apenas aqueles que são psicologicamente semelhantes como tendo os mesmos estados mentais. Mas há uma preocupação mais séria sobre a tese, a saber, que, se as leis das melhores teorias psicológicas empíricas divergirem até mesmo dos contornos gerais de nossa “folk psychology” – isto é, de nossas crenças de senso comum sobre os papéis causais de nossos pensamentos, sensações, percepções e vontades – vai ser difícil tomar as teorias psico-funcionais como fornecedoras de um relato de nossos estados mentais, preferindo simplesmente mudar seu objeto (Loar, 1981; Stich, 1983). Alguns teóricos (Horgan & Woodward, 1985), no entanto, argumentam que é provável que futuras teorias psicológicas serão reconhecidamente mais aproximadas da “folk

psychology”, embora esta questão também tenha sido objeto de debate (Churchland, 1981).

Mas há uma outra importante força no funcionalismo, o funcionalismo analítico, que busca justamente restringir a teoria não exatamente a generalizações suficientemente próximas às que usamos na “folk psychology” e que promovam uma sustentação entre os estados mentais, estímulos ambientais e nosso comportamento, mas sim, para além disso, busca uma informação

a priori sobre essas relações (veja, por exemplo, Smart, 1959; Shoemaker, 1984). Isto é porque,

para os funcionalistas analíticos, existem objetivos igualmente importantes que requerem uma caracterização estritamente a priori dos estados mentais.

No documento joseafonsodepaularetto (páginas 75-77)