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PARTE I: REVISÃO DA LITERATURA

Capítulo 4- Taxas Moderadoras

4.2 Papel das Taxas Moderadoras

4.2.1 Argumentos a Favor

No que se refere à racionalização da procura podemos afirmar que a existência de “um preço” no momento da utilização dos cuidados de saúde incentiva os consumidores a ponderarem conscientemente os benefícios e custos esperados do consumo de determinados cuidados. Tal facto poderá permitir que os cuidados desnecessários diminuam, havendo uma maior efectividade e controlo dos gastos.

No que se refere à dissuasão do consumo, Barros (2006) e Lucas (1990) referem que, num estudo americano apresentado por Newhouse em 1993, em que eram atribuídos às famílias diferentes planos de seguros, as famílias cujo co-pagamento por parte dos indivíduos era mais elevado foram as que consumiram menos cuidados de saúde, sendo as famílias que apresentavam planos de saúde com melhor cobertura as que consumiam mais cuidados de saúde. Portanto, este estudo apresenta como conclusão que o co-pagamento tem um efeito considerável no nível das despesas médicas – sendo que com co-seguro variável de 95%

até gratuito, as despesas médicas aumentam em 50%. Deste estudo experimental sai a grande conclusão de que os preços e a taxa de co-seguro são elementos que influenciam de forma importante a procura de cuidados médicos. Esta conclusão é também apoiado por Barros (2006) pois este autor afirma que, embora seja habitual o argumento de que a saúde não tem preço, a estimação de funções procura permite evidenciar que as pessoas, enquanto consumidoras de cuidados médicos, também reagem aos incentivos económicos ditados pelos preços, tal como na generalidade dos sectores. De modo similar à análise microeconómica habitual, existem outros factores, para além do preço, que afectam a procura.

Capítulo 4 – Taxas Moderadoras

Os estudos de Goldman et al (2007)82 e Page et al (2008),83 que analisam o impacto do aumento do custo dos medicamentos para o utente e a aquisição dos mesmos, concluem que o aumento do valor a desembolsar pelo utente, portador de uma doença crónica, acarreta um decréscimo no consumo de medicamentos ou leva à prática de uma terapia medicamentosa descontínua. Estes estudos revelam que também no sector da saúde se verifica sensibilidade à alteração de preço, ou seja, a procura não se mantém inelástica ou rígida perante as alterações de preço.

Também Winkelmann (2004) 84 e Grabka et al (2006)85 referem nos seus estudos que a introdução ou aumento de co-pagamentos reduziu o número de consultas médicas, não apresentando, contudo, referências quanto à existência de segmentos da população mais afectados pela introdução ou aumento dos co-pagamentos. Do mesmo modo, Giraldes (1997a) afirma que a elasticidade da procura, à partida, não é significativa no sector da saúde, uma vez que se trata de um bem de primeira necessidade. Contudo, os mais pobres alteram o seu comportamento perante o pagamento de taxa moderadora, ocasionando graves problemas de equidade.

82 Este estudo apresenta uma revisão bibliográfica, para a qual os autores seleccionaram 132 artigos de um total de 923. Os artigos seleccionados analisavam a associação entre as prescrições médicas e as medidas de contenção de custos tais como co-pagamentos, benefícios fiscais e limites nas prescrições (tectos máximos) e o impacto da sua implementação no sector da saúde. Ver a este propósito Goldman D P, Joyce G F, Zheng Y: Prescription drug cost sharing: associations with medication and medical utilization and spending and health. JAMA: the journal of the American Medical Association, vol. 298, n.º1, Jul; 2007: 61-69.

83 Este estudo também apresenta uma revisão bibliográfica, para a qual se seleccionaram 7 artigos de um total de 61. O objectivo foi o de explorar o impacto do aumento dos custos para os idosos na aquisição de medicamentos. A este propósito ver Page R L, Barton P, Nair K: Effect of cost-sharing for prescription medications on health outcomes in older adults, a critical review of literature and potential implications for managed care. Consult Pharm, vol 23, n.º1 Jan; 2008: 44-54.

84 O estudo de Winkelmann revela que a reforma do sistema alemão permitiu analisar o efeito do aumento dos co-pagamentos na realização de consultas médicas. Ver a este propósito Winkelmann R: Co-payments for prescription drugs and the demand for doctor visits-evidence from a natural experiment. Health Economy, vol. 13 n.º11, Nov.; 2004: 1081-1089.

85 O estudo de Grabka, Schreyogg e Busse analisa o impacto da introdução do co-pagamento de 10 Euros aquando do primeiro contacto com o médico após 1 de Janeiro de 2004. O estudo compara o número de contactos médicos no ano 2003 e 2004 (antes e após a introdução do co-pagamento).

Ver a este propósito Grabka M M, Schreyogg J, Busse R: The impact of co-payments on patient behaviour: evidence from a natural experiment. Med Klin, vol. 15 n.º 6, Jun; 2006: 476-483.

Capítulo 4 – Taxas Moderadoras

Do lado da oferta também poderá ocorrer racionalização, na medida em que os profissionais de saúde se tornam mais responsáveis e conscientes no momento da prescrição, isto porque sabem que o consumidor tem que pagar uma parte dos custos na utilização de cuidados e compra de medicamentos (Mateus 1996). Este argumento pressupõe que os profissionais de saúde actuam como agentes perfeitos, ou seja, na ausência de “procura induzida”.

Outro dos argumentos a favor da implementação das taxas moderadoras é o aumento das receitas no sector da saúde. Tal facto é referido na Lei de Bases da Saúde ao afirmar que as taxas moderadoras “constituem receita do Serviço Nacional de Saúde”. Pereira (1987) salienta que estudos realizados no estrangeiro mostram que a introdução ou aumento dos preços é uma medida relativamente eficaz se se pretenderem aumentar as receitas, embora estas aumentem sempre em menor percentagem que os preços. Este facto contribui ainda para uma maior autonomia dos sistemas locais de saúde, dada a retenção das receitas no ponto da colecta.

O facto do utente “pagar” no acto de consumo, permite muitas vezes que este se torne mais exigente na qualidade dos serviços prestados (Mateus 1996). Isto porque o doente sente que está a pagar duplamente pelo serviço prestado (impostos e taxa moderadora). As taxas moderadoras apresentam também a vantagem de serem de fácil implementação e de fácil compreensão.

Por último referimos ainda que, pelo facto do valor da taxa ser diferenciado consoante o serviço prestado permite que o agente da procura avalie de forma mais correcta qual o serviço a que deve recorrer, sendo que, por exemplo, o valor da taxa moderadora de uma consulta de urgência ao ser cerca de quatro vezes mais elevado que o de uma consulta no centro de saúde pode desencorajar o utente de recorrer às urgências.

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