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Argumentos favoráveis à constitucionalidade do art 1.841 do Código

4.3 SUCESSÕES ENTRE IRMÃOS UNILATERAIS E BILATERAIS

4.3.1 Argumentos favoráveis à constitucionalidade do art 1.841 do Código

A Constituição Federal de 1.988, em seu artigo 277, parágrafo 6º, dispõe sobre a igualdade entre os filhos, sendo proibida qualquer designação discriminatória em relação à filiação, nos seguintes termos: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.” (BRASIL, 1988).

Deste modo, todos são considerados filhos, uns havidos durante o matrimônio, outros fora da constância do casamento, acabando com as denominações relacionadas aos filhos, quais sejam: incestuoso, legítimo, ilegítimo, bastardo, adotivo, adulterino, etc. Todos têm os mesmos direitos e deveres para com a posse deste estado de filiação (FUGIMOTO, 2014).

Deste modo, Diniz (2007, p. 21) disciplina que:

(a) não pode haver nenhuma distinção entre filhos legítimos, naturais e adotivos, quanto ao nome, direitos, poder familiar, alimentos e sucessão; (b) permite o reconhecimento de filhos havidos fora do casamento; (c) proíbe que se revele no assento do nascimento a ilegitimidade simples ou espuriedade; (d) veda designações discriminatórias relativas à filiação. Logo, diante do questionamento se a desigualdade estabelecida no artigo 1.841 da Lei Civil estaria ou não violando o princípio da igualdade disciplinado na Lei Maior, Tartuce (2016, p. 238) entende que:

não há qualquer inconstitucionalidade nesse artigo privado, por suposta discriminação aos irmãos. De início, destaque-se que a norma se refere a irmãos, e não a filhos, não sendo o caso de invocar o art. 227, § 6.º, da CF/1988 e o art. 1.596 do CC/2002, que tratam da igualdade entre os descendentes de primeiro grau”.

Observa-se que o citado doutrinador entende que a norma se refere a irmãos, e não a filhos, e que a vedação da discriminação entre filhos não repercute necessariamente entre os irmãos.

Ainda, Tartuce e Simão (2008) mencionam que poder-se-ia até alegar a inconstitucionalidade do artigo 1.841 do Código Civil, pois o dispositivo traria uma discriminação dos irmãos, o que seria uma violação à isonomia constitucional prevista no artigo 5.º, caput do Texto Maior.

Contudo, afirmam que “Não pensamos assim.” E isso porque o princípio da isonomia pode ser consubstanciado naquela velha oração de Ruy Barbosa no sentido de que a ‘lei deve tratar de maneira igual os iguais e de maneira desigual os

desiguais.” (TARTUCE; SIMÃO, 2008).

Para eles, “os irmãos bilaterais e unilaterais estão em situação de desigualdade fática, justificando-se o tratamento desigual que lhe é dado quanto à herança. Assim, pela especialidade constante da segunda parte da isonomia, justifica-se a constitucionalidade do dispositivo privado.” (TARTUCE; SIMÃO, 2008, p. 256).

Simão (2014) menciona que a Constituição Federal não cuidou do assunto e nem pretendia fazê-lo. Se o falecido não deixou filhos, a sucessão não será na classe dos descendentes (art. 1829, I, CC) e, por óbvio, tal dispositivo legal não terá nenhuma aplicação. A sucessão na classe do colateral não recebe tratamento constitucional (art. 1829, IV, CC) e, portanto, a desigualdade preconizada pelo Código Civil é absolutamente possível e não é eivada de vícios.

Havendo entre os irmãos bilaterais a consanguinidade duplicada, por parte de pai e mãe, é que se justifica o fato de os unilaterais receberem somente a metade, já que estes são parentes colaterais apenas por um laço de consanguinidade, ou de pai, ou de mãe. (NETO, 2008).

A sucessão legítima presume a vontade do falecido que, se tiver feito testamento terá sua vontade cumprida. Os irmãos, na qualidade de colaterais, são herdeiros facultativos, logo, sem direito à legítima. O irmão falecido se quiser igualar os quinhões poderá fazê-lo por meio de testamento (SIMÃO, 2014).

Nota-se que muito embora o irmão, bilateral ou unilateral, não seja considera herdeiro necessário para fins legais, se o autor da herança desejar que seu irmão seja contemplado com seu patrimônio, poderá optar pela realização de um testamento.

Com isso, através da sucessão testamentária torna-se possível igualar os quinhões entre irmãos bilaterais e unilaterais.

Nesse liame, Carvalho Neto (2011) critica aqueles que tratam a norma do artigo 1.841 do Código Civil como inconstitucional, pois acredita não condizer tal visão com a realidade. Alega que o preceito constitucional da igualdade faz referência ao fato de não poder existir desigualdade entre os filhos, no que diz respeito à relação destes com os pais, não entre eles mesmos.

No mesmo sentido, o Conspícuo Superior Tribunal de Justiça1 também tem posicionamento favorável à constitucionalidade do artigo 1.841 da Lei Civil, como se pode extrair do seguinte julgado:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. SUCESSÃO. INVENTÁRIO. DEPÓSITO JUDICIAL DOS ALUGUÉIS AUFERIDOS DE IMÓVEL DO ESPÓLIO. CONCORRÊNCIA DE IRMÃO BILATERAL COM IRMÃOS UNILATERAIS. INTELIGÊNCIA DO ART. 1.841 DO CÓDIGO CIVIL.

1. Controvérsia acerca do percentual da herança cabível em favor das irmãs unilaterais no inventário do "de cujus", que também deixou um irmão bilateral a quem indicara em testamento como herdeiro único.

2. Discussão judicial acerca da validade do testamento.

3. Possibilidade de o irmão bilateral levantar a parte incontroversa dos aluguéis do imóvel deixado pelo "de cujus".

4. Necessidade, porém, de depósito judicial da parcela controvertida. 5. Cálculo do valor a ser depositado em conformidade com o disposto no art. 1841 do Código Civil ("Concorrendo à herança do falecido irmãos bilaterais com irmãos unilaterais, cada um destes herdará metade do que cada um daqueles herdar").

6. RECURSO ESPECIAL PROVIDO Do teor do acórdão supracitado, extrai-se:

[...] No caso dos autos, existindo um irmão bilateral e três irmãs unilaterais, a herança divide-se em cinco partes, sendo 2/5 (dois quintos) para o irmão germano e 1/5 (um quinto) para cada irmã unilateral, totalizando para elas 60% (ou 3/5) do patrimônio deixado pelo irmão unilateral falecido. [...]

Do parecer emitido pelo Ministério Público nos autos do processo, colaciona-se:

o art. 1.841 (antigo, art. 1.614) cuida da sucessão dos colocados em primeiro lugar na linha colateral, os irmãos (parentes em segundo grau). O Código estabelece diferença na atribuição da quota hereditária, tratando-se de irmãos bilaterais ou irmãos unilaterais. Os irmãos, bilaterais filhos do mesmo pai e da mesma mãe, recebem em dobro do que couber ao filho só do pai ou só da mãe. Na divisão da herança, coloca-se peso 2 para o irmão bilateral e peso 1 para o irmão unilateral, fazendo-se a partilha. Assim, existindo dois irmãos bilaterais e dois irmãos unilaterais, a herança divide-se

1

1 STJ. Recurso Especial nº 1.203.182 - MG (2010/0128448-2), Relator: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, 30/9/2013 (SANSEVERINO, 2013).

em seis partes, 1/6 para cada irmão unilateral e 2/6 (1/3) para cada irmão bilateral. (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito das Sucessões, 7ª edição, São Paulo: Atlas, 2007, p. 138).

Observa-se que no caso julgado, a controvérsia envolveu o percentual devido ao irmão bilateral e às três irmãs unilaterais no que toca à locação do apartamento deixado pelo irmão morto, para efeito de depósito judicial de parcela relativa a aluguéis devidos ao espólio.

Segundo os autos, o de cujus indicou o irmão bilateral como único herdeiro de sua parte nos bens deixados pela mãe. As irmãs ingressaram na Justiça questionando a validade do testamento. O Tribunal Mineiro admitiu a inclusão das irmãs unilaterais no inventário e determinou o depósito em juízo de um terço do valor do aluguel do imóvel.

As irmãs recorreram ao Colendo Superior Tribunal de Justiça, sustentando que a decisão violou o artigo 1.841 do Código Civil, ao determinar que apenas um terço do valor do aluguel do imóvel que caberia ao herdeiro morto fosse depositado em juízo. Alegaram que o percentual correto deveria ser elevado para no mínimo três quintos, equivalentes a 60% do valor do aluguel.

Citando doutrinas e precedentes jurisprudenciais, o relator do Recurso Especial, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, concluiu que, de acordo com a fórmula de cálculo extraída do artigo 1.841 do Código Civil, cabe ao irmão bilateral o dobro do devido aos irmãos unilaterais na divisão da herança, atribuindo-se peso dois para cada irmão bilateral e peso um para cada irmão unilateral.

Com isso, a Eminente Corte Superior de Justiça entendeu não existir violação à Constituição Federal.

Hironaka (2003), por sua vez, acrescenta que seria injusto que um irmão unilateral recebesse a mesma quantia que um irmão bilateral, e isso pode ser explicado por uma ficção que estaria implícita no raciocínio legal, segundo a qual a herança teria passado, meio pelo meio, aos ascendentes do defunto. Ato contínuo, a morte dos ascendentes faria transmitir o acervo recebido aos descendentes de cada qual. Assim, o irmão bilateral receberia uma quota de seu pai, outra de sua mãe, ao passo que o irmão unilateral receberia uma única quota, advinda ou de seu pai, se este o genitor comum, ou de sua mãe, se irmãos unilaterais.

Rizzardo (2008, p. 193), ao explicar sobre a diferenciação da partilha dos bens de um irmão falecido aos outros irmãos, na existência de irmãos unilaterais,

não menciona ser o preceito do artigo 1.841 do Código Civil inconstitucional, aduzindo que “é natural que assim seja em razão do maior parentesco de sangue quando os irmãos descendem de pai e mãe comuns.”

Destaca Pereira (2006) que a diferenciação não se estaria afrontando o princípio da igualdade, mas tal forma de suceder simplesmente estaria tratando-os da forma cabível com a situação em que se encontram, devendo os bilaterais receber o dobro justamente pelo fato de tal bilateralidade se dar pela filiação em comum com o de cujus.

No mesmo entendimento, Veloso (2011) acredita que o princípio da igualdade não é aplicável entre os irmãos e que o Código Civil está no caso do artigo 1.841, tratando desigualmente os desiguais. Aduz ser certa a distinção entre os irmãos bilaterais e os meio-irmãos, uma vez que aqueles são irmãos duas vezes enquanto estes uma só vez, justificando-se aí a ideia de os meio-irmãos receberem metade do que os bilaterais.

Essa diferença, nas palavras de Farias e Rosenvald (2014, p. 550), “é justa e não viola a igualdade constitucional disposta aos filhos, pois reflete um tratamento diferenciado imposto às pessoas que estão em situação diferenciada, isso no campo sucessório, não cabendo diferenciação no campo familiar.”

Destarte, com base nos argumentos supramencionados, constata-se que o parágrafo 6º do artigo 227 da Constituição Federal é aplicável no que toca à igualdade dos filhos, especificamente nas relações de filiação, e não na parte sucessória que envolva os irmãos, e que seria esta uma das formas em que é permitido se tratar de forma desigual cada um na medida de sua desigualdade.

4.3.2 Argumentos favoráveis à inconstitucionalidade do art. 1.841 do Código

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