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Arquitetos do seu mundo: Barreiras e Acessibilidades no JI

Parte III – “As Pessoas Crescidas nunca entendem nada Sozinhas”…Ver para Além de um Chapéu

Capítulo 2. Arquitetos de Possibilidades/Capacidades: Imaginando o Tiago

2.1. Arquitetos do seu mundo: Barreiras e Acessibilidades no JI

“Se hoje chegasse um menino novo à vossa escola, que é diferente por algum motivo… Quem seria esse menino?” Foi pela voz do Dinis, que surgiu mais uma vez o Tiago. Em conversa, a Maria questionava como é que ele iria entrar para o interior do JI, dado que esse acesso tinha escadas.

Considerando as crianças como principais conhecedoras do seu ambiente, avançamos para o espaço exterior do JI com o desafio investigativo de analisar quais as zonas/objetos que seriam mais acessíveis ao Tiago, ou outra criança com dificuldades de mobilidade, e quais as zonas do JI que representariam barreiras. Para isso foi utilizada a técnica walking tour. Tal como confirma Clark (2005), neste processo, verificou-se uma inversão de papéis entre adulto e crianças. As crianças participaram como documentadores, fotógrafos, guias e comentadores, munidos da máquina fotográfica digital, folhas e canetas. Assumiram um papel ativo e uma liderança clara, na qual deram significado a lugares, objetos e ideias.

A saída e a entrada para o JI era o mote para a (re)descoberta do espaço exterior. Rapidamente, as crianças se depararam com a rampa que dava acesso ao portão da escola e de uma rampa lateral que dava acesso a uma entrada alternativa para o JI, através da sala 1: “O Tiago podia entrar por aqui… vamos tirar uma fotografia a esta porta”. As crianças andavam pelo espaço, em grupo, comentando e fotografando as áreas que consideravam fortes e fracas para a hipotética inclusão do Tiago.

O espaço exterior do JI divide-se em duas áreas distintas, localizadas nos extremos opostos do JI: a área dos escorregas e a área da relva sintética. Começamos por definir qual desses espaços seria mais acessível ao Tiago. Recorremos à votação, para o registo deste processo; a totalidade das crianças votou na zona do relvado sintético como a mais acessível para o Tiago (a Marta e a Maria fizeram o registo). Precediam a essa escolha razões relacionadas com a impossibilidade do Tiago “subir” para os escorregas e “escorregar sozinho”. As crianças consideravam que a amplitude da zona do relvado era ideal para o Tiago brincar.

Fotografia 4. Walking Tour espaço exterior (foto de Gabriel)

Fotografia 5. Conversa com as crianças sobre o espaço. António faz mapa do espaço (foto de Gabriel)

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Perspetivar a globalidade do espaço exterior do JI exigia a elaboração de um mapa, que foi improvisado na altura do walking tour64. Ao mapa, sucedeu uma maquete do espaço exterior, onde marcamos com bandeiras os espaços acessíveis e as barreiras do JI. Este produto foi apresentado à sala 1 pelo grupo de investigadores. Refletíamos que estes materiais poderiam ser úteis para apresentarmos a adultos responsáveis pela escola, caso a escola recebesse uma criança com dificuldades de mobilidade. Abaixo, apresentam-se algumas das fotografias65 que refletem o percurso trilhado pelas crianças e os pontos que elegeram como significativos tendo em conta a temática do “tour”. A fotografia revelava-se, mais uma vez, uma preponderante técnica de comunicação, que possibilitava uma “linguagem visual poderosa” (Roberts-Holmes, 2011, p. 133).

No espaço exterior, o Tiago poderia “jogar à bola”, “brincar com os camiões”, “brincar às corridas” com as devidas cautelas dos pares. As crianças analisaram que seria difícil o Tiago aceder aos contentores dos brinquedos por estes serem demasiado altos.

64 Cf. Anexo 18 (Mapas espaço exterior).

65 As fotos apresentadas são da autoria do Gabriel.

Fotografia 7. Fotografia 8. Fotografia 9. Fotografia 10.

Fotografia 11. Fotografia 12. Fotografia 13. Fotografia 14.

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No espaço interior do JI foi realizado o walking tour por espaços, à partida, delimitados: casas de banho, refeitório/CAF e sala 1.

Relativamente à sala 1, globalmente, as crianças consideram que o Tiago poderia participar em tudo. As áreas mais favoráveis à sua participação são a pista e os jogos porque têm mais espaço. A área considerada menos acessível é a do desenho porque tem menos espaço. Quanto ao refeitório, o facto de a entrada ser ampla permite acesso ao Tiago. As crianças revelam que o Tiago poderia comer nas mesas, sentado na cadeira de rodas e que seria autónomo na alimentação, “o braço não está aleijado”, caso não fosse, as assistentes operacionais ajudariam. Quanto à casa de banho das crianças, denotam pela primeira vez, que está adaptada,

Nº Fotografia Legendas Crianças

Fotografia 7 Um sítio inacessível para o Tiago… Os escorregas… (…) Porque ele tinha de subir as escadas e com a cadeira não conseguia… (Marta)

Ele andava na cadeira de rodas, e os escorregas têm escadas e ele tinha de subir, mas os escorregas não tinham rampas… (…) Eu já tive uma ideia… Uma senhora podia pôr em cima do escorrega e depois ele já podia escorregar… (Dinis)

Fotografia 8 Aqui há mais espaço… ele podia andar à vontade… (Francisco) Fotografia 9 Ao pé do portão também há uma rampa (Maria)

Fotografia 10 As escadas eram mais difíceis. (…) Porque ele tinha cadeira de rodas e não andava, andava de cadeira de rodas (António)

Ele só consegue andar de cadeira de rodas, não consegue andar a pé (Marta) Fotografia 11 [Uma alternativa às escadas] Uma rampa… (Maria)

Fotografia 12 Tínhamos de tirar as mesas da área dos jogos para ele conseguir entrar pela sala 1 (Gabriel) Fotografia 13 Ele não conseguia chegar aos brinquedos porque estão muito altos (António)

Fotografia 14 Os camiões novos (Dinis)

Tabela 10. Legendas fotos walking tour espaço exterior.

Fotografia 15. Observação do espaço da casa de banho – walking tour interior (foto de Francisco)

Fotografia 16. Walking tour interior – conversa e registos (foto de Gabriel)

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“aquelas coisas deve ser para ele se segurar”. Verificam que existe apenas uma sanita adaptada na zona destinada aos rapazes, pelo que referem que se a criança que frequentasse o JI fosse menina, tinha de ir à parte reservada aos rapazes66. Consideram que o Tiago lavaria as mãos sozinho, sentado na cadeira de rodas. Constatam que a casa de banho apresenta apenas símbolo de identificação menino/menina, não havendo indicação que se encontra adaptada para pessoas com mobilidade reduzida, como acontece na casa de banho dos adultos.

Partindo da experiência descrita, concorda-se com Clark (2007) que defende as crianças como capazes de se envolverem ativamente nas mudanças dos seus ambientes. Verificou-se no desenvolvimento deste tópico de investigação, despoletado pelas crianças, o pensamento de Clark (2004) ao afirmar que crianças pequenas podem fazer comentários perspicazes sobre espaços interiores e ao ar livre de que usufruem.

Ainda que perante uma situação hipotética, as crianças conseguiram analisar as condições e condicionantes do seu JI, bem como arquitetar novas possibilidades de participação/inclusão do Tiago. A sua experiência diária, enquanto participantes diretos daquele contexto, muniu-os de um conhecimento experienciado, que lhes permitiu denunciar que os contentores dos brinquedos estavam muito altos para o sujeito imaginado; que não era habitual brincarem com os camiões como o descrevera a investigadora- adulta; ou até que, se fosse uma criança do sexo feminino com mobilidade reduzida a frequentar o JI, teria de usar o espaço reservado aos rapazes, por aí se encontrar a única sanita adaptada; observações que tinham passado despercebidas aos olhos da investigadora-adulta. Remete-se, mais uma vez os contributos de Clark (2005, p.13) que define as crianças como “especialistas e agentes das suas próprias vidas”.

A prática presente reflete, também, os contributos da autora que revelam que a informação construída pelas crianças acerca dos seus contextos pode ser usada para realizar alterações, novos projetos e construir até novos edifícios (Clark, 2004).

Incluir as crianças na inclusão de um par, ainda que a partir de uma situação hipotética, revelou-se uma estratégia de envolvimento e de reconhecimento das crianças como cidadãs na comunidade onde aprendem, tal como defende Nutbrown, Clough & Atherton (2013). A propósito do envolvimento das crianças como cidadãs na sua comunidade, o António referia: “Este projeto, também, podia ser fora da escola. Também há pessoas de cadeiras de rodas fora das escolas…lá na piscina anda lá um senhor… não anda Dinis?” Reflete-se sobre a importância de se alargar a ação das crianças para a comunidade no seu sentido mais abrangente e das crianças verem a sua ação refletida no espaço público.

A riqueza e assertividade dos contributos trazidos pelas crianças na exploração do espaço do seu JI, enfatizam que muitos dos pontos de vista e sugestões feitas por crianças, oferecem um excelente recurso para incorporar mudanças nas práticas e contextos, que tornam os locais mais inclusivos e favoráveis para todos que o frequentam (Nutbrown & Clough, 2009).

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