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Envolvimento e Proximidade por trás de uma lente

Parte III – “As Pessoas Crescidas nunca entendem nada Sozinhas”…Ver para Além de um Chapéu

Capítulo 6. Envolvimento e Proximidade por trás de uma lente

Começaram por surgir detalhes de objetos da sala do JI. O tempo para explicar como funcionava a máquina fotográfica, foi rápido e atropelado pela vontade de começar e experimentar o aparelho. O envolvimento na captação de imagens pelo Gil, foi perspetivado, nos primeiros minutos como uma oposta ganha.

Sugeri que ao Gil fotografasse os colegas da sala …os amigos. Primeiro, com a sugestão do que e quem podia fotografar, mas por poucos minutos. Rapidamente se viu o Gil, pela sala a deambular com a sua máquina… primeiro avançou na direção da Joana, da Tânia e da Leonor, que pausaram para a foto. Uma corrida repentina para a cadeira… e a observação da foto. Falámos um pouco sobre a foto e visualizámos os rostos das colegas. Eu e a educadora Micá estávamos radiantes. As crianças da turma entraram nesta experiência, e entre atividades e fotografias, gerou-se um clima descontraído ao sabor do movimento da lente do Gil (10.03.14; Nota de Campo 15)

A experiência de photovoice que aqui se retrata surgiu com o objetivo de captar a voz do Gil para o processo de investigação, voz que até aí, tinha ficado oculta, pela supremacia que é dada às formas convencionais de participação e comunicação e que representam um desafio face a crianças com perfis comunicativos complexos. Foi consensual, que a participação do Gil no grupo de investigação, no formato que se operou não seria significativa e não constituiria para a própria criança qualquer benefício. Se por um lado se atentava, durante o processo, sobre a necessidade e a vontade da investigadora adulta incluir o Gil, por outro lado, pensava-se no benéfico real que a participação do Gil ia gerar para si próprio. A sua participação tinha que ser significativa e tinha, sem dúvida, que possibilitar a construção de significados. Transporta-se os contributos de Alderson (1995) ao considerar que as questões éticas na investigação com crianças deve atentar numa trilogia entre: deveres, direitos e danos/benefícios. O Gil tinha o direito de participar numa perspetiva que dignificasse a sua voz, as suas visões e representações; a investigadora adulta tinha o dever de providenciar as plenas condições para o exercício deste direito, perspetivando sempre a relação dano-beneficio que daí viria. A oportunidade de participação efetiva surgia pela mediação de uma máquina fotográfica. Este trabalho foi realizado ao longo de dois encontros81.

81 Cf. Notas de Campo 15 e 16.

Fotografia 17. Cadeira que se encontrava à frente do Gil (uma das primeiras fotos) (foto de Gil)

Fotografia 18.Jogo de construção em que o Gil brincava (foto de Gil)

Fotografia 19. As unhas pintadas da Joana (foto de Gil)

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Um estudo relacionado com o impacto do photovoice com crianças autistas, realizado por Carnahan (2006) revela que o photovoice pode ser usado com os professores na reflexão sobre suas práticas de inclusão e com os alunos como uma estratégia para aumentar a participação em sala de aula e na comunidade. O referido estudo conclui que para os estudantes, o processo photovoice implica um maior envolvimento em atividades de grupo, atenuando barreiras linguísticas, estruturando atividades de aprendizagem e incorporando os interesses dos alunos.

Na experiência de photovoice com o Gil e com a participação da restante turma foi possível observar o seu total envolvimento em todo o processo. O Gil apresentava naqueles períodos uma expressão corporal e facial que denotavam contentamento, sorria com frequência e mostra-se excitado com a atividade. Outro aspeto importante a assinalar foi a iniciativa de aproximação aos colegas para os fotografar, por vezes até recorrendo ao toque fugaz para “compor” as posturas dos colegas que ia fotografar. O Gil aproximava-se dos grupos, fotografava, por sua vez, os colegas colaboravam fazendo poses para o “fotógrafo”. Era também visível uma perceção dos colegas renovada em relação ao Gil, uma perceção que englobava novas pistas da capacidade do colega. A este propósito, o Gabriel que estava sempre disposto a ensinar os outros a funcionar com a máquina fotográfica, comentou com a investigadora adulta como o Gil tinha aprendido tão rápido a utilizar a máquina, incluindo conseguir rever as fotografias já tiradas e fazer zoom.

A narrativa sobre as fotografias ia acontecendo informalmente, com as crianças que, em vai e vem, se aproximavam e com o Gil. O Gil não pronunciou discurso verbal na visualização das fotos mas sorria perante as fotos e mostrava-se corporalmente satisfeito, as fotografias falavam por si e mostravam-nos os seus focos de interesse.

Foi, também, interessante a diferença de planos de imagem criados pelo Gil, as suas fotografias variavam entre planos de pormenores de artefactos da escola ou até pequenas partículas do chão, um buraco no pavimento, um galho, entre outros e outras fotografias que no plano oposto representavam a sua proximidade com os pares e com as brincadeiras estabelecidas entre os mesmos. Algumas dessas fotos enquadravam dos rostos dos colegas, das suas mãos ou fotografias a meia distância de grupos que brincavam ou a curta distância de grupos que pousavam para a fotografia.

Fotografia 20. O Gil a fotografar a investigadora adulta (foto de Inês)

Fotografia 21.Detalhe da bata e de uma bola saltitona (foto do Gil)

Fotografia 22. A sombra do Gil (foto de Gil)

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Apesar de não ter sido realizado um momento formal de paragem para a realização da atividade ou narrativa sobre a mesma, infere-se que as crianças sentiram o impacto da atividade, tal veio comprovar-se mais tarde na exposição e na sessão de avaliação onde as crianças comentaram a participação do Gil. No questionário de avaliação a Júlia referia no campo “Não vou esquecer”:

“Quando a Inês tirou uma fotografia a mim e à Maria e quando o Gil nos tirou uma fotografia a nós as duas” (cf. Fotografia 12 e 13).

Também o António fez referência à participação do Gil:

“Olha o Gil… ele tirou muitas das fotografias, que até estão lá fora”, perguntei-lhe se podíamos considerar que essa tinha sido a sua participação no projeto. Respondeu que sim.

Fotografia 23. Gil fotografa a Maria e a Júlia (foto

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P

ARTE

IV – Fomos “Mostrar a Obra-Prima às Pessoas Crescidas” - “Cidadãs do Presente”

Pretende-se apresentar na parte IV da presente dissertação as ações que as crianças produziram na qualidade de atoras e construtoras do projeto de investigação. As presentes ações celebraram simbolicamente o desfecho do projeto. Foram produtos, onde as crianças mostraram “aos adultos” aquilo que tinham construindo, tendo sido vislumbrado o seu protagonismo.