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Parte III – “As Pessoas Crescidas nunca entendem nada Sozinhas”…Ver para Além de um Chapéu

Capítulo 4: Breve Incursão Das Barreiras aos Direitos, em busca de “quatro esquinitas de

4.2. Aos Direitos

Maria: Nós temos que ajudar aqueles que não conseguem… (10.02.13; Nota de Campo 13)

Na conversa gerada em torno dos materiais apresentados, as crianças reconhecem o sentimento de tristeza e solidão daqueles que enfrentam barreiras.

Dinis: Ele estava triste, porque os pais não percebiam que ele queria ir lá para fora e ele ficou triste e não sabia, e não sabia que o filho queria sair porque pensava que não conseguia brincar… E estava, ainda por cima, sozinho…

Maria: Ele estava triste porque estava sozinho…

Eu: Então posso escrever aqui nas barreiras, que ele estava sozinho…

Francisco: E também ele estava triste porque não conseguia brincar, porque estava sozinho…

(10.02.13; Nota de Campo 13)

4.2. Aos Direitos…

Perspetivando a ação das crianças como estratégia para realização dos seus direitos, bem como reconhecendo as crianças como agentes na promoção de valores como a igualdade e da universalidade no exercício dos direitos da criança, importava perceber qual a compreensão que as crianças tinham acerca do tópico. Tomás (2011) afirma que estudos sobre as representações, imagens e conceções das crianças sobre os seus direitos (Torney & Brice, 1982; Melton & Limber, 1992; Wade, 1994, cit. Tomás, 2011) descrevem uma representação abstrata, num grau variável, que oscila consoante a temática que é sugerida às crianças abordarem, os direitos como conceito global ou os direitos relacionados com as vidas das próprias crianças.

Questionados sobre qual era para si o sentido de direitos, numa perspetiva global, as crianças denunciaram o seu desconhecimento sobre a matéria:

António: Eu não sei…

Francisco: Direitos quer dizer, quer dizer, não ficar com a cabeça para trás, não ficar com a cabeça para o lado…

(risos)

Eu: Não se estejam a rir…

Não ficar com a cabeça para trás ou para o lado… isso terá a ver com regras? Mas direitos também pode ser outra coisa…

António: Temos que estar direitos… (estica o tronco) (17.02.14; Nota de Campo 14)

Na investigação com crianças - «Há muitos mundos no mundo», Cosmopolitismo, Participação e Direitos da Criança - Tomás (2011, p. 172) registava que as crianças sabiam quando os seus direitos eram violados, apesar de, algumas vezes, lhes custar “definir, exactamente, o que são direitos e o que são os direitos das crianças”, à semelhança do presenciado com o grupo de crianças da presente investigação. Por outro lado, na exploração inicial sobre os direitos “há uma maior interiorização pelas crianças do que são os seus deveres e do discurso da civilidade, dos «bons comportamentos» ” (Tomás, 2011, p. 173), tal como o ilustra o episódio descrito na nota de campo abaixo:

Eu: O direito à educação, sabem que todas as crianças têm o direito à educação? As crianças mudaram o tom de voz e com entusiasmo responderam:

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Conjunto de vozes (indiscriminadas na gravação): É portar bem… Eu: Não aqui educação não é portar bem…

Gabriel: Pois, é respeitar…

Eu: Aqui educação significa que é ter direito a ir à escola e aprender…

Francisco: Ahh, então é por isso nós vimos todos os dias à escola.(17.02.14; Nota de Campo 14)

Segundo Marçal (2000, cit. Tomás 2011) a divulgação dos direitos junto das crianças deverá ser iniciada pela exploração das representações que as crianças têm sobre direitos, e depois utilizando guias de informação solidária de grande escala, tal como se procedeu na investigação. Após a exploração sobre as representações das crianças acerca da temática “direitos”, foi explorado juntamente com as crianças o desdobrável da UNICEF “Conhece os Teus Direitos69” e de seguida explorada uma pequena apresentação70 com alguns dos direitos das crianças e algumas perguntas chave a explorar com as crianças. Essa apresentação foi construída, com suporte de símbolos pictográficos, para que as crianças conseguissem seguir, de alguma forma, a leitura do material. Os direitos explorados foram delimitados pela investigadora, numa tentativa de fazer uma abordagem em que se refletisse sobre a concretização daqueles direitos no caso das crianças com necessidades educativas especiais. Assim, foram explorados os seguintes artigos da Convenção sobre os Direitos da Criança: Artigo 171; Artigo 272;Artigo 2373; Artigo 2874; Artigo 3175.

Partindo do pensamento de Marçal (2000, p. 17, cit. Tomás, 2011) que defende que a informação que mais privilegia as crianças é construída pelas próprias, através do que denomina de “instrumento cognitivo contra-hegemónico”, as crianças escreveram, ainda, uma carta76 dirigida às crianças portuguesas sobre os direitos em foco, num “exercício de cidadania e de participação política, uma temporalidade quase imediata, que permite realizar, em fim último, escolhas mais conscientes” (Tomás, 2011, p. 181).

69 Cf. Anexo 19 (Desdobrável UNICEF – Conhece os teus Direitos).

70 Cf. Anexo 20 (Apresentação relativa aos Direitos das Crianças). A referida apresentação procurou ser acessível às

crianças. As imagens ilustrativas de cada direito, bem como a adaptação dos mesmos foi realizada através do material x, da Organização Scotland’s Commissioner for Children and Young People (SCCYP) Disponível em: http://www.sccyp.org.uk/ Acesso a: 10.01.14.

71 “Nos termos da presente Convenção, criança é todo o ser humano menor de 18 anos, salvo se, nos termos da lei que

lhe for aplicável, atingir a maioridade mais cedo” (Art.1, CDC). Adaptado para “Todas as crianças têm direitos”.

72 “Os Estados Partes comprometem-se a respeitar e a garantir os direitos previstos na presente Convenção a todas as

crianças que se encontrem sujeitas à sua jurisdição, sem discriminação alguma, independentemente de qualquer consideração de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra da criança, de seus pais ou representantes legais, ou da sua origem nacional, étnica ou social, fortuna, incapacidade, nascimento ou de qualquer outra situação” (Art.2, CDC). Adaptado para “Não deves ser tratado mal, por pareceres diferente;

73 “Os Estados Partes reconhecem à criança mental e fisicamente deficiente o direito a uma vida plena e decente em

condições que garantam a sua dignidade, favoreçam a sua autonomia e facilitem a sua participação activa na vida da comunidade” (Art.23, CDC).Adaptado para “Crianças com deficiência devem ser ajudadas a fazer parte das coisas”

74 “Os Estados Partes reconhecem o direito da criança à educação e tendo, nomeadamente, em vista assegurar

progressivamente o exercício desse direito na base da igualdade de oportunidades” (Art. 28, CDC). Adaptado para “ Tu tens o direito à Educação”

75 “Os Estados Partes reconhecem à criança o direito ao repouso e aos tempos livres, o direito de participar em jogos e

actividades recreativas próprias da sua idade e de participar livremente na vida cultural e artística” (Art. 31, CDC). Adaptado para “Tu tens o direito a brincar”.

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Carta “Todas as crianças têm direitos”

Nós todos temos direitos, nós todos desta escola e também das outras (Teresa e Dinis, 17.02.14)

Na abordagem da Teresa e do Dinis aos direitos das crianças, estes reduzem a abrangência dos direitos ao espaço institucional.

Carta “Tu tens o direito a brincar”

Meninos de Portugal, eu acho que todos brincamos e também acho que todos os portugueses brincam à sua maneira.

Os meninos diferentes brincam à sua maneira… Nós temos direito a brincar e os outros também têm. Nós brincamos com os amigos e também brincamos à bola.

Eu acho que devemos brincar todos juntos e ser amigos sem nos magoarmos (Dinis, 17.02.14)

O Dinis destaca que todas as crianças têm o direito de brincar, e que “cada um brinca à sua maneira”, advogando as diferentes formas que a brincadeira pode assumir. Aborda o princípio da não exclusão, referindo-se à brincadeira partilhada, sem violência.

Carta “ Tu tens o direito à educação”

Meninos de Portugal, todos os meninos têm direito a ir à escola e aprender coisas novas. Se todos os meninos forem à escola, eles têm muitas coisas para aprender.

Nós podemos ajudar uns aos outros.

Se tiver amigos, nós podemos emprestar algumas coisas (Teresa, 17.02.14).

Na carta da Teresa, descobre-se os sentidos que a própria criança atribui à escola. Reiterando a importância de todas as crianças frequentarem a escola, destaca a aprendizagem, o suporte e a partilha como importantes na inclusão de uma criança com necessidades educativas especiais.

Carta “Crianças com deficiência devem ser ajudadas a fazer parte das coisas”

Meninos de Portugal, eu acho que todos os meninos mesmo aqueles que andam em cadeira de rodas e moletas, nós podemos ajudar a levar ao parque e à praia. Quando nós íamos para casa eu empurrava. E quando ele ia tomar banho, nós também ajudávamos. Ao ir para a cama, nós também ajudávamos: deitava-o e ele adormecia (Marta, 17.02.14).

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A descrição da carta da Marta revela o discurso da afetividade e proteção e do contexto sociofamiliar. Numa construção frásica que varia entre a primeira pessoa do singular ou a primeira pessoa do plural, a Marta revela a representação da função maternal, “que revela as virtudes dos méritos pessoais – cuidar de si – alarga-se aos seus papéis de utilidade social – cuidar dos outros” (Ferreira, 2004, p. 221). As rotinas nomeadas pela Marta no que respeita à participação da criança imaginada correspondem a um dia previsível de uma criança. A ida à praia e ao parque parecem indicadores da não restrição da participação da criança imaginada em todas as esferas da sua vida.

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Reflete-se sobre a necessidade das crianças conhecerem os seus direitos e de se apropriarem da Convenção dos Direitos da Criança. No caso das crianças com necessidades educativas especiais acresce que se considerem as peculiaridades inerentes a cada um dos direitos77.