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Arquitetura, paisagem e “boas-maneiras” (1918-1933)

No documento Raul Lino: arquitetura e paisagem (1900-1948) (páginas 156-193)

Capítulo 2. Circunstância e proposta

2.4. Arquitetura, paisagem e “boas-maneiras” (1918-1933)

Em 1918, chegava ao fim a primeira guerra mundial, a economia nacional registava grandes défices entre 1917 e 1923 e as receitas do Estado diminuíam com a desvalorização da moeda, situação só invertida a partir de 1924, refletindo-se a instabilidade financeira no plano social em virtude do aumento do custo de vida526. A situação económica da nação repercutia-se também na promoção de obra pública e privada. E foi na quebra da encomenda privada de onde provinha a clientela de Raul Lino, e em particular junto da aristocracia – que vinha sendo despojada da sua força desde a implantação da República – e da alta burguesia culta, que mais se ressentiu a sua produção. Findava então a primeira fase da sua obra, que designámos de Arquitetura, paisagem e “Encantamento” (1900- 1918),” período de intrínseca coerência teórica e prática sob o influxo do ”encantamento”, que se refletiu numa narrativa poética de sonho e “poesia.”527

Embora esparsos, os escritos de Raul Lino naquela primeira fase da sua obra, são claros na génese da sua conceção intuitiva e inefável de arquitetura que o é em contexto com a sua circunstância e relevam para entender o essencial do apelo e do escopo da “campanha,” com reflexo na construção de paisagem. Certamente fruto da conjuntura e da necessidade de arregimentar nova clientela, foi sobretudo para arreigar a “campanha” que havia iniciado em projeto há 18 anos (Pavilhão português da Exposição Universal de Paris de 1900) e em obra há 17 (Monsalvat, 1901), no intuito de uma retoma dinâmica da tradição na arquitetura moderna portuguesa, que o arquiteto publicou A nossa Casa – Apontamentos

sobre o bom gôsto na construção das casas simples (1918).

Raul Lino fê-lo contudo numa conjuntura progressista que era completamente desfavorável ao seu apelo. De facto os planos de expansão urbana assentavam nas disposições genéricas sobre Planos Gerais de Melhoramentos do diploma de 1865 (Decreto-Lei n.º 10 de 13 de janeiro) diploma que privilegiava o arranjo do espaço público numa perspetiva higienista conducente ao pragmatismo dos traçados reticulados.528

526

Cf. Situação Económica Difícil da I República. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2012. [Consult. 27 Set. 2012]. Disponível em http://www.infopedia.pt/$situacao-economica-dificil-da-i-republica.

527

Lino, Raul, O Romantismo e a «Casa Portuguesa», op. cit. [ed. 1974]

528

Na Lisboa do último quartel do Século XIX, o Engenheiro Ressano Garcia diplomado pela

École Impériale des Ponts et Chaussés (1869) e Chefe da Repartição Técnica da Câmara

Municipal (1874), projetava o crescimento da cidade para Norte no mais geométrico figurino haussmanniano, rompendo o Passeio Público com a Avenida da Liberdade (1879) e abrindo a Avenida das Picoas ao Campo Grande (1888). Naturalmente ávida do figurino cosmopolita parisiense, a burguesia lisboeta encomendava então a sua casa aos também arquitetos diplomados nas Beaux-Arts. Lógico foi então que no dealbar do século XX, o apelo da “Casa de estylização tradicional portuguesa (…) para Lisboa”529 de Raul Lino n’A

Construção Moderna (n.º 56, 10 Abr. 1902), não rendesse clientela. E de facto na

conjuntura da primeira fase que identificámos entre 1900 e 1918, Raul Lino só viu efetivamente traduzida em obra para Lisboa, em termos de arquitetura doméstica concebida de raiz, a Casa Ribeiro Ferreira (1906) na Avenida Fontes Pereira de Melo, e a Casa Elisa Vaz (1912) na esquina da Avenida da República com a Elias Garcia, construções cujo sentido de urbanidade o arquiteto considera obedecer aos “aspectos variados a que as circunstâncias especiais de ambiente e época obrigam.”530

Com a publicação de A nossa Casa (1918) Raul Lino articulou compreensivamente os objetivos da sua “campanha” a partir da experiência da obra feita de arquitetura doméstica, e fê-lo sem prejuízo de um sentido da sua espacialidade doméstica e tectónica que entendemos transversal a outros destinos e utilizações humanas. Já aqui o inferimos a propósito do Hotel Português do Sul (1915) ou da Escola primária de Alcântara (1916) e do Sul (1918). “Destinado a princípio a fazer parte de uma colecção intitulada «Livros do Povo», em breve nos convencemos da inutilidade da sua inclusão naquelas edições”531 escreve Raul Lino destinando o livro a quem podia edificar a casa, ou seja a burguesia, e “escrevendo para estes, trabalhamos também pela educação do povo em quem é tão arreigado o espírito de imitação.”532 Contamina esta obra um intuito pedagógico que obriga o leitor ao exercício da reflexão crítica, assim o entende o autor para quem “este livrinho não é nem poderia ser um formulário para a criação de belas casas”533, e que embora denso na sua argumentação o arquiteto soube traduzir em palavras simples.

529

Cf. Pessanha, D. José, Raul Lino in A Construção Moderna, Ano III, n.º 56 (10 Abr. 1902), p. XIX.

530

Lino, Raul, A Nossa Casa: Apontamentos sobre o bom gôsto na construção das casas simples, op. cit., p. 60. [ed. or. 1918] 531 Id. Ibid., p. 4. 532 Id. Ibid., p. 4. 533 Id. Ibid., p. 4.

“Quando construímos uma casa de novo, para que nos seja tam querida logo desde os primeiros meses em que a habitamos, é preciso que pela sua disposição ela corresponda perfeitamente à nossa maneira de viver. Mas isto não basta; (…) Na construção de casas há também boas maneiras, má educação ou feitio grosseiro, há gestos inteligentes e sinais certos de necessidades tais, quais se observam em todos os actos da vida.

É destes dois pontos mais importantes que a seguir vamos tratar: da melhor disposição da casa para conveniência dos seus moradores e do modo decoroso porque esta deve ser realizada, – se não para maior satisfação do seu dono, pelo menos por respeito à sociedade em que vivemos.”534

Com esta obra, Raul Lino apelou a uma nova clientela burguesa, e embora com uma evidente redução do orçamento disponível para a construção da casa, era claro o seu ensejo em produzir uma “casa artística” simples e portuguesa perfeitamente cabida no sítio e nas circunstâncias e com o menor sacrifício possível da expressão narrativa de “sonho” e “poesia” da sua primeira fase. Nesse sentido, entendemos que a campanha iniciada por Raul Lino em favor da “casa portuguesa” e pela primeira vez ideada com “A nossa Casa” (1918), vem muito na esteira da pedagogia iniciada doze anos antes em Inglaterra por M. H. Baillie Scott com a publicação de “Houses and Gardens”535 (1906).

Argumentos há que validam este nosso entendimento. Já aqui relevámos o apreço de Raul Lino pelas “lições de bom gosto” 536 da revista The Studio, onde M. H. Baillie Scott – talvez o mais revolucionário dos pioneiros britânicos segundo Nikolaus Pevsner537 – publicava frequentemente a sua obra, tendo o arquiteto adquirido a 1.ª edição de “Houses

and Gardens” (1906) em Londres, no ano de 1907538, dando Manuel Rio-Carvalho vivo testemunho dessa assumida influência539.

534

Id. Ibid., p. 10.

535

Baillie Scott teorizou sobre a “Artistic House” e destinou-a a uma clientela com aspirações artísticas e rendimentos modestos. Cf M. H. Baillie, Houses and Gardens: Arts and Crafts interiors, 3.ª Ed. Suffolk: Antique Collector’s Club, 2004, p. 260. [ed. or. London: George Newnes, 1906].

536

Cf. Lino, Raul, Para o Senhor Arqto Pedro Vieira de Almeida, op. cit.

537

Cf. Pevsner, Nikolaus, op. cit., p. 141.

538

Existe um exemplar da 1.ª edição de Houses and Gardens assinado por Raul Lino e com a inscrição “London 1907”, na contracapa, assim como um significativo repositorio de exemplares da revista The Studio na sua coleção pessoal, acessível no arquivo da família, em Lisboa, na R. Feio Terenas.

539

Segundo Manuel Rio-Carvalho, Raul Lino nunca reconheceu expressamente a influência de Voysey, “mas sempre aceitou a influência de Baillie Scott”. Cf. Rio-Carvalho, Manuel, Raul Lino, op. cit., p. 174.

Une-os o influxo Arts and Crafts na construção de uma totalidade artística cerzindo artes decorativas, arquitetura e meio, favorecida pela organização espacial nucleada procedente do centro da casa, do “estar” – House place segundo M. H. Baillie Scott – irradiando para os espaços anexos em direção ao jardim. Irredutível no emprego da artesania na produção da obra, M. H. Baillie Scott não admitia os processos mecanizados que a obra de Voysey já induzia e Mackintosh admitia. A recuperação contemporânea dos valores espirituais da arte medieva, que provinha de John Ruskin e do Arts and Crafts de William Morris, era também o propósito de Raul Lino, para quem a casa devia refletir os valores de “honestidade” e “verdade” do artífice na sua concretização, condenando nesse sentido qualquer tentativa de mecanização e produção em série nos processos construtivos.

Outro aspeto que não concorreu para a adesão da burguesia urbana lisboeta à conceção de Raul Lino, foi a inexistência de um urbanismo que atentando à valorização dos aspetos estéticos da cidade e à configuração do sítio, cultivasse o gosto do pitoresco e assim acolhesse a sua proposta de particularidade. Raul Lino não beneficiou de instrumentos urbanísticos que incentivassem a propagação da sua proposta, como aconteceu com M. H. Baillie Scott, que teve em Raymond Unwin um entusiasta do Cottage como unidade de habitação ideal da cidade-jardim540. Em boa verdade, aquele arquiteto apenas publicou “Houses and Gardens” (1906), após o rotundo sucesso das “Elmwood Cottages” junto do público no concurso do “Cheap Cottage” (1905) na cidade-jardim de Letchworth (1903-

1904). Ou seja havia uma adesão popular genuína para uma proposta de artesania Arts and

Crafts em Inglaterra, que não existia de todo em Portugal.

De facto, o modelo de desenvolvimento urbano progressista de Lisboa iniciado no último quartel do século XIX por Ressano Garcia, como já aduzimos, inviabilizava uma adesão da burguesia ao enunciado e proposta da “casa simples” que Raul Lino propagava em termos de moradia urbana porque não havia leitura prática no terreno que o permitisse. Em 1918 com a publicação de A nossa Casa, o arquiteto reduziu à forma escrita o pensamento sobre a “campanha para o aportuguesamento da nossa casa, da nossa arquitectura”, que já vinha exercendo em projeto e obra, desde 1900.

540

Scott, M. H. Baillie; Unwin, Raymond, Town planing and modern architecture at the Hampstead Garden Suburb: with contributions by Raymond Unwin and M H.Baillie Scott and a hundred and twenty-one drawings, plans and photographs. London: T. Fisher Unwin (1909).

Aquele repto de Raul Lino procede em primeira farpa contra o cosmopolitismo de “certas publicações francesas que tiveram grande voga em Lisboa, servindo para divulgar entre nós os tipos de construções completamente inadequados ao nosso país e que hoje enxameiam as nossas cidades.”541 O primeiro objetivo do arquiteto foi o de “aportuguesar” a casa urbana, comprovam-no as duas plantas de casa542 que acompanham o inicio da narrativa d’A nossa Casa (1918), intento que foi também o do primeiro projeto publicado n’A Construção Moderna (n.º6, 16 Abr. 1900), a saber a “Fachada de estylisação tradicional portuguesa”. Naquela obra, Raul Lino “exemplifica”543 a sua pedagogia também pelo desenho, esparso, visando a continuidade entre a arquitetura e as circunstâncias, reinterpretando dinamicamente a tradição presente nas estruturas construídas e na paisagem como memória perpetuada durante gerações afastando o erro em aperfeiçoamento milenarmente procedido.544

“Na parte prática guiar-nos-emos pelo bom senso para tudo o que afirmamos; na parte artística porêm, como não se podem estabelecer regras, limitar-nos-hemos quási exclusivamente a exemplificar o que com certeza é errado.

Nunca se comece por pensar no aspecto exterior de uma casa (a não ser de um modo muito vago) antes de ser bem estudada a sua planta. O carácter essencial das fachadas de uma casa reside nas suas proporções gerais, e estas só podem ser determinadas depois de haver uma planta definitiva.

Não se deve porém fazer a planta sem estar escolhido o terreno. Há muitas cousas a que atender que dependem da situação de um terreno e que influem poderosamente na disposição de uma casa.”545

Ao cliente da pequena e da média burguesia capaz de edificar a casa, após deduzidos os custos do terreno e projeto, não sobravam recursos para a sua construção, o que exigiu a Raul Lino um maior controlo na exuberância formal da sua produção nesta segunda fase da sua obra, que denominamos de arquitetura, paisagem e “boas-maneiras” (1918-1933).

541

Lino, Raul, A Nossa Casa,op. cit., p. 8. [ed. or. 1918]

542

Id. Ibid., p. 11,12.

543

Lino, Raul, A Nossa Casa,op. cit., p. 10. [ed. or. 1918]

544

Raul Lino pronunciou-se sobre este sentido da tradição citando um extrato do Prólogo para franceses (A rebelião das massas, Ortega y Gasset, 1930) no estudo que apresentou no Museu Nacional de Arte Antiga em 16-04-1951 e na escola Superior de Belas artes do Porto, em 11-05-1951. Cf. Lino, Raul, Arte, Problema Humano: a propósito da sede da O.N.U, op. cit., p. 45.

545

Entendemos a economia na “construção das casas simples” em Raul Lino, como reflexo de “bom senso”, síntese entre a adaptação da construção aos desejos do cliente naquilo que é essencial ao programa, e às circunstâncias do meio, conducente no sentido fisiológico ao menor esforço humano e logo ao menor custo da sua execução. Releva então em razão da “economia” na génese concetual de Raul Lino nesta segunda fase da sua obra (1918-1933) um recurso menos exuberante do “elemento impulso”546, ou abstração, e uma prevalência do “elemento de adaptação”547, ou empatia, particularmente quando a casa se inscreve em contexto “pintoresco”. Assim se passa, globalmente, com as exceções que uma manifesta vontade de expressão plástica do arquiteto ou o cliente assim o exijam.

Centrada no “estar,”548 a casa projeta-se para o exterior devendo-se “harmonizar a nossa obra com o conjunto de circunstâncias que dão o carácter especial à localidade,”549 incorporando no projeto as “condições topográficas existentes que, bem aproveitadas, podem dar grande realce às linhas gerais de uma casa,”550 sendo que “a beleza fundamental do aspecto exterior de uma casa está nas suas proporções.”551 Raul Lino concebe a arquitetura como aquela “nobre arte que, segundo Ruskin, é a primeira entre todas as belas- artes,”552 ou seja, como obra de arte que tende à expressão da beleza. Nesse sentido entendemos a “casa portuguesa” como a intuição da totalidade artística percecionada pelo cliente em proporção com os seus desejos e o meio, numa relação orgânica que pulsa do estar interior para o exterior. Entendemos também a “casa portuguesa” como a intuição da sua linha exterior percecionada pela comunidade em proporção com o meio, numa relação cenográfica entre as partes que são a arquitetura e as suas circunstâncias. No plano privado ou público da intuição da casa, a conceção de arquitetura em Raul Lino é indissociável e intrínseca de construção de paisagem. “Corria e palmilhava a serra de Sintra em todas as direcções até à orla do Atlântico”553, escreve o arquiteto na sua autobiografia indicando o itinerário dos seus passeios entre a Casa do Cipreste e o confluir do maciço da serra de Sintra nas escarpas rochosas sobre o Oceano Atlântico.

546

Lino, Raul, Espírito na Arquitetura, op. cit., p. 225-231.

547

Id. Ibid.

548

Lino, Raul, A Nossa Casa,op. cit., p. 13. [ed. or. 1918]

549 Id. Ibid., p. 21. 550 Id. Ibid., p. 22. 551 Id. Ibid., p. 17. 552 Id. Ibid., p. 57. 553

Naqueles longos excursos, Raul Lino terá por certo intuído no recorte das Azenhas do Mar o motivo que informou a decisão de naquele lugar construir a sua casa de banhos, em 1920, a “casita à Beira-Mar” como a designou nas “ilustrações” anexas a “Casas Portuguesa”554 (1933), mais conhecida como “Casa Branca”555 e também sob o topónimo de “Casa do Marco.”556

A “casita à Beira-Mar” resulta de um consórcio em que Raul Lino é de novo arquiteto e cliente, situação que já se tinha colocado pela primeira vez, na Casa do Cipreste (1912- 1914). Partilham esta duas construções, embora sob diferentes níveis do programa doméstico e de contexto, o mesmo propósito de expressar com a máxima plasticidade e economia de meios possível, “a vitalidade ou energia animadora do espírito que caracteriza as verdadeiras, as eternas obras de Arte.”557 Ambas as construções são vontade da mais pura abstração arquitetónica, contudo, absolutamente opostas no arco da conceção empaticamente percebida em razão do meio, quanto à possibilidade de mimese.

Na casa do Cipreste (1912-1914) e na “casita à Beira-Mar” (1920), é transversal um claro predomínio do elemento “impulso (…) o elemento misterioso original que gera a obra de Arte (…) música eternamente presa à matéria,”558 sobre o elemento “adaptação (…) mais ou menos acessível á nossa inteligência e susceptível de ser descriminado,”559 concorrendo ambos os elementos “no criar e formar de qualquer obra de Arte, e – digamos de passagem – são também implícitos na própria essência de beleza.”560 Embora seja evidente a predominância do impulso abstrato na conceção genésica de ambas as obras, intui-se no entanto a partir da casa do Cipreste (1912-1914), uma forte leitura de mimese da tectónica com a pedreira.

554

A “Casita à Beira-Mar” é representa nas imagens 17A (plantas do rés do chão e 1.º Andar) e 18 (perspetiva aguarelada). Cf. Lino, Raul – Casas Portuguesas – Alguns apontamentos sobre o arquitetar das casas simples, op. cit. [ed. or. Lisboa: Valentim de Rio-Carvalho, 1933]

555

Cf. Quintino, José Luís; Sat, Cláudio (ed. lit.); Trigueiros, Luiz (ed. lit.), Raul Lino, 1879-1974. Lisboa: Editorial Blau, 2003, p. 74-77.

556

Cf. “Casa do Marco (Azenhas do Mar)”, in Ilustração, n.º 46 (16 Nov. 1927), p.29.

557

Lino, Raul, Espírito na Arquitetura, op. cit., p. 226.

558 Id. Ibid., p. 225-231. 559 Id. Ibid. 560 Id. Ibid.

56. Raul Lino: “Casita à Beira-Mar” (1920-1921) Azenhas do Mar,

Sintra561

57. Raul Lino: “Casita à Beira-Mar - Plantas” (1920-1921) Azenhas do Mar, Sintra 562

Já na “casita à Beira-Mar” (1920) o impulso abstrato intui-se no absoluto contraste da tectónica com as circunstâncias sem qualquer leitura de mimese, porque deliberada no traço do arquiteto. Expressa-se esse contraste na composição das fachadas, entre a verticalidade da construção acentuada pela volumetria que resulta da elevação da reduzida planta em dois pisos, e a horizontalidade da plataforma rochosa e do próprio horizonte, repercutindo o pensamento de que “as grandes linhas verticais (…) valorizam o aspecto dos longes.”563 Acentua-se também cromaticamente o contraste pela “variada caiação”564 branca das fachadas e dos telhados e o verde seco da marcação vertical das arestas da construção contra o azul de céu e mar e o verde do zimbro e pinheiro manso. Adequado é então o epíteto de “Casa do Marco.”

Julgamos plausível que a idealização da “casita à Beira-Mar” tenha sido coetânea à publicação de A nossa Casa (1918), porque na sua construção (1920) Raul Lino aplicou soluções que exemplificou de adequeado emprego nos territórios meridionais, compreendendo o “sul do pays (…) qualquer região desde o litoral do algarve até cerca das alturas de Santarém.”565 Nesse sentido tinha já proposto o arquiteto a propósito do “aspecto das fachadas” 566 do Hotel Português do Sul (1915) ou das “Escolas primárias modelo I, tipo Sul” (1918).

561

Créditos: Autor, 2008.

562

Créditos: Lino, Raul, Casas Portuguesas, op. cit.

563

Lino, Raul, A Nossa Casa,op. cit., p. 31. [ed. or. 1918]

564

Id. Ibid., p. 16-20.

565

Lino, Raul, “Memória justificativa e descritiva de um projeto de Hotel Português para ser construído no Sul do Paiz”, op. cit., p. 8 [Set. 1915].

566

Raul Lino concebeu então uma arquitetura com invariantes ao nível da organização espacial, humanamente centrada no “estar” – na casa, no hotel ou na escola – irradiando para os espaços anexos na direção do exterior – do jardim da casa, da paisagem larga do hotel ou do recreio da escola – na construção de uma síntese proporcionada entre a arquitetura e as circunstâncias. Nesta conceção o átrio distribui o “estar” e o alpendre é a derradeira gradação de abrigo, intimidade e luz, essencial ao proporcionar da construção em contexto e para lhe dar escala humana. Fá-lo também ao nível da tectónica reinterpretando as tradições locais e incorporando-as na construção numa dimensão de continuidade, como aduzimos a propósito da casa, do hotel e da escola do sul.

Fruto da redução do orçamento nesta fase da sua obra de “boas-maneiras” (1918-1933), há benefício para certa homogeneidade conceptual e formal da “casa simples,” sem perder de vista o “encantamento.” Exceções houve que lhe permitiram construir aquela arquitetura de “sonho” e “poesia” da sua primeira fase (1900-1918). Assim foi com a Casa dos Penedos em Sintra (1920-1922), construída pelo Financeiro Carlos Ribeiro Ferreira, para quem Raul Lino já havia projetado, a casa na Avenida Fontes Pereira de Melo (Lisboa, 1906), e o Casal de São Roque (Estoril, 1909-1915). Implantada numa parcela de configuração longitudinal na encosta norte da serra com acentuado relevo, confina a Sul com arruamento, com vistas desimpedidas entre o Nascente e o Poente, pontuando a Noroeste a Vila Velha e o Paço. Determinada a soleira na interseção do eixo longitudinal da área de estar com a Rua, distribuem-se dois pisos habitáveis acima do solo e dois de serviço abaixo, situando-se o jardim no nível de menor cota.

58. Raul Lino: Casa dos Penedos (1920-1922), Sintra567

59. Raul Lino: Casa dos Penedos – planta (1920-1922), Sintra568

567

Créditos: Autor, 2008.

568

A planta da Casa dos Penedos inscreve-se naquela espacialidade nucleada que Raul Lino inaugurou com Monsalvat (1901), sem prejuízo da sua configuração longitudinal que é naturalmente adversa a um esquema de distribuição centrado num átrio e mais favorável a um esquema baseado num corredor. O arquiteto contrariou essa dificuldade estendendo o

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