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4. Argola em crescente, de secção roliça.

2.1.2. ARRECADAS OU "MINHOTAS"

A escolha do nome a atribuir a estes adornos, bastante numerosos e representativos no contexto da colecção, revelou-se mais difícil. Poucos foram os exemplares encontrados durante o estudo efectuado: em fotografias, de postais ou revistas, não se detectaram nenhuma destas peças e, na maior parte dos trabalhos dedicados a esta temática, as descrições dos objectos nem sempre são acompanhadas por imagem, facto que dificulta a análise da peça.

Rocha Peixoto referiu-se a um tipo de brinco de molde ou chapa de forma discoide124. Afirmar, com segurança, que o autor se referia a estas peças, toraa-se

bastante mais complicado. Maior certeza podemos obter das palavras de Manuel Rosas quando este descreve um tipo de argolas que parecem compostas de duas peças laterais

unidas por outra mais abaixo, e a que se chamava "janotas"125. A descrição formal da peça, o facto de se tratarem de jóias produzidas em chapa de ouro fina e ocas, incluídas nas de carácter popular, o uso de esmaltes e dos mesmos motivos decorativos encontrados nas "arrecadas" da colecção, parecem razões suficientes para acreditar que as "janotas" correspondem formal e decorativamente aos objectos que estamos a tratar.

Na inventariação dos bens testamentários (1834-1894), pertencentes ao Cartório de Gondomar, o termo "janotas" aparece uma vez incluído entre os objectos de ouro. O testamento data de 1863 e foi feito a pedido de João Martins Jorge, viúvo que deixou à sua afilhada Josefina, filha de Salvador Ferreira e de Gertrudes, do lugar de Santa

Eulália, freguesisa de Fanzeres, (...) umas janotas de ouro no valor de 12000 Rs mais ou

1 2 3 NICOUNI, Gérard - ob. cit., p. 263 (vol. 1), Est. 28a-b e 37a (vol. 2). 1 2 4 ROCHA PEIXOTO, - ob. cit., p. 554.

1 2 5 ROSAS, Manuel - Introdução às jóias e ao ouro no Norte de Portugal, in catálogo "Ourivesaria do Norte de Portugal", Porto, ARPPA e AIORN, 1984, p. 107.

menos126. A confirmar-se a ligação entre o nome e a forma da jóia, estamos perante a referência mais antiga que pudemos apurar para este tipo de peças.

Nos trabalhos127 em que surgem acompanhadas de fotografia, as arrecadas são

igualmente designadas de argolas ou simplesmente brincos, termo acompanhado, por vezes, de um adjectivo ou substantivo que as fazem diferenciar de outros brincos com características morfológicas próprias. Tendo em conta a diferenciação tipológica e consequentemente decorativa entre estas peças e as argolas estudadas, julgámos necessário tratá-las separadamente e dar-lhes denominações específicas.

As "arrecadas" obedecem a um esquema totalmente distinto da argola; mesmo que a forma circular, entre outras, possa, com esforço, ser considerada, o corpo da peça é todo preenchido (desaparecendo o centro vazado das argolas), rematando em forma de U, de onde parte o aro de suspensão. Em termos decorativos, esta característica formal é fundamental, afastando ainda mais os dois tipos de adornos; se as argolas são, na maioria dos casos, singelamente decoradas, tendo em conta o espaço de que dispõem, as "arrecadas" apresentam uma profusão de motivos ornamentais que justificam plenamente o cognome de "barrocas". Se, em trabalhos dedicados ao estudo geral da ourivesaria, em inventários de todas as peças de ourivesaria profana de um Museu ou em catálogos de Exposições, a designação geral de argolas ou brincos pode bastar, numa colecção particular, onde se encontram lado a lado várias dezenas destes adomos, elas têm que receber forçosamente um nome diferente.

A separação dos dois termos respeita, aliás, a metodologia seguida na oficina. As primeiras são chamadas de argolas e as segundas "Minhotas", atendendo, segundo informação dada, aos motivos decorativos nelas existentes. Sendo estes comuns aos de outros brincos da colecção, a designação particular de "Minhotas" parece provar que também os ourives não encontraram, com facilidade, um nome para arrecadas. Por considerarmos que todas as informações obtidas nas oficinas, centros de produção, devem ser assinaladas e respeitadas, utilizaremos igualmente o termo "Minhotas" para identificar estes objectos.

A escolha do nome arrecada pode, contudo, levantar alguns problemas, por não respeitar a interpretação geral que hoje se dá ao vocábulo arrecada, em obras dedicadas ao estudo da ourivesaria popular. Amadeu Costa caracteriza a "Arrecada de Viana" pela sua

forma lunular na "janela" ou "pelicano* ou "bambolina", e também na parte mais próxima ao gancho de suspensão auricular f.-j1 2 8. Manuel Rosas define as arrecadas como uns

1 2 6 Po 20, 251 v a253v.

1 2 7 Inventários de Ourivesaria dos Museus Nacionais (...); COSTA, Amadeu; FREITAS, Manuel Rodrigues - ob. cit., p. 85.

brincos de tipo mediterrânico, redondos largos, com uma lunula central solta, e umas pedras de cor falsas, com um fio em argola para enfiar nas orelhas, e contraste dos

meados do século 129[XIX]. Finalmente, Fátima Macedo, descreve-as como um objecto

de adorno que apresenta corpo central que, salvo raras excepções, é normalmente circular

ou em forma de crescente lunar. Dotado de apêndice terminal utiliza para suspensão da orelha um elemento simples de introdução no lóbulo ou duplo quando combinado a uma cadeia de suspensão supra-auricular130, mas aplica o termo apenas às peças de feição circular com o interior articulado, designadas vulgarmente de bambolina ou pelicano, enquanto às restantes, em crescente, denomina-as de argolas ou brincos, consoante os casos.

As três definições estão na linha seguida por Rocha Peixoto, quando este autor descreve os diversos tipos de arrecadas filigranadas do seu tempo, a começar no modelo

circular e passando successivamente - duplicando ou triplicando as zonas luniformes, espaçando-as, ornamentando-as periphericamente e enchendo-lhes os vasios - ao tema e alicerces do crescente131. Tendo em conta que o próprio Rocha Peixoto designava indiscriminadamente estas peças de argolas ou arrecadas, parece-nos não se justificar, na actualidade, fazer depender o nome arrecada apenas a um tipo específico de brinco.

Vimos, também, que nos finais do século XTX e parte desta centúria, o vocábulo arrecada era aplicado a peças de contorno circular ou constituía um determinado tipo de argola. Por conseguinte, em virtude de tantos equívocos a que [as] palavras se

prestam132, facto que já preocupava Leite de Vasconcelos, optámos por intitular também as "Minhotas" de arrecadas, guiando-nos pela sua complexidade morfológica que respeita mais ou menos a forma discóide e pela impressão causada quando vistas pela primeira vez no conjunto e que prontamente as apelidámos de "arrecadas". A mesma diferença de nomes pode ser encontrada nalguns trabalhos de ourivesaria proto-histórica de origem espanhola, onde se faz a diferença entre os adornos de aro, em segmento de círculo, com as arrecadas, em forma de disco133.

Em termos estruturais, as arrecadas apresentam formas ligeiramente diversas, variando entre o corpo discoidal, oval ou losangular. Superiormente, a peça é dividida por duas hastes mais ou menos afastadas e profundas, formando um U, de onde parte a argola de suspensão auricular (Figs. 50 e LXVII a e b). A divergência formal das

1 2 9 ROSAS, Manuel - ob. cit., p. 101. 1 3 0 Catálogo. Raízes do ouro (....), p. 25. 1 3 1 ROCHA PEIXOTO, ob. cit., p. 552.

1 3 2 VASCONCELOS, José Leite de - Xorcadeouro, in "O Archeologo Português", II, Ia série, n° 1, Janeiro 1896, p. 20.

1 3 3 PEREA CAVEDA, Alicia - Piezas singulares de orfebreria Gaditano en el MA.N., in "Boletfn del Museo Arqueológico Nacional (Madrid), III, n° 1, Madrid, 1985, pp. 37,39,40 e 4L

arrecadas depende do tipo de motivos decorativos escolhidos para a preencher e sobretudo pela forma como eles se distribuem no objecto, proporcionando contornos arredondados ou linhas rectas, bem marcadas e aproximadamente iguais, no caso do losango.

Todos os cunhos fazem centralizar uma bolota (Figs. 51, 52 e 53) ou um cacho de uvas (Figs. LXVIII a e b) de gosto naturalista que extravasam inferiormente o corpo principal da peça e proporcionam a sua divisão em duas partes exactamente iguais. Estes dois elementos centralizadores permitem fazer a separação entre dois tipos de arrecadas - de bolota ou de cacho de uvas - tão grande é a sua repetição nos moldes da colecção. A estrutura, motivos decorativos e soluções encontradas para a sua distribuição são, no entanto, os mesmos nos dois tipos de arrecadas.

A densidade de ornamentos responde a um "horror ao vazio", notando-se uma predominância marcante dos motivos vegetalistas associados a outros de várias origens: trifólios ou folhas de limbo recortado, gavinhas, raminhos enrolados ou estendidos, flores de várias pétalas, abertas, em botão ou em cálice, palmetas, cornucopias em pé ou invertidas, soltando ramos de flores e folhas, frutos em bagos ou em pinha, criam todo um mundo fantástico, onde os elementos ligam-se entre si sem acompanhar qualquer ordem natural (Figs. LXIX a LXXIV). A estes juntam-se outros, quase sempre de origem simbólica, cujo significado nem sempre é decifrável; escudetes, laços, fitas ondulantes, mãos, globo e cruz, coroa, jarras e cântaros com flores, corações sós ou trespassados por seta, por vezes também isoladas, aves, cálices, chaves, machados, foices, cestas e cruzes, inseridos no universo ilimitado da imaginação (Figs. LXXV a XCVII).

Os elementos figurativos ocupam sempre o campo nobre do molde, podendo prolongar-se pelas hastes. A rigorosa simetria decorativa que caracteriza estes objectos implica sempre o reflexo em espelho destes motivos, realidade que eleva estas peças a uma das mais ornamentadas da colecção.

Fig. 50

Fig. 51

Fig. 52

Fis. 53 Contrariamente ao que acontecia nas argolas, os motivos geométricos são raros nas arrecadas. A esfera é praticamente o único elemento desta natureza a aparecer em

todos os cunhos. A sua presença é, contudo, fundamental, pois ela marca como que o limite superior e inferior da arrecada: todas as bolotas terminam numa meia esfera (no caso dos cachos de uvas, eles próprios um agregado de pontos, tal subterfúgio decorativo não é necessário) e as duas hastes são encimadas por esfera mais ou menos relevada. Motivos em S e perlados, fecham este círculo.

A solução adoptada para os remates superiores é quase sempre a mesma; um raminho ligeiramente enrolado, saindo às vezes de uma cesta, ocupa toda a haste, sobreposto pela esfera e ligado inferiormente aos elementos decorativos mencionados. Rores, folhas, palmetas (Fig. LXIX), mãos (Rgs. LXXXI a e b E LXXXII a e b) e setas invadem (Fig. XCIII), em situações diversas, a mesma área, continuando os esquemas decorativos desenvolvidos na parte central.

Os Museus abrangidos pelos Inventários Nacionais não são muito ricos neste tipo de brincos. O MAPL possui apenas um exemplar, de "bolota", com pássaros e motivos florais, em metal dourado, idêntico a um molde da colecção. O seu autor é, infelizmente, desconhecido e as peças não têm qualquer marca registada. O mesmo acontece com os dois pares de arrecadas pertencentes ao Museu Nacional do Traje: o de "cacho de uvas", de metal prateado, deu entrada no Museu em 1988134 e não apresenta qualquer marca de

fabrico ou registo. O de "bolota", de ouro, possui duas marcas ilegíveis na argola de suspensão, pelo que não é possível conhecer o local de produção135. O par de brincos

em ouro, do Museu dos Biscainhos, permite, no entanto, alargar o leque de oficinas que trabalharam em peças ocas estampadas. Cada uma das arrecadas possui a marca do ourives Zacarias da Costa Pinho, da cidade do Porto, registada em 1865 por Vicente Manuel de Moura. Pertencem ao grupo das de "bolota" e são ornamentadas com vários elementosvegetalistas136. De "bolota", são também as duas "Minhotas" reproduzidas no

livro Ouro Popular Português 137, que repetem os motivos decorativos encontrados nos

cunhos em estudo; gavinhas, cornucopias, flores e folhas diversas, com o característico remate em voluta e esfera sobreposta, de onde parte o aro de suspensão (Fig. XCVII). Mesmo produzidas em oficinas diferentes, estas peças guardam um fundo decorativo comum, eternas fontes de inspiração mútua, mesmo quando se observe ligeiras mudanças na distribuição dos motivos.

1 3 4 Oferecido por Maria Isabel Lourenço em 17 de Julho de 1988. Encontra-se nas "Reservas", sala 67, Armário 136.

1 3 5 Localizada no fundo de Reserva/cofre, este par de arrecadas foi oferecido ao dito museu pela Condessa de Farrobo, em Junho de 1978.

136 inventário de ourivesaria do Museu dos Biscainhos (Braga), Instituto Português de Museus.

1 3 7 As duas "minhotas" referidas, respeitam às da fotografia inferior, da direita, na página 85, que estão incluídas na mesma fotografia, mas obedecem a padrões decorativos distintos. As da esquerda, fazem parte da mesma tipologia de peças mas não existe nenhum cunho igual na colecção. COSTA, Amadeu; FREITAS, Manuel Rodrigues; Ouro Popular Português (...), p. 85.