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Depois de esmaltadas, as peças são branqueadas e ficam prontas para as últimas operações - corar e brunir. Para corar, processo relativamente moroso, prepara-se num recipiente, uma mistura de água, salitre, sal marinho e amoníaco. Esta composição é colocada no lume até ferver, altura em que se colocam as peças e se acrescenta ácido clorídrico. Deixa-se ferver o tempo necessário e retiram-se as peças quando estas se encontrarem clareadas, com um amarelo envelhecido, nome que se dá ao tom ou cor do ouro saído do banho de corar. Os objectos são depois lavados em água e deixados a secar. Rocha Peixoto deixou-nos a receita do banho de corar, usado no início do século em Travassos e Gondomar: 2 partes de salitre, 1 de sal e outra de pedra hume. Tudo

misturado e addicionado ddlguma agoa voe a ferver, depois que esfria e secca. E então que, de novo vertendo mais agoa e introdusindo as peças, se conduz outra vez o recipiente ao fogo, deixando que a pasta entre em ebullição. A cor fica mais ou menos carregada, conforme o tempo que as peças se demorem na massa e aofogo^0. Observa- se, pela descrição, uma ligeira evolução na composição do banho, do início do século para os nossos dias.

Resta apenas devolver às peças o brilho característico do ouro. Esta operação recebe o nome de brunir, acção que consiste em escovar e lava: com água e detergente as peças, com uma escova de latão - o brunido?: Também este processo sofreu algumas transformações, como deixa transparecer a descrição feita por Rocha Peixoto e que os ourives gondomarenses mais velhos, por sinal, ainda recordam: depois de receberem a

ÍH ALMEIDA, Manuel Marques de - Ob. cit., p. 179.

'1 4 9 ROCHA PEIXOTO, A. - Ob. cit., p. 565. 1 5 0 ROCHA PEIXOTO, A. - Ob. cit., p. 550.

côr, são ainda areadas ou polidas com areia fina, agoa e uma escova, afim de adquirirem o brilho conhecido. E voltam mais uma vez. rapidamente, á massa ou á côr, no propósito de expungil-as dum ou outro defeito, procedendo d'est'ultima diligencia, e fixarem o tom, definitivamente. Isto feito, são os objectos brunidos, ultima e simplíssima operação que se limita aoattritohabile, de resto, summario, d'uma haste de aço cylindrica - o brunidor151.

Algumas jóias recebem ainda uma camada de pomada, chamada "patine", que tem como objectivo criar contrastes entre os fundos mais escuros e as superfícies mais claras e brilhantes e lhe dá o efeito de peça envelhecida.

Uma linguagem nasce, vive e morre, como todos os factos da civilização, fruto de um pai e de uma mãe, fruto de um tempo e de um meio. Ela desenvolve-se nos fundos tradicionais onde se alimenta, quer tomando os signos sem os modificar, quer metamorfoseando o significante e o significado. A procura sobre afiliação das imagens esclarece as origens, as formações, os crescimentos e os desaparecimentos.

François Gamier, Le langage de V image au moyen

âge - signification et symbolique

2 - AS PEÇAS: FUNÇÕES E FORMAS.

A realização de qualquer objecto contem, à partida, uma exacta consciência e uma

intencionalidadeprecisa^, de acordo com a função a que se destina. O risco de uma jóia,

a sua forma e decoração, partem desta consciência e são pensadas tendo em conta a adaptabilidade ao local do corpo que as recebe: orelhas, peito, pulso, dedos consideração fundamental para a compreensão integral dos objectos do nosso estudo.

Perante uma colecção de cunhos tão vasta, a variedade formal e decorativa dos objectos constituiu, pela sua evidência, o primeiro ponto de observação e reflexão. A evolução do estudo recaiu, de seguida, na procura da relação entre forma e função, tarefa que resultou na divisão do capítulo em três grandes tipos: adornos de orelha, pendentes e "outros". Por se tratar de um estudo de moldes em bruto e não peças acabadas, a colecção forma uma sequência aberta, expressão de Kubler2, dado que os mesmos cunhos

continuam a ser alvo de múltiplas interpretações e aplicações, directamente relacionados com as exigências da moda, breves durações que não resistem às evoluções longas 3. É

nestas reinterpretações que se encontra a grande originalidade da colecção que prova como modelos imutáveis e fixos a um cunho, podem assim adaptar-se a novas situações, independentemente do facto do desenho primordial ter sido criado tendo em conta uma finalidade específica.

Ao mesmo tempo e para evitar que o trabalho enveredasse por análises meramente descritivas e, consequentemente estéreis, dos objectos, procurámos enquadrá-los nos usos e costumes que os receberam, da sua participação enquanto corpo material resistente à passagem do tempo e à mudança de gostos e modas.

Um outro aspecto importante que procurámos ter em conta, foi o da relação dos modelos patentes nos cunhos com jóias, técnica, formal e decorativamente idênticas, existentes em colecções públicas e particulares, passo fundamental para avaliar da representatividade desta colecção no conjunto das peças estampadas sobre matriz.

A separação dos cunhos nas três grandes categorias referidas nem sempre foi fácil pois, perante situações concretas, era difícil determinar com precisão, a função e destino de um cunho, mesmo por estes poderem variar de acordo com a vontade e o gosto do ourives ou do cliente. Aconteceu, por exemplo, que peças inicialmente por nós integradas no grupo dos "alfinetes" ou "botões", ao longo do estudo foram sendo reclassificadas como brincos ou partes dos mesmos. E neste processo, os desenhos e as fotografias,

DE SETA, Cesare - Objecto, in "Enciclopédia Einaudi", 3, s/l, Imprensa Nacional - Casa da Moeda 1984, p. 91.

2 KUBLER, Georges - A Forma do Tempo, Lisboa, Vega, , 1990, p. 55. 3 Idem, ibidem, p. 59.

bem como a consulta dos Inventários de Ourivesaria e a visita a alguns Museus, foram o espelho de vontades e modas desenvolvidos ao longo de algumas décadas; se os primeiros, na sua maioria publicados em "Álbuns de Costumes", tão ao gosto Oitocentista ou em publicações isoladas de revistas, nem sempre se demonstraram muito descritivos em termos de peças de adorno, por não ser esse o objectivo do artista que os executou, as fotografias levaram-nos mais longe e constituíram uma fonte mais concreta nesse sentido. Bilhetes postais ilustrados, fotografias publicadas em revistas várias, Catálogos de Exposições e diversos trabalhos dedicados ao estudo da Ourivesaria, antigos ou recentes, permitiram assim, a definição de tipologias e a divisão do capítulo nos três subcapítulos principais. Se na maior parte dos casos, o desenho e a fotografia só permitiram destacar a técnica e a forma do objecto, os inventários e as peças observadas nos museus, tomaram possível avaliar dos motivos decorativos nelas presentes.

Definidas as tipologias, Ievantou-se o problema da terminologia. A diversidade de nomes encontrados para as peças é tão grande que quase cabem no âmbito de um dicionário. A dificuldade recai, logo à partida, na mera designação geral do termo a aplicar aos ornamentos das orelhas; hoje damos um sentido à palavra brinco que não era o mesmo usado há trezentos anos atrás. O conhecimento da evolução que sofreram alguns vocábulos directamente relacionados com a ourivesaria, manifesta-se importante para a compreensão de alguns conceitos hoje vulgarizados e esclarecer algumas confusões detectadas, por vezes, em trabalhos relacionados com este tema.

O primeiro subcapítulo respeita aos adornos de orelha, título escolhido pela objectividade da expressão, por serem os objectos mais abundantes na colecção e pela importância que estas peças assumem num contexto etnográfico. O segundo é dedicado aos pendentes, facilmente identificáveis pela sua forma e muito importantes pela simbólica que contêm. O terceiro subcapítulo foi intitulado genericamente por "Outros", abarcando as peças cuja função é conhecida mas que o seu número não justifica um tratamento particular e todas as outras em que tenham ficado dúvidas quanto à sua aplicação.