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ARTE CONTEMPORÂNEA E SEUS DESDOBRAMENTOS

A arte contemporânea traz no seu bojo a superação da divisão entre as linguagens artísticas tradicionais (artes visuais, música, dança, teatro), ao criar formas que, muitas vezes, tornam-se indistinguíveis da vida cotidiana, visto que o importante não é o material ou a técnica utilizada, mas o arranjo poético realizado pelo artista. Entretanto, há algumas formas comuns entre os artistas contemporâneos que consistem no uso de performances, fotografias, videoarte, instalações, land art, intervenção urbana, entre outras. Archer (2012) afirma que, atualmente, há a popularização desse tipo arte, voltada à externalização dos problemas sociais, principalmente as opressões, o racismo e os problemas advindos das discriminações de gênero/sexualidade.

A arte contemporânea, ao se aglutinar à vida, acaba causando muito incômodo e dando visibilidade aos problemas sociais, como ocorreu na performance La Bête. (BATISTA, 2019)

Em 2017, o artista Wagner Schwartz realizou a performance La Bête no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) e foi acusado de pedofilia, pois,

46 durante a performance, ele ficava nu, e as pessoas eram convidadas a intervir sobre seu corpo, modificando suas posições corporais, e uma criança tocou no seu pé, com o consenso de sua mãe. Essa performance causou muitas discussões nas redes sociais, uns defendiam a liberdade artística, outros questionavam a presença da nudez nos museus, e, ainda, havia pessoas que questionavam a idoneidade do artista, que permitiu que a criança tocasse seu corpo. Ao contrário de muitas outras produções artísticas, a de Wagner Schwartz não tinha intensão de debater tais temas, pois sua proposta era apresentar o corpo como um objeto que pode ser modificado pela participação do público. Schwartz se inspirou na série Bichos (1965), da artista Lygia Clark (1920–1988), que consistia em uma série de formas geométricas unidas por dobradiças, e o público poderia alterar sua disposição por meio da participação. (BATISTA, 2019)

Entretanto, há produções artísticas que têm a intensão de debater diretamente sobre as questões sociais. As fotografias de Rosana Paulino, por exemplo, fazem uma crítica à posição da mulher na sociedade, ao racismo, à escravidão. São fotografias impressas sobre um tecido disposto em um bastidor e com bordados sobre a boca, os olhos ou a garganta. O bastidor é uma referência à própria história da arte, em que se usava esse formato de telas para pintar figuras de santas. O bordado, atividade legada às mulheres, lhes imputa às atividades domésticas e lhes tolhe a liberdade de falar, ver, gritar, etc. (Figura 5). (BATISTA, 2019)

47 Eduardo Srur também busca debater questões sociais por meio de suas intervenções urbanas. Ele tem por objetivo a “[...] crítica social, como os caiaques espalhados pelo rio Pinheiro para alertar sobre o descarte de lixo indevido e as gigantes garrafas pet colocadas às margens do rio Tietê [...]” (SANT’ANNA, 2009, p. 33). Esse tipo de obra possibilita aos moradores da cidade dar novos significados ao espaço onde vivem e sair da anestesia diária a que a rotina pode conduzi-los (Figura 6).

48 A artista iraniana Shirin Neshat, radicada nos Estado Unidos, faz críticas ao androcentrismo na sociedade iraniana por meio de fotografias e videoartes. Na videoinstalação Arrebatamento (1999), a artista dispõe duas projeções onde “[...] os homens e mulheres iranianos aparecem em telas separadas; a obra enfatiza a desigualdade entre os sexos no Irã [...]” (FARTHING, 2011, p. 529). Para assistir aos vídeos, o visitante deve se virar o tempo todo, pois os dois vídeos são exibidos ao mesmo tempo.

Obras que debatem sobre questões sociais, como as de Rosana Paulino, Eduardo Srur e Shirin Neshat, são constantes no cenário artístico atual, que acaba “[...] misturando cada vez mais questões artísticas, estéticas e conceituais aos meandros do cotidiano, em todas as instâncias: o corpo, a política, a ecologia, a ética, as imagens geradas na mídia etc.” (CANTON, 2009b, p. 9).

As instalações são tipos de arte que buscam dispor objetos sobre um espaço de modo simbólico e “[...] transformam o espaço de exposição num ambiente imersivo”. O artista Hélio Oiticica (1937–1980) construía espaços em labirinto para o participante entrar e experimentar o espaço por meio do tato, do olfato, da visão e do gosto. Já o casal de artistas Christo (1935) e Jeanne-Claude

49 (1935–2009) costumavam embrulhar objetos, como, por exemplo, na obra Reichstag embrulhado, em Berlim, eles revestiram o parlamento alemão com uma capa de plástico revestido de alumínio e cordas.

Também há uma série de artistas contemporâneos que realizam transformações em ambientes naturais que precisam ser fotografadas para registro. O artista Robert Smithson (1938–1976) foi um expoente desse tipo de arte, conhecido como Land Arte. Na obra Quebra mar em espiral, ele construiu uma “[...] calçada em espiral feita com pedras de basalto negro e terra, que avança para dentro do Grande Lago de Utah, que se tornara vermelho pela ação de algas, bactérias e crustáceos [...]” (FARTHING, 2011, p. 532). Com o passar do tempo, o espiral ficou submerso pelo lago e recebeu sedimentação de sal, tornando-se esbranquiçado.

A arte contemporânea promove encontros do ser humano com as questões de seu tempo e funciona como um ponto de questionamento da relação entre as pessoas e o mundo. Contudo, também apresenta uma abertura muito grande quando se trata de processos artísticos, chegando a ser possível afirmar que tudo o que existe no mundo pode resultar em arte. Para Bourriaud (2009b), o artista de hoje busca trabalhar com uma infinidade de objetos em circulação no mercado, e não trata mais de criar algo a partir da matéria bruta. Assim, o artista pode ser comparado ao DJ, ao programador ou ao internauta, “[...] cujas tarefas consiste em selecionar objetos culturais e inseri-los em contextos definidos [...]” (BOURRIAUD, 2009b, p. 9). Por fim, a produção artística não precisa resultar em um produto, podendo, inclusive, ser inacabada ou servir para gerar a participação do público.