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2. REVISÃO DE LITERATURA

2.3 Arte e Saúde Mental

2.3.4 Arteterapia e a abordagem “Arte como prescrição”

A função terapêutica da arte reside na possibilidade de concretização dos pensamentos, sentimentos, desejos e também de fatos da vida da pessoa por meio de recursos expressivos, os quais mobilizam diversos aspectos do ser humano: a cognição, o sistema sensório-motor, a emoção, a intuição e a espiritualidade.

Tanto na arte como nos processos terapêuticos se manifesta a capacidade humana de perceber, figurar, dimensionar e redimensionar as relações do sujeito com o mundo e do sujeito consigo mesmo. A arte facilita estes processos, pois lidamos literalmente com figuras, configurações, espaços e movimento. O espaço de criação artística possibilita ao sujeito uma ampla experiência de autonomia, de liberdade e de responsabilidade por suas próprias atitudes porque provê uma realidade alternativa na qual este sujeito é livre para experimentar o novo, eximido das consequências que o cotidiano lhe impõe (Santana, 2004).

A Arteterapia é uma abordagem terapêutica e expressiva, cujos principais pontos do trabalho são: a produção de imagens (artes plásticas ou corporais), a criação propriamente dita, a relação do indivíduo com sua produção, visto que para cada ser humano cada obra ou

imagem tem um significado único e exclusivo (Valladares, 2004). No processo de Arteterapia o paciente realiza todos estes aspectos terapêuticos da arte na presença de um terapeuta que escuta, vê e o ajuda a esmiuçar, elaborar e redimensionar os conteúdos psicológicos associados à patologia ou sofrimento psíquico (Santana, 2004).

A Arteterapia abrange diversas formas artísticas. Esses recursos expressivos auxiliam o indivíduo a comunicar suas emoções, experiências e anseios, os quais, muitas vezes, seriam de difícil expressão verbal. Esta modalidade de terapia pode auxiliar, particularmente, pessoas que estejam atravessando momentos de conflitos emocionais, existenciais ou espirituais. Assim, essa comunicação alternativa por meio da arte é uma forma de lidar com as situações, ativar os recursos pessoais e descobrir a própria capacidade de enfrentamento dos problemas. Além disso, a manifestação artística pode propiciar o relaxamento (Boehm et al., 2014).

Ao desenvolver uma produção artística o indivíduo pode entrar em contato com seus conteúdos internos; é dito aqui “pode” porque muitas pessoas encontram-se fechadas para suas próprias percepções e nem sempre conseguem de imediato essa conexão; entretanto, com o decorrer do trabalho terapêutico é possível encontrar essa ligação.

A Arteterapia não possui um arcabouço teórico próprio. Diversas teorias psicológicas e sociais podem embasar o processo e os atendimentos arteterapêuticos, tais como: psicanálise, psicoterapia analítica, Gestalt, entre outras.

O presente estudo utilizou a abordagem da “Arte como prescrição”. Um dos princípios da abordagem “Arte como prescrição” enfoca no reconhecimento de que há uma parcela da população que vive em áreas desfavorecidas economicamente, ou seja, com menor nível educacional, menor renda per capita, piores condições de moradia e atendimento médico, causando impacto maior em sua saúde e bem-estar.

No Reino Unido existem numerosos projetos que trabalham com a “Arte como prescrição” para pessoas com transtornos mentais e para pessoas em situação de isolamento social. Essa abordagem parte do princípio de que a saúde está relacionada a fatores sociais, econômicos, políticos e culturais. A “Arte como prescrição” não tem como objetivo substituir terapias medicamentosas e psicoterapias, mas sim oferecer um complemento para auxiliar na recuperação, engajamento social e redução da exclusão. Na “Arte como prescrição” há um processo de encaminhamento através da Assistência Social ou dos Serviços de Saúde. É uma forma de expandir o atendimento dos cuidados primários em saúde para que as pessoas encontrem uma fonte de apoio. São oferecidas opções que disponibilizam novas oportunidades de vida, as quais tragam ou adicionem significado à vida, entre elas: práticas

criativas, novos relacionamentos e auxílio para que as pessoas assumam responsabilidade por suas vidas (Brandling, House, 2009).

O primeiro programa de “Arte como prescrição” surgiu em 1994 e oferecia uma ampla gama de atividades criativas para pessoas com depressão leve a moderada, com o objetivo de melhorar seu nível de bem-estar mental. No Reino Unido esses serviços não são necessariamente conduzidos por arteterapeutas, que trabalham com indivíduos ou pequenos grupos em quadros agudos; esses programas podem ser facilitados por artistas ou músicos e envolver grupos maiores que vivem na comunidade. As atividades podem incluir, além da criatividade e artes, atividades físicas, grupos de auxílio mútuo, aconselhamento para obter benefícios públicos e suporte jurídico (Bungay, Clift, 2010; Friedli et al., 2007).

Esses programas são disponibilizados na comunidade (associações de bairro, clubes, bibliotecas) e no terceiro setor. As atividades abrangem artes, aulas de dança, horticultura, grupos de leitura. Contudo, até mesmo no Reino Unido existe alguma dificuldade para o encaminhamento; a multiplicidade de opções é um desafio: “a ideia é simples, mas a realidade é complexa” (Brandling, House, 2009). Existem muitas questões na atenção primária para inserir esse modelo, tais como: todos os profissionais da assistência e da saúde conhecem o que existe de programas sociais na comunidade? Como pode ser feita a indicação? Qual é a evidência de que a “Arte como prescrição” é eficaz? Quais pacientes podem obter benefícios? Pode ser um caminho para evitar a medicalização excessiva da comunidade? (Brandling, House, 2009).

Foi realizado um estudo exploratório para verificar quais sujeitos eram encaminhados para a Prescrição Social e constatou-se que quase todos eram pessoas com histórico de transtornos mentais e a maioria era atendida com frequência em Unidades Básicas de Saúde; além disso, outra característica comum era a presença de duas ou mais condições sociais adversas, entre estas: pobreza, solidão, relacionamentos disfuncionais, fadiga crônica, fibromialgia, sexo feminino e histórico de três ou mais atendimentos de cuidados secundários, além do ponto em comum de não ter fácil acesso às tecnologias médicas atuais (Brandling, House, 2009).

Levando em conta que em muitos países e regiões não há acesso às intervenções tradicionais, a arte, em toda e qualquer modalidade, pode ser terapêutica.

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