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ARTICULAÇÃO ENTRE OS SISTEMAS DE PLANEAMENTO DE RECURSOS HÍDRICOS E DO TERRITÓRIO

NOS SISTEMAS DE PLANEAMENTO DOS RECURSOS HÍDRICOS E DO TERRITÓRIO

4.4 ARTICULAÇÃO ENTRE OS SISTEMAS DE PLANEAMENTO DE RECURSOS HÍDRICOS E DO TERRITÓRIO

Os instrumentos de planeamento e gestão territorial e da água constituem-se como elementos essenciais para, a governação da água, capazes de conciliar interesses, por vezes divergentes, assegurar a implementação, a nível regional, das directivas comunitárias e facilitar a incorporação de objectivos dos recursos hídricos nos sistemas de governação e planeamento locais. A articulação entre os instrumentos de planeamento territorial e os de planeamento de recursos hídricos tem vindo a ser prevista na lei e tem merecido alguma atenção (Saraiva et al., 2008; Fidélis e Roebeling, 2014).

O reconhecimento de que os recursos hídricos constituem parte integrante do território além de estar previsto na Lei da Água, encontra-se refletido na LBPSOTU. O conceito de articulação e integração é desenvolvido, sob vários âmbitos, por esses dois diplomas como é mostrado pela tabela 4.4.

A lógica centralizadora refletida na formalização dos sistemas de planeamento, favorece do ponto de vista conceptual, a articulação entre eles. Apesar desta formalização, a prática tem revelado algumas fragilidades na concretização dessa articulação. Desta forma, é imprescindível articular a formulação dos planos de recursos hídricos com os planos de ordenamento do território e estes devem incorporar a protecção da água, a fim de minimizar possíveis incompatibilidades e inconsistências entre os diversos instrumentos de planeamento. O actual enquadramento jurídico, determina que a relação entre o PNPOT e o PNA dado que são instrumentos de idêntica natureza deve reger-se pelo princípio da articulação. Isto significa que, devem traduzir um compromisso recíproco de integração e compatibilização das respectivas opções. Determina que os planos regionais resultantes devem ser consistentes com este objectivo. Determina também que as medidas preconizadas nos IGT, incluindo os planos especiais, os planos regionais e os planos diretores municipais, se devem articular com os instrumentos de planeamento dos recursos hídricos e com as medidas para a sua protecção. Em relação aos futuros planos regionais, estes devem integrar as opções, medidas e acções definidas do PNA o que reflecte alguma hierarquia entre estes dois tipos de IGT.

Tabela 4.4 - Interligação entre os sistemas de planeamento territorial e de recursos hídricos.

Lei de Bases da Política de Ordenamento

(Lei nº 31/2014, de 30.05)

Lei da Água

(Lei nº 58/2005 de 29.12)

Objectivos do planeamento

aumentar a resiliência do território aos efeitos de fenómenos climáticos extremos; evitar a contaminação do solo; salvaguardar e valorizar a identidade e potencialidades do território nacional; assegurar o aproveitamento racional e eficiente do solo e valorizar a biodiversidade; garantir o desenvolvimento sustentável, salvaguardar e valorizar a orla costeira, as margens dos rios e as albufeiras (art. 2º)

harmonizar e integrar a utilização sustentável dos recursos hídricos para a sua protecção e

valorização; planear e regular as utilizações dos recursos hídricos e das zonas que com eles confinam de modo a proteger a quantidade e a qualidade das águas, os ecossistemas aquáticos e os recursos sedimentológicos (art. 14º)

Princípios do planeamento

- os princípios gerais incluem, sustentabilidade e solidariedade intergeracional, economia, coordenação, subsidiariedade, equidade, participação, responsabilidade, concertação, contratualização e garantias jurídica (art. 3º) - os princípios ambientais incluem: do desenvolvimento sustentável; da prevenção e da precaução; da transversalidade e da integração de políticas ambientais nas políticas de ordenamento do território; da

responsabilização ambiental (art. 3º)

- os princípios gerais incluem, integração, ponderação global, adaptação funcional, durabilidade, participação, informação e cooperação internacional (art. 25º)

Articulação - os planos territoriais e os planos sectoriais devem articular-se entre si, garantindo um compromisso recíproco de harmonização das respectivas opções (art. 40º), as quais devem ser consistentes com as definidas nos principais instrumentos, PNA e PNOT

- os programas territoriais devem estabelecer a compatibilização das políticas públicas sectoriais do Estado (art. 40º)

- os planos sectoriais devem articular-se com os planos territoriais de nível regional e estes devem incorporar as regras definidas pelas políticas nacionais e pelos planos sectoriais - os planos municipais deverão integrar as orientações definidas nos programas territoriais de âmbito nacional, regional

- o PNPOT e o PNA devem articular-se entre si, garantindo um compromisso recíproco de integração e compatibilização das respectivas opções.

- os planos e programas sectoriais com impactes significativos sobre as águas devem integrar os objectivos e as medidas previstas nos instrumentos de planeamento das águas (art. 17º)

- durante a preparação, revisão e avaliação dos instrumentos de planeamento, deve ser

assegurada a intervenção de vários departamentos ministeriais que supervisionam as actividades envolvidas no uso dos recursos hídricos e dos organismos públicos a que esteja afecta a administração das áreas envolvidas (art. 26º) Zonas de

protecção

- os planos de recursos hídricos devem conter as condições específicas para a sua protecção, as quais devem ser observadas nos instrumentos de ordenamento do território. As zonas de protecção devem incluir as áreas integradas na Reserva Ecológica Nacional (art.3º)

- o condicionamento da utilização deve ser tipificado nos planos de recursos hídricos e nos planos especiais de ordenamento do território, que podem conter programas de intervenção nas áreas de protecção

Informação e participação

- particulares e organizações gozam do direito de acesso à informação durante a elaboração, execução, avaliação e revisão dos planos, (art. 49º)

- os planos são sujeitos a discussão pública antes da sua aprovação

- a elaboração dos planos de recursos hídricos e dos PEOT deve garantir a informação e participação dos stakeholders (art. 19º) - durante a preparação dos planos deve ser garantida a participação dos interessados através do processo de discussão pública e da

representação dos utilizadores nos órgãos consultivos da gestão das águas

- deve ser assegurada a publicação dos planos no sítio electrónico da autoridade nacional da água e todos os documentos de relevantes para o processo de discussão (art. 26º)

- os planos são sujeitos a discussão pública antes da sua aprovação

Unidades de planeamento

- território nacional, regiões administrativas, municípios, cidades, áreas específicas

- território nacional, regiões hidrográficas (integrando uma ou mais bacias hidrográficas adjacentes), áreas específicas

Autoridades planeamento

- as autoridades variam em função do nível de planeamento .Os PDM são da responsabilidade dos municípios

- a preparação dos planos de recursos hídricos é da responsabilidade da Agência Portuguesa do Ambiente

Em relação à articulação futura dos planos sectoriais com o PNA, decorrente da LBPSOTU, duas situações podem acontecer: se os planos já existem e o PNA não contraria as suas disposições, mantêm-se ambos, se o PNA contraria as suas disposições, deve indicar expressamente as normas do plano preexistente que revoga. A relação é regida pelo princípio da hierarquia, no que se refere à matéria dos recursos hídricos. A aprovação dos futuros programas especiais, deve ter em conta os princípios orientadores constantes no PNA. Quanto aos planos municipais de ordenamento do território de acordo com o princípio da hierarquia, estes instrumentos de planeamento devem integrar e respeitar as medidas e acções relativas aos recursos hídricos propostas e previstas no PNA. De nível hierárquico imediatamente inferior ao PNA, os PGBH constituem um instrumento de planeamento transversal em que se inter-relacionam o planeamento sectorial das actividades sócio-económicas, o planeamento regional, e o ordenamento do território da região hidrográfica. Os planos regionais e municipais de ordenamento do território devem integrar e respeitar as medidas e acções relativas aos recursos hídricos propostas e previstas nos dois primeiros. Os PGBH e os instrumentos de ordenamento do território subordinados ao PNPOT devem compatibilizar-se entre si.

A integração e articulação, entre os dois sistemas de planeamento é igualmente desenvolvida nos níveis hierárquicos inferiores de planeamento, quer pela Lei da Água, como pela LBPSOTU. Nos termos da anterior Lei de Bases (LBPOTU), a relação de complementaridade prevista entre os dois sistemas de planeamento era formalizada através dos Planos Especiais de Ordenamento do Território que promovem a compatibilização e definição das opções sectoriais, como seja o caso da água, com impacte territorial, através da definição de normas de uso do solo e de uso da água. As alterações trazidas pelo novo enquadramento jurídico do sistema de planeamento territorial com evidentes implicações sobre o desenho do sistema de planeamento dos recursos hídricos e a respectiva formulação jurídica, podem ser observadas na figura 4.3.

A redefinição do sistema de planeamento e ordenamento do território (LBPSOTU), nomeadamente ao nível dos programas especiais, poderá ter comprometido a aplicação do princípio da articulação, a coerência entre os objectivos e normas dos dois sistemas, e fragilizado a concretização, integrada e coordenada, dos conteúdos de planificação dos recursos hídricos nas ações de ordenamento do território. Neste sentido, a salvaguarda de recursos e valores naturais relativas a parcelas territoriais que constituem um “interesse público com expressão territorial”,

poderá perder eficácia normativa e jurídica e para essas realidades deixa de haver planos com o escopo de prossecução da política de ordenamento do território.

(a)

(b)

Figura 4.3 - Configuração da articulação entre os instrumentos de gestão territorial e de recursos hídricos (a) na versão anterior e (b) na versão atual do RJIGT.

Apesar da Lei da Água prever a articulação com o sistema de ordenamento do território, fora das áreas abrangidas pelos planos especiais de ordenamento como os das albufeiras das águas públicas, orla costeira ou estuários, é pouco expressiva na convocação do planeamento territorial enquanto parceiro para a promoção do bom estado das águas. Por outro lado, a LBPSOTU também não parece atribuir a importância devida aos recursos hídricos, enquanto elementos estruturais e ambientais do território. No contexto português é possível identificar vários aspectos que contribuem para obstaculizar a articulação entre os dois sistemas de planeamento, tais como,

Ordenamento do território Recursos hídricos

Planeamento Programa Nacional de Política de OT Planos Regionais de OT Planos Intermunicipais de OT

Ordenamento Ordenamento Planeamento

Planos setoriais

Planos de Ordenamento de Área Protegida

Plano de Ordenamento da Orla Costeira

Plano de Ordenamento de Albufeiras de Águas Públicas Plano de Ordenamento de Estuários

Planos Municipais de OT

Plano Nacional da Água

Plano de Gestão de Região Hidrográfica Planos Específicos de Gestão da Água

Dupla dimensão de ordenamento e gestão dos recursos hídricos

Ordenamento do território Recursos hídricos

Planeamento Programa Nacional de Política de OT Programas Regionais de OT Programas Intermunicipais

Ordenamento Ordenamento (?) Planeamento

Programas setoriais

Programas de Área Protegida

Programas da Orla Costeira Programas de Albufeiras de Águas Públicas Programas de Estuários

Planos Intermunicipais de OT

Plano Nacional da Água

Plano de Gestão de Região Hidrográfica Planos Específicos de Gestão da Água Planos Municipais de OT

i. abordagens sectoriais com problemas de execução resultantes da deficiente articulação entre os vários domínios;

ii. proliferação de normativo especializado e truncado que dificulta a compatibilização e agilização de consensos e processos de planeamento e decisão;

iii. inexistência de harmonização nas regras de aplicação da legislação e regulamentação específica nas diversas áreas do domínio hídrico, nos diferentes instrumentos de planeamento e de gestão do território e, eventualmente, nas diferentes entidades a nível regional;

iv. modelo de governação centralizado no Estado, políticas públicas contraditórias e sobreposição de escala de competências;

v. dificuldades em integrar nos instrumentos de gestão do território de nível inferior as opções estabelecidas nos instrumentos de nível nacional e, desfasamento temporal entre a aprovação dos instrumentos de nível estratégico e os instrumentos de nível sectorial ou local;

vi. rigidez e falta de eficácia na integração dos processo e metodologias de planeamento Na prática, contudo, e apesar dos progressos alcançados, devem ainda ser explorados esforços para melhor aproveitar os benefícios que uma articulação mais robusta entre o planeamento territorial e o planeamento dos recursos hídricos pode oferecer. Algumas soluções passam por,

i. criar orientações ao nível governamental sobre melhores formas de articulação;

ii. melhorar as análises territoriais ‘água-território’ nomeadamente através da melhor representação de vulnerabilidades e de conflitos;

iii. melhorar a formulação de medidas e acções estabelecidas nos instrumentos de planeamento dos recursos hídricos, facilitando a leitura sob a perspectiva do território; iv. incentivar o envolvimento dos stakeholders em ambos os sistemas e a comunicação entre

equipas que elaboram os planos e melhorar a partilha de metodologias, dados e indicadores.

O reforço desta dimensão colaborativa permitiria também articular melhor as relações entre os múltiplos actores, com distribuições territoriais diversas, e os respectivos impactes sobre a qualidade e quantidade da água. Uma reflexão a este respeito e para o contexto Português pode ser encontrada em Fidélis e Roebeling (2014) e Carvalho e Fidélis (2013).

Os planos anteriormente enquadrados pelos dois sistemas de planeamento, nomeadamente os planos de albufeiras, constituem uma oportunidade para robustecer a articulação desejada, melhorar as disfunções observadas, e assumem-se como ferramentas de suporte de governação territorial e da água, com uma forte componente de mediação e promoção da concertação dos vários interesses de desenvolvimento estratégico, sustentável e partilhado na área envolvente às albufeiras. Aguarda-se, que os redenominados Programas de Albufeiras de Águas Públicas, continuem a ser capazes de garantir a concertação de interesses mas também o estreito cumprimento de normas de uso do solo e de uso da água. A próxima secção é dedicada ao enquadramento sobre o normativo do regime de protecção das albufeiras de águas públicas e sobre o regulamento dos planos de albufeiras.

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