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FHC E A ARTICULAÇÃO ENTRE TRABALHO E EDUCAÇÃO: A QUALIFICAÇÃO COMO EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

Segundo Peixoto (2008), o Plano Nacional de Formação Profissional (PLANFOR) vigorou do ano de 1996 a 2002, durante o período do mandato presidencial de Fernando Henrique Cardoso de Melo (FHC). Assim, de acordo com a autora, configurou-se na capacidade de aprendizagem contínua do trabalhador em incorporar os princípios da polivalência e da multifuncionalidade, em conformidade com as atuais exigências do processo produtivo e tecnológico.

Sabe-se que esses princípios são consequências da década de 1980, cuja sociedade capitalista passou por profundas transformações, que se originou nos países

61 As análises realizadas, neste capítulo, sobre o Plano Nacional de Formação Profissional (PLANFOR)

foram desenvolvidas a partir do trabalho acadêmico dissertativo da autora Patrícia Peixoto, intitulado “Do Planfor ao PNQ: uma análise comparativa sobre os planos de qualificação no Brasil”, defendido no ano de 2008, no Programa de Pós-Graduação em Política Social da Universidade Federal do Espírito Santo. As reflexões partiram dessa dissertação, pela ausência de documentos institucionais que abordassem o Planfor, já que a autora analisa documentos governamentais que não foram encontrados por essa pesquisa documental.

de capitalismo avançado e espalhou-se para outros países. A crise enfrentada pelo capitalismo no final do século XX provocou danos à “classe-que-vive-do-seu-trabalho”, não somente na sua materialidade como também na subjetividade laborativa, alterando a forma de ser do trabalho (ANTUNES, 2011).

Conforme trabalhado no Capítulo 2, o modelo Toyota de produção engendrou uma crise aguda do direito ao trabalho nas formas de desregulamentação, flexibilização, terceirização, polivalência e multifuncionalidade que passou a substituir as conquistas trabalhistas (idem). De acordo com Alves (2007, p. 169), o significado ideológico prescrito por esse modelo de produção tornou a força de trabalho um capital fixo, a ser reproduzido, modernizado e alargado através do aumento do desemprego que impulsiona a redução salarial e as inúmeras qualificações para o exercício de diferentes funções.

Assim, se processa o pensamento político-ideológico do governo FHC ao criar planos para desenvolver tais potencialidades e capacidades nos indivíduos que estão fora do mercado de trabalho. Logo, Sousa e Pereira (2008) esclarecem que o Planfor visava responder no Brasil aos danos causados pela globalização da economia, reestruturação produtiva, a reforma do Estado neoliberal sobre o mercado de trabalho e os impasses históricos em torno da educação profissional, ressaltado no terceiro capítulo dessa dissertação.

Ainda assim, Sousa e Pereira (2008) inferem que o Plano é voltado para atender, por intermédio da qualificação e requalificação, os trabalhadores que por tais motivos não desenvolveram a capacidade e competência devido ao baixo nível de escolaridade. Dessa forma, acarretou no atendimento focalizado do Planfor à demanda do mercado de trabalho a partir de características individuais, econômicas e sociais da população alvo, pois, o perfil, na maioria das vezes, era incompatível com os requisitos de qualificação exigidos pelas empresas privadas, principalmente, o nível de escolaridade.

Por isso, entende-se que durante o governo de FHC, o ponto chave foi o investimento em políticas públicas de educação articuladas com as de trabalho, emprego e renda. É notório que os princípios que nortearam o Plano Nacional de Formação Profissional, entendem o fenômeno do desemprego como a falta de escolaridade da população em situação de pobreza, por isso percebeu-se a visibilidade das políticas psdbistas em articular educação e trabalho para o crescimento dos setores da economia brasileira – o que será visualizado nos planos desenvolvidos pelo sucessor Lula da Silva e

a posterior presidente Dilma Roussef quanto à associação de desemprego e pobreza com a falta de escolaridade e qualificação profissional, agora sob coordenação da assistência social.

Conforme pontuado no Capítulo 2, Frigotto (1999, p. 145) assinala:

a valorização da educação básica geral para formar trabalhadores com capacidade de abstração, polivalentes, flexíveis e criativos ficam subordinadas à lógica do mercado, do capital e, portanto, da diferenciação, segmentação e exclusão.

As propostas de políticas do FHC, em especial o Planfor, são reproduzidas para um viés mercadológico sob custódia da educação com o papel de tornar frações da classe trabalhadora, competitivas e qualificadas para o mercado de trabalho. Assim, diz Batista (2003, p. 155):

o saber e o conhecimento exigido dos trabalhadores são apontados como saber

escolar [ou seja, uma educação mercadológica, longe da perspectiva de formação cidadã para o mundo] que segundo o discurso governamental, empresarial e sindical são fundamentais para a competitividade e produtividade.

Percebe-se a partir da afirmação do autor que a educação é tomada como via de acesso ao emprego e a melhoria da condição de vida, como também a culpabilização da população pela baixa escolarização.

Retomando as análises de Peixoto (2008) a respeito do Planfor, ressalta-se que na perspectiva dos formuladores do Plano, os princípios da polivalência e multifuncionalidade são orientados para a organização do processo produtivo e trabalho de todos os setores da economia – isso justifica a concepção de educação profissional adotada do governo FHC62. Ainda assim, a autora afirma que a criação do plano de formação profissional foi uma ação prioritária, pois, constituiu-se num instrumento ideológico para o convencimento do trabalhador de que a falta de emprego está atrelada à deficiência de escolaridade e de qualificação.

Desta forma, o plano de formação profissional previa, como traços estratégicos de ação, a qualificação/requalificação de 61 (sessenta e um) trabalhadores jovens e adultos

62 Percebeu-se, durante a pesquisa documental, que FHC utilizou a categoria de educação profissional

como qualificação para o trabalho, pois, deduziu-se que essa terminologia foi empregada tendo em vista a forte articulação entre educação e trabalho, presente durante seu mandato presidencial como via de acesso ao emprego e o enfrentamento à pobreza.

a partir de uma formação continuada, como uma forma de superar a visão predominante de ‘treinamento’ (ALMEIDA, 2003 apud PEIXOTO, 2008, grifo da autora).

De acordo com Peixoto (2008), as ações do Planfor eram voltadas, principalmente, para os trabalhadores em situação de vulnerabilidade no mercado de trabalho. Logo, baseou-se em estudos e recomendações de organismos internacionais como: Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), CEPAL e Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), difundindo a ideia de que a educação possui um papel decisivo para o crescimento econômico e para a redução da pobreza63.

O trecho acima mostra que a educação profissional assume o papel de agente promotor do crescimento econômico e da redução da pobreza na medida em que o Estado, por meio das ações políticas, focaliza estruturalmente a inserção profissional como via de acesso ao desenvolvimento do país. Assim, não problematizando as possibilidades qualitativas de acesso da população às políticas de educação, tendo em vista seu caráter seletivo, isto é, a educação não é para todos.

Isto pode ser afirmado por Peixoto (2008) ao mostrar que houve a escassez de recursos para a execução do Planfor. Netto (1999, p. 86) afirma a esse respeito que:

os recursos que o governo FHC cortou dos fundos públicos para as políticas sociais [e aqui incluímos as políticas públicas voltadas para o trabalho e educação] e programas sociais não se volatilizaram no espaço nem se perderam num ‘ralo’ qualquer: eles foram remanejados e investidos em áreas de direto interesse do grande capital, financiando especialmente o serviço da dívida interna, que remunera um jogo especulativo sem precedentes na história brasileira.

Sendo este o motivo para a escolha dos beneficiários que teriam que estar na condição de População Economicamente Ativa (PEA), principalmente, aqueles com melhores chances de acesso às alternativas de formação profissional existentes. Então, no Planfor a qualificação profissional configurava-se num elemento básico para o desenvolvimento sustentado com equidade social (MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO, 2000, apud PEIXOTO, 2008).

63 Conforme Mota, Amaral e Peruzzo (2012, p. 166), são “recomendados e elogiados pelos organismos

internacionais como exemplo de medidas de enfrentamento da pobreza e desigualdade, tais programas, além de primar pela modernização dos instrumentos técnicos para refinar a seletividade e manter a focalização nas camadas mais pobres, são considerados como capazes de atuar no fomento ao capital humano, através da educação, saúde e nutrição e na ampliação de oportunidades de trabalho geradas pelo próprio esforço dos beneficiários”.

Peixoto (2008) ressalta ainda que no Planfor a educação e a qualificação profissional assumem um aspecto essencial para o ajustamento às rápidas e constantes transformações do trabalho e emprego.

Nesse sentido, tem-se um plano de formação profissional mais voltado para transformar o indivíduo pobre num ser executor de trabalho precarizado, longe das estimativas de trabalho decente e suas derivações – não mencionado pelos psdbistas – como salientado pelo Ministério de Trabalho e Emprego na construção do Plano Nacional de Qualificação (PNQ) da era Lula da Silva, a ser frisado no item posterior. Isto é, observou-se, explicitamente, a própria condição de formação profissional exploratória presente nas políticas de articulação entre educação e trabalho do governo FHC.

Assim, o Planfor pôde desenvolver-se a partir das estratégias do governo federal de descentralização das atividades e da conjunção de recursos públicos, privados e externos, bem como a participação de múltiplos sujeitos organizados numa rede de educação profissional articulada a 6 (seis) conjuntos de agências formadoras como: os sistemas de ensino técnico, federal, estadual e municipal; as universidade públicas e privadas; o chamado sistema “S” (SENAI/SESI, SENAC/SESC, SENAR/SEST, SEBRAE); os sindicatos de trabalhadores; as escolas e fundações de empresas; as organizações não-governamentais e a rede de ensino profissional livre (PEIXOTO, 2008).

Destarte, a autora salienta que o panorama apresentado pelos documentos da Secretaria de Política Pública de Emprego (SPPE) apontou para o fato de que a estratégia adotada de afastar, pelo menos em parte, os problemas gerados pelo mercado de trabalho, por meio da qualificação profissional, não se configurou em algo capaz de solucionar os problemas ocasionados. Assim, por inúmeras vezes a SPPE deixou explícita a importância de articular os programas de qualificação com outros mecanismos da Política Pública de Trabalho e Renda, bem como observou-se, também com a meritosa política de educação.

Portanto, identificou-se no Quadro 4, as categorias que nortearam o Planfor, de acordo com as análises de Peixoto (2008) sobre os documentos e informações institucionais.

Quadro 4 – CATEGORIAS REFERENTES À INCLUSÃO PRODUTIVA QUE NORTEIAM O PLANO NACIONAL DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL (PLANFOR)

Dissertação de Mestrado intitulada “Do Planfor ao PNQ: uma análise comparativa sobre os planos de qualificação no Brasil” Plano Nacional de Formação do Trabalhador (Planfor) Qualificar o trabalhador para que incorporasse os princípios da polivalência e multifuncionalidade, em conformidade com as atuais exigências do processo produtivo e tecnológico a partir da organização da produção e do trabalho de todos os setores da economia. 1 1. educação profissional;

2. capacidade de aprendizagem para

incorporação dos princípios da

polivalência e multifuncionalidade; 3. qualificação e requalificação; 4. vulnerabilidade no mercado de trabalho; 5. educação profissional; 6. crescimento econômico; 7. redução da pobreza; 8. qualificação profissional;

9. desenvolvimento sustentado com equidade social;

10. ajustamento FONTE: Pesquisa Documental, 2014

No próximo item será discutido o Plano Nacional de Qualificação (PNQ) como parte integrante das ações do Plano “Fome Zero” do governo de Lula da Silva.