• Nenhum resultado encontrado

3. DO DANO

3.6. Articulações Críticas

Dispensa de licitação trata-se de uma das hipóteses de atos de improbidade administrativa que ocasionam lesão ao erário. O inciso VIII do art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa traz a obrigação de demonstração de dano ao erário, ou seja, o prejuízo precisa ser comprovado e torna-se requisito definitivo para que haja o efetivo ressarcimento descrito no art. 21, I, da mesma lei.

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá- los indevidamente.157

Com a leitura da legislação é evidente que se e somente se houver lesão ao erário, há que se falar em dispensa indevida de licitação. Não pode se considerar ato de improbidade administrativa casos onde não há prejuízo financeiro devidamente comprovado. “Não é qualquer vício que dá ensejo à aplicação do dispositivo ora comentado. (...) Meras Irregularidades não ensejam improbidade administrativa”.158

Retira-se o devido embasamento da própria Constituição Federal, em seu artigo 37, §4º - “Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei”.159 Extrai-se do texto

157 BRASIL, Decreto-Lei nº 8.429, de 02 de junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências. Rio de Janeiro - RJ. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8429.htm Acesso em: 15 de fevereiro de 2019.

158 HARGER, Marcelo. Improbidade Administrativa: comentários à Lei nº 8.429/92. In: Coleção Direito Administrativo Positivo; v. 7. São Paulo: Atlas, 2015, p. 123.

159 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília- DF. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em: 15 de fevereiro de 2019.

constitucional a não autorização do ressarcimento ao erário quando não se é possível demonstrar o prejuízo sofrido pela administração.

O dispositivo acima exposto (art. 37, §4º, CF/88) não consagra o dano presumido. Isto é, mesmo que contrário aos critérios que justifiquem a dispensa de licitação, o fato por si, não enseja ressarcimento ao erário, sob pena de enriquecimento ilícito por parte da Administração Pública. Em suma, em análise minuciosa da Lei nº 8.429/92 e do art. 10 em que se trata de lesão ao erário, a configuração dos atos de improbidade administrativa exige um efetivo dano ao erário e, no mínimo, culpa.

A lei nº 8.666 de 1993 (Lei de Licitações) traz em seu artigo 89 a tipificação do crime de dispensar indevidamente uma licitação. Em análise liminar, a dispensa ou inexigibilidade de licitação que ocorrerem fora do disposto nos artigos 24 e 25 da Lei de Licitações, ou o simples desrespeito de seus requisitos expressos na legislação já caracterizariam o crime previsto no art. 89, caput da Lei nº 8.666/93. Entretanto, tem-se divergências doutrinárias e jurisprudenciais sobre o assunto, tanto quando se fala em comprovação de dolo específico – com a intenção de causar o dano, quanto da simples dispensa ou não cumprimento de formalidades para licitar e se o crime só ocorre em caso de dano ao erário quando se dispensa uma licitação indevidamente.

A questão que permeia a atualidade em relação a improbidade é a forma presumida que se dá ao combate a corrupção na Administração Pública. O agente acusado deve ser capaz de sustentar sua inocência, ou seja, ele deverá provar que não executou nenhuma ilicitude e, se por ventura isso não ocorre presume-se o ato ímprobo e consequentemente a sua condenação.

Para Matos não é “lícito e nem moral que o agente atue em nome do Poder Público como um devasso, gastando em excesso, com total falta de pudor.”160

Entretanto, não é o que vem se adotando pelo STJ nos últimos anos e, consequentemente por diversas vezes a manifestação mais comum é a do dano presumido ao erário dispensando a necessidade de demonstração da real ocorrência do mesmo.

160 MATTOS, Mauro Roberto Gomes. O limite da improbidade administrativa: comentários a Lei nº 8.429/92. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 279.

Esse posicionamento outrora era entendido de maneira fundamentalmente contrária. De forma que a Corte não condenava um agente público sem a comprovação efetiva do dano baseando -se no art. 10, VIII, da Lei de Improbidade Administrativa. Não há nesse caso uma unanimidade no que diz respeito a dispensa indevida de licitação e o dano causado ao erário. De acordo com Faria e Bianchi:

À luz de uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo no que tange a doutrina da impossibilidade de enriquecimento sem causa ou presunção de inocência nas relações sociais, deve-se reputar que o entendimento que se mostra mais coerente é o da necessidade de comprovação efetiva do prejuízo, não podendo ele ser meramente presumido (in re ipsa), nas ações de improbidade por dispensa indevida de licitação.161

De modo a realizarmos um aprofundamento na discussão há de se levar em consideração dois fundamentos da Constituição. O primeiro é a vedação ao enriquecimento sem causa da Administração Pública que se refere ao art. 884 do Código Civil. E o segundo é o princípio da presunção da inocência no âmbito do Direito Administrativo.

O art. 884 do Código Civil dispõe que “aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.”162 Desse dispositivo de acordo com

Faria e Bianchi pode-se inferir três pontos principais: “1) A existência de um enriquecimento; 2) O prejuízo sofrido por alguém em decorrência desse enriquecimento e 3) A ausência de uma causa justa para esse enriquecimento.”163

Há, portanto, a partir desse dispositivo duas vertentes distintas sobre esses pontos principais. A primeira delas é defendida por Pereira Coelho em seu livro sobre o Enriquecimento e o Dano em que “o objeto do enriquecimento equivale ao valor objetivo da vantagem adquirida – o valor do uso do bem, do próprio bem, ou direito incorporado ao patrimônio enriquecido”164, essa vertente diz respeito a um

161 FARIA, Luzardo; BIANCHI, Bruno Guimarães. Improbidade Administrativa e Dano presumido ao erário por dispensa indevida de licitação. Revista do Direito Administrativo e Constitucional. Ano 18. N 73. 2018.

162 BRASIL, Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Que Institui o Código Civil. Brasília – DF, 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm Acesso em 15 de fevereiro de 2019.

163 FARIA, L.; BIANCHI, B. G. Op. Cit.

164 PEREIRA COELHO, Francisco Manuel. O enriquecimento e o dano. Coimbra: Almedina, 1999, p. 26.

enriquecimento real. Mas pode-se pensar no enriquecimento com exclusivo caráter patrimonial que é baseado na diferença material causado por determinado ato ao patrimônio de acordo com Savi.165

Essa segunda vertente é a mais aceita uma vez que permite que seus julgadores, quando se depararem com demandas que versem sobre esse tema, estejam aptos a analisar a questão com base nos fatos de cada caso concreto. O que possibilita uma análise mais apurada acerca da existência ou não da justa causa para aquele enriquecimento.166 Para tanto, há necessidade de uma

adaptação compromissada desse princípio do âmbito do Direito Civil para a Administração Pública.

A aplicação de alguns princípios gerais do direito não necessariamente deve ficar em áreas limitadas. Uma das razões para isso é de que é possível verificar, além da previsão legal explicitada acima, um fundamento ético-moral no princípio da proibição do enriquecimento sem causa da Administração Pública.167 Seria,

portanto, imoral de acordo com Faria e Bianchi, o poder público promover ou consentir esse tipo de situação porque em última análise o Estado estaria tirando proveito de um ato que restringe a esfera jurídica sem respaldo legal para isso. 168

No que diz respeito a dispensa de licitações, a proibição do enriquecimento sem causa fica evidente uma vez que o contratado pode não ter tido conhecimento prévio ou ter cooperado para a ilicitude. Tanto para Puig169 quanto para Faria e

Bianchi170 pode-se pensar também sobre os princípios da boa-fé e da proteção a

confiança, para que o particular não seja prejudicado a devolver a Administração Pública os gastos que teve na execução do contrato, que de boa-fé, confiava ser válido.

Em hipóteses desta ordem, se o administrado estava de boa-fé e não recorreu ao vício para o ato, evidentemente a invalidação não lhe poderia causar um dano injusto e muito menos seria tolerável que propiciasse,

165 SAVI, Sergio. Responsabilidade Civil e enriquecimento sem causa: o lucro da intervenção. São Paulo: Atlas, 2012, p. 58.

166 SAVI, Sergio. Responsabilidade Civil e enriquecimento sem causa: o lucro da intervenção. São Paulo: Atlas, 2012.

167 PUIG, Manuel Rebollo. El enriquecimiento injusto de la administración pública. Madrid: Marcial Pons, 1995, p. 47-73.

168 FARIA, Luzardo; BIANCHI, Bruno Guimarães. Improbidade Administrativa e Dano presumido ao erário por dispensa indevida de licitação. Revista do Direito Administrativo e Constitucional. Ano 18. N 73. 2018.

169 PUIG, M. R. Op. Cit.

eventualmente, um enriquecimento sem causa para a Administração. Assim, tanto devem ser indenizadas as despesas destarte efetuadas como, a fortiori, hão de ser respeitados os efeitos patrimoniais passados atinentes à relação atingida.171

Dado essas situações reafirma-se a adequada aplicação do Direito Civil para o Direito Administrativo, exigindo do operador que vá para além daquilo que é posto nas doutrinas, jurisprudências e legislação. Uma vez que as decisões tomadas pelo STJ vão de encontro com o princípio do enriquecimento ilícito no que diz respeito a improbidade administrativa nos casos de dano ao erário por dispensa indevida de licitação.

É que, ainda que a dispensa tenha sido indevida e o contrato através do qual o particular se vinculou à Administração Pública seja consequentemente nulo, não se pode simplesmente obriga-lo a ressarcir os valores que recebeu do Estado, como se sua contratação tivesse gerado, presumidamente, um dano ao erário.172

Caso o contrato já tenha sido executado mesmo que parcialmente, a Administração Pública se beneficiou, enriqueceu e adimpliu o particular cumprindo com a sua obrigação contratual. Tão somente, não pode sentenciar o contratado a devolver o que foi recebido uma vez que irá enriquecer duas vezes: com o contrato que foi cumprido e com a devolução do dinheiro por parte do contratado. Além de enriquecer duas vezes estaria também empobrecendo o contratado. E a Lei nº 8.666/93, no parágrafo único, em seu art. 59 dispõe o oposto:

A nulidade não exonera a Administração do dever de indenizar o contratado pelo que esta houver executado até a data e, que ela for declarada e por outros prejuízos regularmente comprovados, contando que não lhe seja imputável, promovendo -se a responsabilidade de quem lhe deu causa.173

Nesse ponto, podemos fazer a seguinte reflexão. Já que não se pode condenar o contratado por um serviço já prestado porque seria uma forma de enriquecimento ilícito por parte da Administração Pública onde encontra-se a justificativa, no sentido de improbidade, que seria possível considerar como um

171 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2009, p.302-303.

172 FARIA, Luzardo; BIANCHI, Bruno Guimarães. Improbidade Administrativa e Dano presumido ao erário por dispensa indevida de licitação. Revista do Direito Administrativo e Constitucional. Ano 18. N 73. 2018.

173 BRASIL, Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá

outras providências. Brasília - DF, 1993. Disponível em:

dano ao erário? Por fim, no que diz respeito ao enriquecimento ilícito pela suposição de dispensa indevida de licitação causando dano ao erário, infere-se que a proposta apresentada pelo contratado foi superior a aquela considerada “normal” no mercado e por consequências haveria irreparáveis danos aos cofres públicos.

Mesmo que se tivesse realizado um processo licitatório integralmente irregular, pode-se supor que a Administração Pública não conseguiria uma contratação com um preço menor do que aquele identificado como preço normal no mercado. Como consequência, tendo o serviço sido prestado e sabendo-se que, ainda que fosse outro particular contratado, ele não seria prestado por um valor menor do que aquele considerado normal para o mercado, não se pode considerar como dano o valor do mercado, já que seria um montante que a Administração iria dispor de qualquer forma.174

Para esclarecer melhor essa articulação crítica passamos agora para o segundo princípio que é o da presunção da inocência. A presunção da inocência é utilizada na legislação brasileira desde o seu decreto em 1992. Onde em um de seus artigos dispunha que toda pessoa “tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa.”175 Tem-se aqui três pontos

derivados desse dispositivo de acordo com Camargo:

1) Regra de tratamento – que impede o acusado de ser tratado como culpado antes do trânsito em julgado, 2) Fundamento do processo penal – preocupando-se em assegurar e proteger os direitos do acusado e 3) Regra Probatória ou de Juízo – impõe a acusação a tarefa da produção completa de provas acerca da culpa do individuo e que gera também o dever no juiz de decidir a favor do acusado quando a acusação não for capaz de comprovar cabalmente suas imputações.176

Em análise desses pontos pode-se pensar que “se o julgador deparar com mais de uma interpretação possível em relação as circunstâncias do processo, deverá necessariamente adotar a mais favorável ao acusado, sob pena de violação da Constituição Federal.”177 O que acontece na prática muitas vezes é a inversão

do ônus da prova, uma vez que se desconsidera o princípio da inocência, tendo os

174 FARIA, Luzardo; BIANCHI, Bruno Guimarães. Improbidade Administrativa e Dano presumido ao erário por dispensa indevida de licitação. Revista do Direito Administrativo e Constitucional. Ano 18. N 73. 2018.

175 BRASIL. Decreto nº 678 de 6 de novembro de 1992. Que Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969.Brasília – DF. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0678.htm Acesso em: 15 de fevereiro de 2019.

176 CAMARGO, Monica Ovinski de. Princípios da Presunção de inocência no Brasil: O conflito entre libertar e punir. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2005, p. 57-58.

177 BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Processo Administrativo Disciplinar. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 232.

acusados que provar sua inocência não só perante o julgador, mas também perante a sociedade.

Nesse ponto, podemos pensar em uma ideologia histórica que vem se perpetuando ao longo dos anos no que diz respeito ao Direito Administrativo em que a mais basilar argumentação é a de que “como a maior parte dos imputados resultava ser culpado ao final do processo, não há que se justifique a proteção e a presunção da inocência.”178

Em se tratando do Direito Administrativo pode-se afirmar o pensamento de Osório que fala sobre “uma garantia genérica da pessoa humana, estendida aos acusados em geral, a partir de um estatuto jurídico de liberdade outorgado originalmente aos cidadãos e às pessoas que transitam ou estão debaixo de um império de um Estado Democrático de Direito.”179 Ou seja, a presunção da

inocência no que diz respeito a improbidade administrativa deve ser levada em consideração.

A racionalidade, portanto, que permeia o dano presumido ao erário em caso de dispensa indevida de licitação para caracterização dos atos de improbidade administrativa é a de que:

A licitação foi dispensada por conta de uma fraude dolosa, arquitetada, entre agentes públicos e privados, com o objetivo de que a empresa contratada pela Administração Pública fosse a escolhida mesmo com a apresentação de uma proposta em valores muito acima da média do mercado. Por conta disso, ao não ter realizado o devido processo licitatório, a Administração deixou de contratar a melhor proposta e, com isso, angariou prejuízos.180

Nesse sentido, o julgador deve esgotar todas as possibilidades de investigação e mensurado todas as provas para esclarecimento dos fatos e se mesmo assim não for possível formar uma certeza sobre a culpabilidade do acusado requer uma decisão absolutória de acordo com o princípio da inocência, pois na ordem jurídico-constitucional brasileira não se pode condenar alguém com

178 LOPES JUNIOR, Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade constitucional. 4. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2006, p. 158.

179 OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. 5. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 410.

180 FARIA, Luzardo; BIANCHI, Bruno Guimarães. Improbidade Administrativa e Dano presumido ao erário por dispensa indevida de licitação. Revista do Direito Administrativo e Constitucional. Ano 18. N 73. 2018.

dúvidas ou presumir sua culpabilidade.181 Essa inversão do ônus probatório

também irá violar a regra de juízo já que não está se determinando a Administração Pública que se comprove o dano uma vez dada sua presunção.

181 CAMARGO, Monica Ovinski. Princípios da Presunção de inocência no Brasil: O conflito entre libertar e punir. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2005, p. 141.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Preservar a moralidade da Administração Pública não é história recente. Implicando ao legislador o desenvolvimento de mecanismos de reprimir atividades ilícitas.

Como elucidamos nesse trabalho a Lei nº 8.429/92 mesmo sendo de suma importância para a moralidade da Administração Pública e ao combate a corrupção no cenário público vem sendo utilizada de modo a não garantir eficiência de seus instrumentos devido ao excesso. E nesse contexto, o acolhimento por parte do STJ, em inúmeras situações de que a dispensa indevida de licitação gera dano presumido ao erário uma vez que deixa de contratar a proposta mais vantajosa. Em decorrência desse contexto entende-se o ressarcimento por parte dos acusados o valor integral da licitação dispensada indevidamente.

Após reflexão sobre o dano in re ipsa no caso de dispensa de licitação indevida fere o art. 884 do Código Civil que diz respeito ao enriquecimento sem causa por parte da Administração Pública deixando assim o ressarcimento integral do valor da licitação uma solução não apropriada. A verificação se houve algum tipo de dano e a sua extensão se existente, se houve parte da prestação do serviço ou foi feito de maneira integral é de suma importância para a tomada de decisão por parte do julgador.

A caracterização do dano in re ipsa fere também a presunção da inocência garantida pela constituição mesmo que esteja na esfera penal também é aplicável a esfera do direito administrativo. Ocorre nessa situação a inversão do ônus probatório, o que leva também a violação da própria Lei nº8.429/92. Essa inversão de ônus é entendida quando a prova deve ser apresentada pelo acusado, tendo ele que comprovar que não houve dano a Administração Pública.

Não obstante, pela diversidade de comportamentos que possam ser tidos como ilícitos no caso de dispensa indevida de licitação, torna-se impossível o legislador tratar de todas as condutas lesivas ao dever de no que diz respeito ao princípio da moralidade. As condutas descritas no art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa demandam a comprovação de dano efetivo ao erário, não sendo possível caracterizá-las por mera presunção.

O combate a corrupção e fundamental, todavia, não se pode esquecer outros interesses constitucionalmente protegidos, como os direitos fundamentais de particulares que contratam com a Administração Pública.

Fez-se aqui a reflexão no sentido de repensar alguns conceitos trazidos pelo legislador, dando-lhes uma distinta interpretação. Distante de examinar exaustivamente as questões anteriormente discutidas, o objetivo essencial desse estudo foi incentiva a reflexão acadêmica, aventando discussões travadas no plano nacional e estadual, para o fortalecimento da cidadania.

Por todo o exposto, conclui-se que, ainda que uma conduta perpetrada por um agente público possa enquadrar-se formalmente aos tipos constantes da Lei de Improbidade Administrativa (arts. 9º a 11, da Lei n. 8.429/92), deverá ser verificado se essa conduta foi praticada com má-fé (dolo ou culpa), se houve prejuízo ao erário ou lesão ao interesse público, para que se configure, assim, uma conduta ímproba sujeita às penalidades expostas por esta legislação. Dessa forma, pode-se observar o princípio da proporcionalidade, reconhecido constitucionalmente de forma implícita e de obediência obrigatória pelos operadores do direito de modo geral.

REFERÊNCIAS

ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Administrativo Descomplicado. São Paulo: Impetus, 2008.

ALMEIDA, Gregório Assagra. Direito processual coletivo brasileiro: Um novo ramo do direito processual. São Paulo: Saraiva, 2003.

ARAÚJO, Renata Elisandra. Os principais aspectos da lei da Improbidade