• Nenhum resultado encontrado

DISPARIDADES EM SAÚDE ENTRE MULHERES PRESAS E A POPULAÇÃO GERAL DO BRASIL

Francisco Marto Leal Pinheiro Júnior1; Lígia Kerr1; Roberto da Justa Pires Neto1; Raimunda Hermelinda Maia Macena2; Rosa Maria Salani Mota3;; Carl Kendall1,4.

1 Departamento de Saúde Comunitária, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Brasil. 2 Departamento de Fisioterapia, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Brasil.

3 Departamento de Estatística e Matemática Aplicada, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Brasil.

4 Department of Global Community Health and Behavioral Sciences, Tulane University, New Orleans, United States.

RESUMO

Introdução: A experiência de aprisionamento tem forte potencial na promoção de inequidades em saúde, tanto dentro do próprio país como em comparação a outras nações. Assim, A população prisional apresenta superior carga de desordens físicas e mentais em relação à população em geral. O objetivo deste estudo foi caracterizar as disparidades em saúde entre mulheres privadas de liberdade e da população geral no Brasil. Métodos: Trata-se de um estudo transversal realizado a partir de dois inquéritos nacionais do Brasil, um com mulheres presas de há pelo menos seis meses em regime fechado ou semiaberto em 15 estados brasileiros e outro com a população geral, de base domiciliar. Para caracterização das disparidades foram calculados razão de prevalência ajustadas por faixa etária e respectivos intervalos de confiança para alguns agravos crônicos não transmissíveis através de regressão de Poisson. Resultados: A asma (RP = 3,35; 95% IC = 2,91 - 3,86) foi a única morbidade que ocorreu com maior frequência entre mulheres presas. As presas < 30 anos apresentaram prevalência de hipertensão arterial (RP = 4,54; 95% IC = 3.36 - 6.12), doença cardiovascular (RP = 4,35; 95% IC = 2.41 - 7.87) e asma (RP = 18,7; 95% IC = 2.32 - 3.79) superior às mulheres da população geral. Conclusões: As preocupantes disparidades em saúde entre a população prisional feminina e a população geral no Brasil exigem ações de saúde durante o encarceramento e após a transição para a comunidade.

Palavras-chave: Disparidades em saúde. Brasil. Mulheres. Presidiários. Prisões.

INTRODUÇÃO

Aproximadamente, 715 mil mulheres vivem em unidades prisionais em todo o mundo, o que representa cerca de 7% do total de presos (WALMSLEY,2017). Houve um aumento de 53% no número de mulheres presas nas últimas três décadas, em comparação com 19% de

homem (WALMSLEY,2017). A população feminina brasileira em prisões é a quarta maior do mundo (WALMSLEY,2017). Aproximadamente, 41 mil mulheres vivem em prisões brasileiras, com uma taxa de 21,7 por 100 mil habitantes (INFOPEN,2017).

A privação de liberdade é um importante problema de saúde pública que afeta o indivíduo privado, seus familiares e a comunidade ao redor, gerando impactos negativos na saúde dos prisioneiros a curto e a longo prazo (Wildeman; Wang, 2017). A experiência de aprisionamento tem forte potencial na promoção de inequidades em saúde, tanto dentro do próprio país como em comparação a outras nações (WILDEMAN; WANG,2017).

A população prisional apresenta superior carga de desordens físicas e mentais em relação à população em geral (FAZEL; BAILLARGEON,2011). Estudos têm registrado elevada carga de doenças infectocontagiosas (VIITANEN et al.,2011;ARREDONDO et al.,2015), doenças crônicas não transmissíveis (HERBERT et al., 2012; GATES; BRADFORD, 2015; NOLAN; STEWART, 2017), desordens mentais (HAUGEBROOK et al., 2010) e outros agravos a saúde (MACASKILL et al.,2011;FAZEL et al.,2017).

Os poucos estudos brasileiros são localizados e não revelam a real magnitude dessas condições de saúde a nível nacional, mas demonstram uma situação similar à de outros países (COELHO et al.,2009;CANAZARO; ARGIMON,2010;MINAYO; RIBEIRO,2016). O Brasil é um país com marcantes diferenças na atuação do sistema penitenciário nas diferentes regiões, além de ser, reconhecidamente, um país no qual persiste diversas formas de preconceito, violação dos direitos humanos e desigualdade de renda. As investigações sobre as condições de saúde da população prisional têm enfocado, principalmente, homens presos ou ambas os sexos simultaneamente, sem focar somente nos resultados referentes as mulheres.

O objetivo deste estudo foi caracterizar as disparidades em saúde entre mulheres privadas de liberdade e da população geral no Brasil.

MÉTODOS

Tipo de estudo

Trata-se de um estudo transversal realizado a partir de dois inquéritos nacionais do Brasil: 1) Inquérito nacional de saúde na população penitenciária feminina e de servidoras prisionais realizado em 9 estados brasileiros e Distrito Federal (DF) entre 2014 e 2015; e 2) Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) realizada em 2013 e com base domiciliar.

Mulheres presas (MP)

Foram incluídas no estudo mulheres privadas de liberdade há pelo menos seis meses em regime fechado ou semiaberto. Foram excluídas as mulheres impossibilitadas de serem atendidas pela equipe de pesquisadores (por motivo de saúde, periculosidade ou saídas eventuais da unidade) e/ou que não tinham o português como idioma principal. Inicialmente, foram selecionados, intencionalmente, dois estados por região político-administrativa brasileira que tinham as maiores populações carcerárias femininas (INFOPEN,2017). Em seguida, os presí- dios foram estratificados de acordo com a localização (capital, região metropolitana ou interior). Foram incluídos na amostra apenas os presídios com mais de 75 detentas, devido à obrigatoriedade de possuírem serviços de saúde. O tamanho mínimo da amostra foi estimado em 2.518 residentes. Imputando acréscimo de 10%, a amostra final prevista foi de 2.714 mulheres. Contudo, devido limitações financeiras e operacionais, a amostra final coletada foi de 1.327 mulheres. O poder dos testes final foi de 67%.

Os dados foram coletados em duas etapas: 1) Exame físico e glicemia: A glicemia capilar foi determinada usando um kit para a determinação quantitativa de glicose presente no soro ou plasma pelo sistema colorimétrico enzimático por mediadores portáteis (ONETOUCH®ULTRA®) para leitura imediata. Seguindo as diretrizes descritas pelo fabricante do aparelho, depois de calibrá-lo, obteve-se uma gota de sangue e aplicou-o na tira por aproximadamente 5 segundos para ler o resultado da glicemia. O exame físico consistiu da realização de teste de nível pressórico para estimação da ocorrência de hipertensão arterial. Para estabelecimento do nível pressórico foram realizadas aferições das pressões arteriais sistólica e diastólica com esfigmomanômetro aneróide com braçadeira para uso adulto medindo 22 a 30 cm e de 30 a 38 cm para uso obeso; 2) Aplicação de questionário versando sobre características sociodemográficas, prisionais e epidemiológicas. Os dados foram coletados através de ques- tionário autoaplicado, utilizando tecnologia de Audio Computer-Assisted Self-Interviewing (ACASI), que consiste na utilização de tablets para as respostas dos questionários, proporcionando às entrevistadas maior sigilo e privacidade nas respostas. A opção pelo ACASI decorre da sua aplicabilidade em pesquisas nas quais existe a necessidade de se abordar informações sensíveis, de cunho pessoal, ou mesmo relacionadas a comportamentos de risco para a saúde (SIMÕES; BASTOS,2004).

A amostra da PNS foi feita por conglomerados em todo o território nacional. O total da amostra coletada foi de 60.202 domicílios. Para cada domicilio era selecionado com equiprobabilidade entre os residentes adultos, um morador de 18 anos ou mais de idade, homem ou mulher. Para este estudo, foram utilizados apenas os dados dos domicílios no qual a respondente era do sexo feminino. O total da amostra considerada nesta pesquisa foi de 31.845 mulheres (52,9% da amostra total coletada). Nesta pesquisa foi utilizado somente questionário para coleta de dados.

Variáveis coletadas

Para caracterização das disparidades foram utilizadas as seguintes variáveis: Percepção do estado de saúde, Hipertensão arterial, Diabetes, Hipercolesterolemia, Doença cardiovascular, Acidente vascular cerebral, Câncer e Asma.

Para as MP foram considerados casos de hipertensão arterial quando a pressão arterial sistólica ≥ 140mmHg e/ou referiu uso de medicação para controle pressórico (SBC,2010) e casos de diabetes quando a glicemia capilar foi > 200 e/ou referiu uso de medicação para controle da glicemia (OLIVEIRA et al.,2017). As prevalências de hipertensão arterial e diabetes entre MPG foram estimadas por autorelato.

As demais variáveis, tanto para MP quanto para MPG, foram autorelatadas.

Aspectos socioeconômicos, como idade e grau de instrução, também foram investigados. A raça/etnia (parda, negra, branca, amarela e indígena) foi autoreferida, obedecendo aos critérios estabelecidos no Brasil.

Análise dos dados

Os dados foram analisados utilizando os softwares SPSS® versão 20.0 e Stata® versão 15. A análise foi realizada através do módulo de delineamento complexo de acordo com o delineamento de amostragem, considerando como peso o inverso do produto das probabilidades das unidades de amostragem em cada uma das etapas do delineamento da mesma. A análise foi realizada considerando os pesos amostrais calculados para cada um dos bancos de dados utilizados na análise.

Inicialmente foi realizada uma análise descritiva dos dados. As variáveis categóricas foram descritas através de distribuição de frequência. Para variáveis contínuas, inicialmente foi aplicado o teste de Kolgomorov Simirnov, bem como elaboração de histogramas, para identificar se cada variável seguia a distribuição normal. As variáveis contínuas com

distribuição normal foram expressas através de média ± desvio-padrão e aquelas que não seguiam a distribuição normal foram expressas através de mediana e intervalo interquartil.

As disparidades entre os grupos foram analisadas através do cálculo das razões de prevalências (RP) e respectivos intervalos de confiança (95%IC). Para proceder com esta análise, inicialmente, foram elaborados bancos de dados individualizadas para cada desfecho com a exclusão dos estratos que não apresentavam pelo menos uma observação em cada categoria.

Em seguida, foram realizadas análises estratificadas e ajustadas por faixa etária através da regressão de Poisson. Nesta análise foi considerado como grupo de “risco” as MPL e o grupo de referência as MPG. Os contrastes foram realizados levando em consideração a estratificação da idade nas faixas etárias: < 30anos, 30 - 49 anos e > 50 anos. Valores de p < 0,05 foram considerados estatisticamente significantes.

RESULTADOS

Um total de 1327 MP e 34.282 MPG participaram do estudo. A tabela 1 apresenta uma comparação de características sociodemográficas das duas populações. Em relação a faixa etária, 43,9% das MP tinham < 30 anos. Entre as MPG, esse número foi 24,9%. Aproximadamente, 15% das MP e 9% da MPG se autointitularam da raça pretas. Quase metade das MP e 40% das MPG eram analfabetas ou com ensino fundamental incompleto (tabela 1).

Tabela 1 – Caracteristicas sociodemográficas das mulheres presas e da população geral do Brasil, 2018. Variáveis MP MPG n %1 n %1 Faixa etária < 30 anos 587 43,9 7.918 24,9 30 - 49 anos 632 47,6 12.714 39,9 > 50 anos 113 8,5 11.212 35,2 Total 1.327 100,0 31.845 100,0 Raça/Etnia Branca 383 31,5 15.301 48,0 Preta 199 15,3 2.933 9,2 Amarela 34 2,4 327 1,0 Parda 685 49,8 13.133 41,2 Indígena 17 1,0 149 0,5 Total 1.318 100,0 31.845 100,0 Escolaridade Analfabeta/Fundamental incompleto 660 48,4 12.141 38,1

Ensino fundamental completo/Médio incompleto 430 33,1 4.662 14,6 Ensino médio completo/ Superior incompleto 217 17,3 10.608 33,3

Superior completo 17 1,2 4.434 13,9

Variáveis MP MPG

n %1 n %1

Situação conjugal

Solteira 597 43,5 12.781 40,1

Casada/União estável/Parceiro fixo 601 46,6 13.453 42,2

Separada/Desquitada/Divorciada 82 6,7 2.367 7,4

Viúva 44 3,2 3.243 10,2

Total 1.325 100,0 31.845 100,0

Possui plano de saúde (N = 1319)

Não 1.200 91,0 21.963 69,0

Sim 119 9,0 9.882 31,0

Total 1.319 100,0 31.845 100,0

n: valores observados; 1Estimativa ponderada.

A tabela 2 apresenta os valores das razões de prevalência para as morbidades selecionadas. Identifica-se que a asma (RP = 3,35; 95% IC = 2,91 - 3,86) foi a única morbidade que ocorreu com maior frequência na população de MP. A diabetes (RP = 0,38; 95% IC = 0,27 - 0,53) e a hipercolesterolemia (RP = 0,37; 95% IC = 0,29 - 0,47) foi mais frequente nas MPG.

Tabela 2 - Razões de prevalência de diferentes morbidades entre MP e MPG, Brasil, 2018.

VARIÁVEIS n MP%1 n MPG%1 RP 95%IC p

Percepção do estado de saúde 1,05 0,98 - 1,13 0,146

Regular/Ruim/Muito ruim 546 39,7 11.959 37,6 Muito bom/Bom2 776 60,3 19.886 62,4 Total 1.322 100,0 31.845 100,0 Hipertensão arterial 0,99 0,89 - 1,10 0,867 Sim 320 24,4 7.701 24,6 Não 973 75,6 22.860 75,4 Total 1.293 100,0 31.296 100,0 Doenças cardiovascular 1,25 0,96 - 1,61 0,087 Sim 73 94,7 1.323 93,4 Não 1.068 5,3 29.321 6,6 Total 1.141 100,0 30.644 100,0 Diabetes 0,38 0,27 - 0,53 < 0,001 Sim 40 3,1 2.355 8,2 Não 1.181 96,9 27.993 91,8 Total 1.221 100,0 30.348 100,0 Hipercolesterolemia 0,37 0,29 - 0,47 < 0,001 Sim 69 6,3 4.978 17,0 Não 1.024 93,7 25.340 83,0 Total 1.093 100 30.318 100 Asma 3,35 2,91 - 3,86 < 0,001 Sim 259 20,1 1.739 6,0 Não 1.051 79,9 29.287 94,0 Total 1.310 100 31.026 100 Câncer 0,89 0,58 - 1,36 0,602 Sim 27 2,7 670 3,0 Não 966 97,3 24739 97,0 Total 993 100 25409 100 AVC 0,71 0,43 - 1,19 0,200 Sim 19 1,7 544 2,4 Não 1072 98,3 24649 97,6 Total 1091 100 25193 100

Na regressão ajustada por faixa etária (tabela 3), as MP < 30 anos apresentam prevalência de HA (RP = 4,54; 95% IC = 3.36 - 6.12), doença cardiovascular (RP = 4,35; 95% IC = 2.41 - 7.87) e asma (RP = 2,97; 95% IC = 2.32 - 3.79) superior às MPG. As MP > 50 anos também apresentam prevalência de asma superior as MPG (RP = 4,29; 95%IC = 2.92 - 6.31).

Tabela 3 - Razões de prevalência de diferentes morbidades entre MP e MPG ajustadas por faixa

etária, Brasil, 2018.

VARIÁVEIS MP MPG %1 %1 RP 95%IC p

Percepção do estado de saúde

(Regular/Ruim/Muito ruim x Muito bom/Bom2)

< 30 anos 34,9 21,9 1,59 1.38 - 1.83 < 0.001 30 – 49 anos 40,8 32,7 1,24 1.12 - 1.39 < 0.001 > 50 anos 57,4 54,1 1,06 0.89 - 1.26 0.507 Hipertensão arterial < 30 anos 13,0 2,9 4,54 3.36 - 6.12 < 0.001 30 – 49 anos 29,0 16,8 1,72 1.48 - 2.00 < 0.001 > 50 anos 56,2 48,4 1,16 0.97 - 1.39 0.106 Doenças cardiovascular < 30 anos 5,1 1,1 4,35 2.41 - 7.87 < 0.001 30 – 49 anos 7,0 3,3 2,08 1.42 - 3.05 < 0.001 > 50 anos 11,8 10,2 1,15 0.63 - 2.11 0.639 Diabetes < 30 anos 0,6 0,7 0,86 0.23 - 3.19 0.821 30 – 49 anos 3,3 4,0 0,82 0.50 -1.36 0.455 > 50 anos 14,2 17,2 0,83 0.52 - 1.32 0.432 Hipercolesterolemia < 30 anos 1,6 3,8 0,43 0.22 - 0.83 0.011 30 – 49 anos 7,4 12,8 0,27 0.40 - 0.82 0.002 > 50 anos 24,4 29,4 0,83 0.57 – 1.20 0.331 Asma < 30 anos 18,7 6,3 2,97 2.32 - 3.79 < 0.001 30 – 49 anos 20,7 6,2 3,31 2.68 - 4.08 < 0.001 > 50 anos 23,6 5,4 4,29 2.92 - 6.31 < 0.001 Câncer < 30 anos 1,3 0,7 1,81 0.54 - 6.04 0.334 30 – 49 anos 3,8 1,7 2,17 1.24 - 3.79 0.006 > 50 anos 3,5 6,1 0,58 0.18 - 1.85 0.360 AVC < 30 anos 0,4 0,2 1,98 0.40 - 9.82 0.399 30 – 49 anos 2,5 1,1 2,20 1.13 - 4.25 0.019 > 50 anos 3,7 5,2 0,70 0.26 - 1.89 0.490

1Estimativa ponderada; 2Categoria de referência. DISCUSSÃO

Diversas disparidades em saúde entre a população prisional feminina e a população geral no Brasil foram identificadas neste estudo.

A asma foi a única condição de saúde investigada que apresentou prevalência estatisticamente superior entre as presas (RP: 3,35, 95IC%: 2,91 – 3,86). Depois de ajustada por faixa etária, MP < 30 anos apresentaram prevalência de HA (RP = 4,54; 95% IC = 3.36 - 6.12) e doença cardiovascular (RP = 4,35; 95% IC = 2.41 - 7.87) superior às MPG. Em contrapartida, a diabetes (RP:0,38; 95% IC = 0,27 – 0,53) e a hipercolesterolemia (RP:0,37, 95% IC = 0,29-0,47) foram mais frequentes nas MPG. A ocorrência de vários fatores de risco para doenças crônicas não transmissíveis, como obesidade (CLARKE; WARING,2012), uso de álcool e outras drogas (FAZEL et al.,2006) e alimentação não saudável (PLUGGE et al.,2009) é desproporcionalmente maior na população prisional, o que pode explicar estas disparidades.

Um estudo que comparou a prevalência de condições crônicas entre a população prisional e geral nos EUA identificou resultados semelhantes para asma (RP = 1,31, 95% IC = 1.19 to 1.45) mesmo ajustada para variáveis sociodemográficas e consumo de álcool (BINSWANGER et al.,2009). Isto se explica pelo fato se ser uma doença do aparelho respiratório intimamente relaciona com questões ambientais, que no caso dos presídios, são precárias e permanentes (FAZEL; BAILLARGEON,2011). A prevalência de asma dentro dos presídios é a única condição crônica que não parece ser modificada com a idade (HARZKE et al., 2010). Entretanto, nossos resultados sugerem um aumento dos casos de asma e aumento da razão de prevalência entre os grupos de MP e MPL de acordo com a faixa etária. Este resultado é semelhante ao encontrado em uma coorte de vinte três anos de seguimento com estudantes nos Estados Unidos, ou seja, a frequência de asma tem uma relação positiva com a idade (SETTIPANE et al.,1994).

O padrão de ocorrência da HA e das doenças cardiovasculares entre os grupos foi semelhante. Identificamos uma prevalência maior destas doenças entre presas somente nas faixas etárias de menores de trinta anos e de trinta a quarenta e nove anos. Após os cinquenta anos não foram constatadas diferenças estatísticas. Apesar da literatura comparando a frequência destas condições de saúde entre estas populações ainda ser escassa, os estudos já publicados têm encontrado resultados semelhantes (BINSWANGER et al.,2009;ARREDONDO et al.,2015;WILDEMAN; WANG,2017).

Os resultados relacionados a diabetes e hipercolesterolemia podem externar a dificuldade de acesso a serviços de saúde experimentado por presos no Brasil (ASSIS,2008). Além disso, ressalta-se que a entrada de alimentos ricos em açúcar, como chocolates e refrigerantes, é limitada dentro dos presídios, o que também pode funcionar como um fator de proteção para estas doenças.

Curiosamente, tanto o cancer (RP= 2,17, 95IC% = 1,24 – 3,79) quanto o AVC (RP= 2,20, 95IC% = 1,13 – 4,25) foram mais frequentes nas MP do que na população geral somente na faixa etária de 30 a 49 anos. Esta fase da vida é caracterizada por um momento de maiores responsabilidades com a família, principalmente com filhos. Ser presa, significa para muitas mulheres deixar de ser o apoio familiar, já que muitas são a mães solteiras e única fonte de renda (FONSECA; RAMOS,2008). Esse rompimento pode favorecer o aparecimento de diversos agravos a saúde, inclusive cânceres e AVC (COLBERT et al.,2016).

Este estudo tem algumas limitações. Primeiro, o questionário das presidiárias foi planejado para ser autoaplicado, mas devido ao baixo nível de escolaridade das participantes, houve dificuldade em manusear o equipamento e entrevistadores tiveram que auxiliar no preenchimento. Isso pode ter gerado vieses de informação tendo em vista que no ambiente prisional muitas mulheres têm medo de informar sobre questões pessoais com medo de represália da equipe da unidade e/ou problemas com seu processo judicial.

A pesquisa também apresentou importantes limitações operacionais e financeiras. Cada prisão no Brasil possui uma rotina diferente, e o Ministério da Justiça tem pouca influência no controle das unidades. A demora em contatar e acessar as unidades gerou problemas no orçamento da pesquisa. A amostra total calculada não pode ser coletada e o poder dos testes utilizados reduziu drasticamente.

Além disso, o diagnóstico preciso da hipertensão arterial e a diabetes exige procedimentos de acompanhamento dos pacientes que não foi possível nesta pesquisa. Isso afetou diretamente a detecção de casos e, possivelmente, subnotificações. Não foi possível abordar neste estudo as condições infectocontagiosas, a PNS não investigou a prevalência destas doenças.

Estes resultados podem ser usados para orientar tomadores de decisão na saúde sobre a alocação de recursos para promoção da saúde e prevenção de condições crônicas com o intuito de evitar ocorrência de novos casos e favorecer o diagnóstico e tratamento precoce das doenças e seus principais fatores de risco. O tratamento eficaz destas doenças, responsáveis pela maior parcela de morbimortalidade na sociedade atual, dentro dos presídios exige uma gestão de saúde adequada durante o encarceramento e após a transição para a comunidade.

As presidiárias carregam um estigma social quadruplicado na medida que são negras, mulheres, pobres e presas. O contato destas pessoas com o sistema prisional é uma oportunidade de saúde pública para promover a saúde nesta população vulnerável que pode não ter as mesmas oportunidades fora dele. Elevar o status de saúde das presidiárias ao mais alto nível de saúde alcançável é uma questão de respeito aos direitos humanos.

REFERECIAS

ARREDONDO, S. B.; GONZÁLEZ, A.; SERVAN-MORI, E.; BEYNON, F.; JUAREZ- FIGUEROA, L.; CONDE-GLEZ, C. J., . . . VOLKOW, P. A cross-sectional study of prisoners in Mexico City comparing prevalence of transmissible infections and chronic diseases with that in the general population. PloS one, v. 10, n. 7, p. e0131718, 2015. ISSN 1932-6203.

ARRIES, E. J.; MAPOSA, S. Cardiovascular risk factors among prisoners: an integrative review. Journal of forensic nursing, v. 9, n. 1, p. 52-64, 2013. ISSN 1556-3693.

ASSIS, R. D. D. A realidade atual do sistema penitenciário brasileiro. Revista CEJ, p. 74-78, 2008. ISSN 2179-9857.

BINSWANGER, I. A.; KRUEGER, P. M.; STEINER, J. F. Prevalence of chronic medical conditions among jail and prison inmates in the United States compared with the general population. Journal of Epidemiology & Community Health, p. jech. 2009.090662, 2009. ISSN 0143-005X.

CANAZARO, D.; ARGIMON, L. Características, sintomas depressivos e fatores associados em mulheres encarceradas no estado do Rio Grande do Sul. Cadernos de Saúde Pública, v. 26, n. 7, p. 1323-1333, 2010.

CLARKE, J. G.; WARING, M. E. Overweight, obesity, and weight change among

incarcerated women. Journal of Correctional Health Care, v. 18, n. 4, p. 285-292, 2012. ISSN 1078-3458.

COELHO, H. C.; OLIVEIRA, S. A. N. D.; MIGUEL, J. C.; OLIVEIRA, M. D. L. A.; FIGUEIREDO, J. F. D. C.; PERDONÁ, G. C.; PASSOS, A. D. C. Soroprevalência da infecção pelo vírus da Hepatite B em uma prisão brasileira. Revista Brasileira de

Epidemiologia, v. 12, p. 124-31, 2009.

COLBERT, A. M.; GOSHIN, L. S.; DURAND, V.; ZOUCHA, R.; SEKULA, L. K. Women in Transition: Experiences of Health and Health Care for Recently Incarcerated Women Living in Community Corrections Facilities. Research in nursing & health, v. 39, n. 6, p. 426-437, 2016. ISSN 1098-240X.

DOMINGUES, R. M. S. M.; LEAL, M. D. C.; PEREIRA, A. P. E.; AYRES, B.; SÁNCHEZ, A. R.; LAROUZÉ, B. Prevalence of syphilis and HIV infection during pregnancy in

incarcerated women and the incidence of congenital syphilis in births in prison in Brazil.

Cadernos de saude publica, v. 33, p. e00183616, 2017. ISSN 0102-311X.

FAZEL, S.; BAILLARGEON, J. The health of prisoners. The Lancet, v. 377, n. 9769, p. 956-965, 2011.

FAZEL, S.; BAINS, P.; DOLL, H. Substance abuse and dependence in prisoners: a systematic review. Addiction, v. 101, n. 2, p. 181-191, 2006. ISSN 1360-0443.

FAZEL, S.; YOON, I. A.; HAYES, A. J. Substance use disorders in prisoners: an updated systematic review and meta‐regression analysis in recently incarcerated men and women.

Addiction, 2017. ISSN 1360-0443.

FONSECA, L. G. D. D.; RAMOS, L. D. S. Incarcerated female: the women’s prison system of Brazil. Human Rights in Brazil 2008, Brasília, 2008.

GATES, M. L.; BRADFORD, R. K. The impact of incarceration on obesity: are prisoners with chronic diseases becoming overweight and obese during their confinement? Journal of

obesity, v. 2015, 2015. ISSN 2090-0708.

HARZKE, A. J.; BAILLARGEON, J. G.; PRUITT, S. L.; PULVINO, J. S.; PAAR, D. P.; KELLEY, M. F. Prevalence of chronic medical conditions among inmates in the Texas prison system. Journal of Urban Health, v. 87, n. 3, p. 486-503, 2010. ISSN 1099-3460.

HAUGEBROOK, S.; ZGOBA, K. M.; MASCHI, T.; MORGEN, K.; BROWN, D. Trauma, stress, health, and mental health issues among ethnically diverse older adult prisoners.

Journal of Correctional Health Care, v. 16, n. 3, p. 220-229, 2010. ISSN 1078-3458.

HERBERT, K.; PLUGGE, E.; FOSTER, C.; DOLL, H. Prevalence of risk factors for non- communicable diseases in prison populations worldwide: a systematic review. The Lancet, v. 379, n. 9830, p. 1975-1982, 2012. ISSN 0140-6736.

INFOPEN. Levantamento Nacional de Informações Penitenciarias. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Departamento Penitenciário Nacional Brasília. 2017

MARQUES, N. M. D. S.; MARGALHO, R.; MELO, M. J.; CUNHA, J. G. S. D.; MELIÇO- SILVESTRE, A. A. Seroepidemiological survey of transmissible infectious diseases in a portuguese prison establishment. Brazilian Journal of Infectious Diseases, v. 15, n. 3, p. 272-275, 2011. ISSN 1413-8670.

MCCALL, J. D.; TSAI, J. Characteristics and health needs of veterans in jails and prisons: what we know and do not know about incarcerated women veterans. Women's health issues, 2017. ISSN 1049-3867.

MINAYO, M. C. D. S.; RIBEIRO, A. P. Health conditions of prisoners in the state of Rio de Janeiro, Brazil. Ciencia & saude coletiva, v. 21, n. 7, p. 2031-2040, 2016. ISSN 1413-8123. NOLAN, A. M.; STEWART, L. A. Chronic Health Conditions Among Incoming Canadian Federally Sentenced Women. Journal of Correctional Health Care, v. 23, n. 1, p. 93-103, 2017. ISSN 1078-3458.

OLIVEIRA, J. E. P.; FOSS-FREITAS, M. C.; VENCIO, S.; MONTENEGRO JR, R. M.

Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2017-2018. São Paulo: Clannad, 2017.

Documentos relacionados