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SAÚDE DE MULHERES PRESAS NO BRASIL

Francisco Marto Leal Pinheiro Júnior1; Lígia Kerr1; Isabelle da Silva Gama1; Raimunda Hermelinda Maia Macena2; Rosa Maria Salani Mota3; Roberto da Justa Pires Neto1; Carl Kendall1,4.

1 Departamento de Saúde Comunitária, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Brasil 2 Departamento de Fisioterapia, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Brasil

3 Departamento de Estatística e Matemática Aplicada, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Brasil

4 Department of Global Community Health and Behavioral Sciences, Tulane University, New Orleans, United States.

RESUMO

Introdução: Estima-se que 41 mil mulheres vivem em unidades prisionais no Brasil. A prisão feminina está relacionada a diversos resultados adversos para a saúde. O objetivo deste estudo foi estimar a prevalêcia de diferentes morbidades e fatores de risco entre mulheres presas no Brasil. Métodos: Estudo transversal, de abrangência nacional em 15 unidades prisionais femininas brasileiras. Foram incluídas 1327 mulheres presas há pelo menos seis meses em regime fechado ou semiaberto. Os dados foram coletados através de questionário padronizado, testes rápidos e exame físico. Resultados: A média de idade foi de 33,4 anos (95% IC 32,8 – 33,9). A prevalência de sífilis foi de 11,7% (95%IC = 9,9 – 13,8), IST (51,8%, 95%IC = 48,9 - 54,6) e Asma (20,1%, 95%IC = 17,9 – 22,6), 55,8% são fumantes (95%IC = 53,1 – 58,5), 72,3% (95%IC = 69,6 – 74,7) já fizeram uso de alguma droga ilícita, 17,3% fazem uso nocivo de álcool (95%IC = 14,9 – 19,5), 92,1% (95%IC = 90,4 – 93,6) são sedentárias e 92,1% (95%IC = 90,4 – 93,6) mantêm uma alimentação não saudável. Conclusão: Mulheres presas no Brasil são afetadas, desproporcionalmente, por diversas condições de saúde adversas. Há a necessidade de um sistema de vigilância eficaz dentro do sistema prisional visando diagnóstico e tratamento precoces.

INTRODUÇÃO

A população prisional brasileira é a quarta maior do mundo, atrás apenas de EUA, China e Rússia (WALMSLEY,2015). Estima-se que, aproximadamente, 726 mil pessoas vivem em unidades prisionais no Brasil, no qual 5,6% são mulheres. A taxa de mulheres encarceradas no Brasil é de 21,7 por 100 mil habitantes (INFOPEN,2017).

Historicamente, as mulheres estiveram menos envolvidas em crimes em relação aos homens (WALMSLEY, 2015; INFOPEN, 2017; WALMSLEY, 2017). Este fato, sempre esteve associado a regras sociais e assimilação de uma ideologia patriarcal, por homens e mulheres (FONSECA; RAMOS,2008). Entretanto, a liberação feminina alcançada nos últimos anos, na medida que trouxe inúmeros avanços em todos os aspectos da mulher como ser humano e cidadã, também a deixou mais vulnerável a diversos fatores que elevam o risco de ser encarcerada (BARCINSKI,2012). Consequentemente, o número de mulheres no sistema prisional disparou e cresce mais rápido do que a população masculina em todos os continentes (WALMSLEY,2017).

A prisão feminina está relacionada a diversos resultados adversos para a saúde (ALVES et al., 2016; COLBERT et al., 2016). Estudos têm registrado elevada carga de doenças infectocontagiosas (VIITANEN et al.,2011; ARREDONDO et al., 2015), doenças crônicas não transmissíveis (HERBERT et al., 2012; NOLAN; STEWART, 2017), desordens mentais (HAUGEBROOK et al., 2010; VILLAGRÁ LANZA et al., 2011) e outros agravos a saúde (MACASKILL et al.,2011;FAZEL et al.,2017).

As investigações sobre as condições de saúde da população prisional têm enfocado, principalmente, homens presos ou ambas os sexos simultaneamente, sem focar somente nos resultados referentes as mulheres. Além disto, a maioria das evidências vem de nações de alta renda (FAZEL; BAILLARGEON,2011). Este estudo apresenta resultados do primeiro inquérito nacional de saúde de mulheres presas no Brasil.

O Brasil é um país com marcantes diferenças na rotina do sistema penitenciário nas diferentes regiões. É possível encontrar sistemas que garantem condições dignas de vida, enquanto em outros locais os presos vivem em prisões superlotadas, com alimentação de péssima qualidade, sem garantia de serviços de saúde e respeito aos direitos humanos. Em 2014, uma Política Nacional foi elaborada visando garantir o direito à saúde para todas as pessoas presas no Brasil, todavia diversas disparidades em saúde entre presos e a população geral no Brasil permanecem (MARQUES et al.,2011;MINAYO; RIBEIRO,2016).

O objetivo deste estudo foi estimar a prevalência de diferentes morbidades e fatores de risco entre mulheres presas no Brasil.

MÉTODOS

Tipo de estudo

Estudo transversal, de abrangência nacional em 15 unidades prisionais femininas localizadas nos estados do Pará e Rondônia (Região Norte), Ceará (Região Nordeste), Distrito Federal e Mato Grosso (Região Centro-Oeste), São Paulo e Minas Gerais (Região Sudeste), Paraná e Rio Grande do Sul (Região Sul). O estudo foi realizado no período entre janeiro de 2014 a dezembro de 2015, como parte do projeto intitulado Inquérito nacional de saúde na população penitenciária feminina e de servidoras prisionais.

População e amostra

Foram incluídas no estudo mulheres privadas de liberdade há pelo menos seis meses em regime fechado ou semiaberto. Foram excluídas as mulheres impossibilitadas de serem atendidas pela equipe de pesquisadores (por motivo de saúde, periculosidade ou saídas eventuais da unidade) e/ou que não tinham o português como idioma principal. Inicialmente, foram selecionados, intencionalmente, dois estados por região político-administrativa brasileira que tinham as maiores populações carcerárias femininas (INFOPEN,2017). Em seguida, os presí- dios foram estratificados de acordo com a localização (capital, região metropolitana ou interior). Foram incluídos na amostra apenas os presídios com mais de 75 detentas, devido à obrigatoriedade de possuírem serviços de saúde. O tamanho mínimo da amostra foi estimado em 2.518 residentes. Imputando acréscimo de 10%, a amostra final prevista foi de 2.714 mulheres. Contudo, devido limitações financeiras e operacionais, a amostra final coletada foi de 1.327 mulheres. O poder dos testes final foi de 67%.

Instrumentos e variáveis coletadas

Os dados foram coletados em três etapas: 1) Testes rápidos e glicemia: Os exames consistiram em testes para identificar anticorpos anti-HIV, anti-HCV, anti-HVB e treponêmico. Além disto, foi realizada glicemia capilar para diagnóstico de diabetes; 2) Exame físico: Consistiu da realização de teste de nível pressórico para estimação da ocorrência de hipertensão arterial, além de medida de altura e peso para cálculo do índice de massa corporal (IMC); 3) Aplicação de questionário versando sobre características sociodemográficas, prisionais e

epidemiológicas. Os dados foram coletados através de questionário autoaplicado, utilizando tecnologia de Audio Computer-Assisted Self-Interviewing (ACASI), que consiste na utilização de tablets para as respostas dos questionários, proporcionando às entrevistadas maior sigilo e privacidade nas respostas. A opção pelo ACASI decorre da sua aplicabilidade em pesquisas nas quais existe a necessidade de se abordar informações sensíveis, de cunho pessoal, ou mesmo relacionadas a comportamentos de risco para a saúde (SIMÕES; BASTOS,2004).

O Alcohol Use Disorders Identification Test (AUDIT) (BUSH et al.,1998) foi utilizado para a identificação dos diferentes padrões de consumo de álcool. O AUDIT é composto por 10 itens e avalia tanto o uso recente, como problemas relacionados ao consumo de álcool, além de sintomas de dependência. A classificação do consumo de álcool foi estratificada em duas categorias: baixo risco e de risco ou alto risco. O consumo de baixo risco refere-se às que obtiveram de 0 a 7 escores. O consumo de risco ou alto risco refere-se às que obtiveram acima de 8 escores após a aplicação do instrumento.

A prevalência de transtornos mentais comuns (TMC) foi estimada através do Self-

Reporting Questionnaire-20 (SRQ-20) (SANTOS et al.,2010). O instrumento é composto por 20 questões, sendo as 4 primeiras relacionadas a sintomas físicos e outras 16 sobre sintomas psicoemocionais. A aplicação do SRQ-20 permite a detecção precoce de sinais e sintomas de comprometimento da saúde mental, que incluem fadiga, insônia, irritabilidade, além de aspectos subclínicos. Por se tratar de um instrumento de rastreamento, a determinação do ponto de corte para a detecção dos casos é fundamental para a garantia da sensibilidade e especificidade. Neste estudo, adotou-se o escore mínimo de 7 respostas afirmativas do SRQ- 20, em conformidade com as orientações estabelecidas para mulheres (OMS,2002).

As definições de violência física, psicológica, sexual e moral utilizadas nesta pesquisa estão em conformidade com os conceitos adotados pela Organização Mundial da Saúde e da legislação vigente no Brasil (BRASIL,1940;2006;HERMANN,2007). As definições de violência física grave relacionam-se aos episódios envolvendo espancamento, queimaduras ou tentativas de enforcamento. As violências físicas severas relacionam-se a objetos que causaram ferimen- tos ou lesões corporais, tais como armas de fogo, agressões com facas ou instrumentos perfurocortante.

Foram consideradas sedentárias, as mulheres que relataram tempo de atividade física semanal < 150 minutos e/ou tempo de assistir televisão foi >= 3 horas. Quanto aos hábitos alimentares da entrevistada, foi considerada uma alimentação não saudável quando não incluíam consumo regular de feijão e/ou verdura e/ou frutas, conforme recomendações do Ministério da Saúde do Brasil (MONTEIRO et al.,2007).

O IMC foi determinado através das medidas de peso em kg e a altura em metro através da relação IMC=peso/altura2. O IMC foi estratificado em: Normal ou baixo peso (< 25), sobrepeso (> 25 e < 30) e obeso (>= 30) (ORGANIZATION,2000).

Aspectos socioeconômicos, como idade, grau de instrução e número de filhos, e prisionais, como tempo de prisão e tipologia do crime, também foram investigados. A raça (parda, negra, branca e amarela) foi autoreferida, obedecendo aos critérios estabelecidos no Brasil. Foi considerado crime não violento quando não houve violência ou grave ameaça, como tráfico de drogas, receptação, porte ilegal de arma e formação de quadrilha.

Análise dos dados

Os dados foram analisados utilizando os softwares SPSS® versão 20.0 e Stata® versão 15. A análise foi realizada através do módulo de delineamento complexo de acordo com o delineamento de amostragem, considerando como peso o inverso do produto das probabilidades das unidades de amostragem em cada uma das etapas do delineamento da mesma. A análise foi realizada considerando os pesos amostrais calculados para cada um dos bancos de dados utilizados na análise.

Inicialmente foi realizada uma análise descritiva dos dados. As variáveis categóricas foram descritas através de distribuição de frequência. Para variáveis contínuas, inicialmente foi aplicado o teste de Kolgomorov Simirnov, bem como elaboração de histogramas, para identificar se cada variável seguia a distribuição normal. As variáveis contínuas com distribuição normal foram expressas através de média ± desvio-padrão e aquelas que não seguiam a distribuição normal foram expressas através de mediana e intervalo interquartil.

As prevalências das morbidades e fatores de risco estudados foram expressos através de frequência relativa ponderada e respectivos intervalos de confiança (95%IC).

RESULTADOS

A amostra total foi de 1327 mulheres presas. A média de idade foi de 33,4 anos (95% IC 32,8 – 33,9), sendo 27,5 anos (95% IC 27,0 – 28,1) a média de idade do primeiro ingresso no sistema prisional.

As características sociodemográficas das mulheres são apresentadas na tabela 1. Estas mulheres são, na maioria, pardas (65,1%, 95% IC = 47,0 – 52,5), com ensino fundamento incompleto (34,7%, 95% IC = 32,0 – 37,5), sem parceiras (os) fixos (43,5%, 95% IC = 40,7 - 46,3), que antes da prisão estavam desempregadas (22,7%, 95% IC = 20,5 - 24,8) ou atuavam

no comércio (25,4%, 95% IC = 23,0 - 27,7) ou como domésticas (23,7%, 95% IC = 21,4 - 25,9), 36,5% (95% IC = 33,7 - 39,3) eram a principal fonte de renda da família antes da prisão e 81,5% (95% IC = 79,4 - 83,5) são mães.

Tabela 1 – Características sociodemográficas de mulheres presas no Brasil, 2018.

Caracteristicas % 95% IC Faixa etária (N=1327) < 30 anos 43,9 40,8 – 46,5 30 - 49 anos 47,6 44,9 - 50,7 > 50 anos 8,5 7,0 – 10,2 Raça (N=1318) Preta 15,3 13,3 - 17,6 Parda 49,8 47,0 - 52,5 Branca 31,5 28,9 - 34,2 Amarela 2,4 1,7 - 3,4 Indígena 1,0 0,6 - 1,7 Escolaridade (N=1324) Analfabeta 3,0 2,2 - 4,2

1ª a 3ª série do ensino fundamental 10,6 8,9 - 12,5

4ª a 7ª série do ensino fundamental 34,7 32,0 - 37,5

Ensino fundamental completo (terminou 8ª série ou 9º ano) 16,1 14,0 - 18,5

1º ou 2º ano do ensino médio 17,0 15,0 - 19,3

Ensino médio completo 14,9 12,9 - 17,1

Superior incompleto 2,4 1,6 - 3,6

Superior completo 1,2 0,8 – 2,0

Situação conjugal (N=1325)

Solteira e sem parceira (o) fixa (o) 43,5 40,7 - 46,3

Possui parceiro fixo 22,0 19,7 - 24,5

Possui parceira fixa 24,5 22,1 - 27,2

Casada ou união estável 10,0 8,4 - 11,9

Morou na rua (N=1326)

Não 85,8 83,7 - 87,7

Sim 14,2 12,3 - 16,3

Religião (N=1313)

Não tenho religião ou crença 14,5 12,6 - 16,6

Católica 41,6 38,8 - 44,5

Evangélica 37,8 35 - 40,6

Espírita 5,6 4,3 - 7,2

Outro 0,6 0,2 - 1,3

Ocupação antes de ser presa (N = 1321)

Não trabalhava 22,7 20,5 - 24,8

Alta funcionária do governo, dirigente, gerente ou alta funcionária de empresa 0,4 <0,1 – 0,7 Profissional de nível superior ou técnica de nível médio 1,4 0,7 - 2,0

Profissional das artes 0,8 0,3 - 1,2

Trabalhadora de serviços administrativos 2,7 1,8 - 3,5

Trabalhadora da prestação de serviços e comerciários 25,4 23,0 - 27,7

Trabalhadora de serviços domésticos 23,7 21,4 - 25,9

Trabalhadora agropecuária, florestal de caça e pesca 1,9 1,1 - 2,6 Trabalhadora manual (produção de bens e serviços industriais) 5,3 4,0 - 6,5 Ocupações mal especificadas do trabalho informal (ambulante, e etc.) 9,0 7,4 - 10,5

Outra 6,7 5,3 - 8,0

Antes de ser presa era a principal fonte de renda da família (N=1325)

Não 63,5 60,7 - 66,3

Sim 36,5 33,7 - 39,3

Atualmente, é a principal fonte de renda da família (N = 1324)

Não 88,7 86,9 - 90,4

Caracteristicas % 95% IC Participa de programas de transferência de renda (N=1311)

Não 59,4 56,5 - 62,3

Sim 40,6 37,7 - 43,5

Quais programas de transferência de renda? (N = 1311)

Bolsa família 34,0 31,4 - 36,5

Auxilio reclusão 4,2 63,4 - 68,5

Possui plano de saúde (N = 1319)

Não 91,0 89,4 - 92,5 Sim 9,0 7,4 – 10,5 Tem filhos (N = 1316) Não 18,5 16,4 - 20,5 Sim 81,5 79,4 - 83,5 % = Estimativa ponderada

Quanto as características prisionais, 68,1% (95% IC = 65,5 - 70,6) eram reincidentes, cumprindo pena por crimes não violentos fisicamente (%, 95% IC = 87,5 - 90,8), sendo 65,6% (95% IC = 62,9 - 68,3) por tráfico de drogas (tabela 2).

Tabela 2 – Características prisionais de mulheres presas no Brasil, 2018.

Caracteristicas % 95%IC

Vezes que já foi presa (N=1325)

Primária 31,9 29,3 - 34,4

Reincidente 68,1 65,5 - 70,6

Motivo que foi presa (N=1327)

Tráfico de drogas 65,6 62,9 – 68,3

Uso de drogas 3,0 2,1 – 4,3

Homicídio 8,7 7,2 - 10,4

Roubo ou Furto 17,5 15,5 – 19,8

Latrocínio (roubo seguido de morte) 2,1 1,3 – 3,1

Estelionato 2,6 1,8 – 3,7

Receptação 1,9 1,2 – 2,8

Formação de quadrilha 3,1 2,2 – 4,3

Aliciamento 1,5 0,8 – 2,5

Porte illegal de arma 1,5 0,8 – 2,5

Caracterização do crime quanto a violência (N = 1316)

Não violentos fisicamente 71,3 68,7 – 73,9

Violentos fisicamente 28,7 26,1 – 31,3

Quantas dividem cela (N=1324)

Nenhuma 1,0 0,6 - 1,7 1 a 2 10,7 9,2 - 12,4 3 a 5 20,2 18,2 - 22,3 6 a 10 14,3 12,6 - 16,1 11 a 19 35,1 33,0 - 37,2 20 ou mais 18,8 17,4 - 20,3 Estuda na prisão (N=1327) Não 71,3 69,0 - 73,7 Sim 28,7 26,4 - 31,1

Trabalha remunerado na prisão (N=1326)

Não 58,6 55,9 - 61,4

Sim 41,4 38,6 - 44,1

Quem visita na prisão (N=1327)

Ninguém 32,3 29,7 - 35,1

Cônjuge ou companheiro 12,1 10,4 - 14,1

Caracteristicas % 95%IC Mãe 33,2 30,5 – 36,0 Pai 6,4 5,1 – 8,0,0 Irmãos 23,7 21,2 - 26,2 Outro parente 8,1 6,7 - 9,7 Amigos ou Amigas 4,6 3,6 - 5,8 Sogra 2,1 1,5 - 3,1

Recebe visita íntima (N=1315)

Não 90,0 88,2-91,5

Sim 10,0 8,5-11,8

Estava gestante durante a prisão (N=1324)

Não 99,3 98,6-99,7

Sim 0,7 0,3-1,3

Já foi colocada em cela de isolamento (N=1327)

Não 70,0 67,4-72,5

Sim 30,0 27,1-31,8

% = Estimativa ponderada

A tabela 3 apresenta a prevalência diferentes morbidades e fatores de risco a saúde de mulheres presas no Brasil. Mais de 60% das mulheres consideram sua saúde muito boa ou boa. Apesar disto, foi possível identificar elevada prevalência de sífilis (11,7%, 95%IC = 9,9 – 13,8), IST (51,8%, 95%IC = 48,9 - 54,6) e Asma (20,1%, 95%IC = 17,9 – 22,6) (tabela 3).

Em relação aos fatores de risco, 55,8% são fumantes (95%IC = 53,1 – 58,5), 72,3% (95%IC = 69,6 – 74,7) já fizeram uso de alguma droga ilícita, 17,3% fazem uso nocivo de álcool (95%IC = 14,9 – 19,5), 92,1% (95%IC = 90,4 – 93,6) são sedentárias e 92,1% (95%IC = 90,4 – 93,6) mantêm uma alimentação não saudável (tabela 3).

Tabela 3 – Prevalência de doenças e fatores de risco à saúde entre mulheres presas no Brasil, 2018.

Variáveis % 95%IC

Percepção do estado de saúde (N=1322)

Muito bom/Bom 60,3 57,5 – 63,0 Regular/Ruim/Muito ruim 39,7 36,9 – 42,5 Doenças infectocontagiosas HIV (N=1288) 2,3 1,6 – 3,2 Sífilis (N = 1115) 11,7 9,9 – 13,8 Hepatite B (N=1288) 0,3 0,1 – 0,9 Hepatite C (N = 1288) 1,9 1,3 – 3,0

Teve sintomas de IST 51,8 48,9 - 54,6

Tuberculose (N=1269) 0,9 0,5 – 1,7

Hanseníase (N=1322) 7,4 6,1 – 9,0

Fatores de risco para doenças infectocontagiosas

Tem conhecimento sobre transmissão do HIV (N=1327) 36,3 33,6 – 39,0 Uso de preservativo com todos os parceiros nos últimos 12 meses antes de

entrar na prisão (N=453) 9,6 7,2 – 12,8

Doenças e agravos crônicos não-transmissíveis

Doença cardiovascular (N=1230) 6,2 4,9 – 7,9

Diabetes (N=1221) 3,0 2,2 – 4,2

Asma/bronquite asmática (N=1310) 20,1 17,9 – 22,6

Acidente vascular cerebral (N=1312) 1,4 0,8 – 2,3

Câncer (N=1298) 2,2 1,5 – 3,3

Variáveis % 95%IC

Hipertensão arterial (N=1293) 24,2 21,9 – 26,7

Hipercolesterolemia (N=1152) 6,0 4,7 – 7,6

Fumante atual (N=1324) 55,8 53,1 – 58,5

Ex-fumante (N=1324) 15,0 13,1 – 17,1

Fumante passivo (Apenas não fumantes ativos, N=562) 62,3 59,5 – 65,0 Uso de álcool (N=1262)

Consumo de risco 20,2 17,9 – 22,7

Uso nocivo/alto risco/provável dependência 17,3 14,9 – 19,5

Uso de drogas ilícitas na vida (N=1325) 72,3 69,6 – 74,7

Sedentarismo (N=1312) 92,1 90,4 – 93,6

Alimentação não saudável (N=1318) 92,1 90,4 – 93,6

Sobrepeso 34,5 31,7 – 37,3

Obesidade 26,3 23,8 – 29,0

Violência sexual sofrida antes da prisão (N=1320) 29,9 27,3 – 32,6 Violência sofrida na prisão pela própria presa ou por uma colega

Violência moral (N=1297) 41,6 38,9 – 44,4

Violência psicológica (N=1292) 43,2 40,4 – 45,9

Violência física leve (N=1327) 52,2 49,5 – 54,9

Violência física grave (N=1327) 36,4 33,8 – 39,0

Violência física severa (N=1327) 28,3 25,8 – 30,8

Violência sexual (N=1324) 16,5 14,6 – 18,8

Saúde mental

TMC (N=1319) 64,2 61,5 – 66,9

% = Estimativa ponderada

DISCUSSÃO

Caracteristicas sociodemográficas e prisionais

As características sociodemográficas e prisionais da mulher presa no Brasil revelado nesta pesquisa não difere de outros estudos nacionais abrangentes (KENNEDY et al., 2013; KELLY et al.,2014). Essas mulheres são jovens (43,9%tem menos de 30 anos), pretas ou pardas (65,1%), sem garantia de visita íntima (90,0%) e mães (81,5%). Elas carregam um estigma social quadruplicado na medida que são negras, mulheres, pobres e presas (BRAITHWAITE et al., 2008).

Além disso, elas apresentam baixo grau de escolaridade (48,3%). Baixo nível de educação antes do encarceramento é fortemente associada a mais problemas de saúde para as mulheres e homens e tal associação é mais forte entre as mulheres (NOWOTNY et al., 2016). Estudo realizado nos Estados Unidos indicou que incrementos em anos de estudo representa uma redução na escala de morbidade dos presos e que o efeito de um ano de educação adicional entre as mulheres é mais de quatro vezes o tamanho do efeito comparável entre os homens (NOWOTNY et al.,2016).

As mulheres presas, assim como os homens presos, advêm das camadas menos favorecidas da sociedade, com os menores índices de escolaridade e renda. Para Freixo (2016),

esta é justamente a função social da prisão no Brasil. Para ele somente o crime cometido pelo jovem pobre, negro, morador de periferia é punido com a privação da liberdade, porque não existe investigação no Brasil, so se prende quem está sendo vigiado e só se vigia aquilo que se teme. Assim, vigia-se os pobres, criminaliza-se a pobreza e utiliza-se o sistema penitenciário como um instrumento decisivo para manutenção da ordem. É isso que explica as prisões superlotadas, mesmo sem uma estrutura investigativa nas nossas polícias. As prisões são eficazes porque sustentam uma ordem criminalizante, uma ordem social e política que sem ela não seria mantida (FREIXO,2016).

Identificou-se que 71,3% das mulheres estavam presas, condenadas ou acusadas, por algum crime não violento, sendo 65,6% por tráfico de drogas. Junta-se a isto, os presos provisórios (sem julgamento, 40% do total) (INFOPEN,2017), mulheres gestantes (10,0% neste estudo), mulheres com filhos menores de 12 anos e mulheres extremamente doentes. De acordo com o código de processo penal brasileiro (BRASIL,1941), todo este contingente de pessoas poderia estar cumprindo alguma medida cautelar, como a prisão domiciliar, tão comum entre presos abonados.

Diversos fatores estão envolvidos na dificuldade de presos conseguirem medidas cautelares: 1) O trabalho informal: De acordo com o código penal, é necessário que o investigado ou acusado tenha trabalho fixo (BRASIL,1941). Devido, principalmente, a baixa escolaridade, a grande parcela dos presos está no mercado informal ou não trabalham. Nesta pesquisa, 22,7% estavam desempregadas antes de serem presas, e mais de 30% relatavam alguma atividade informal. 2) Necessidade de comprovar residência fixa (BRASIL, 1941): Muitas pessoas não têm endereços formais, outras moram em áreas dominadas pelo tráfico, onde oficiais de justiça não entram. Assim, fica inviável comprovar residência fixa, consequentemente, não há como cumprir prisão domiciliar. Eles acabam indiretamente condenados pelo fato de morarem em áreas informais, como favelas (BORGES,2017); 3) Para presos doentes a maior dificuldade é ter acesso ao laudo médico quanto contam apenas com médicos do sistema único de saúde. Os médicos do sistema penitenciário relutam em afirmar que não há condições técnicas de determinados internos (BORGES, 2017); 4) O acesso a advogados que possam se dedicar adequadamente ao caso é essencial para liberação de medidas cautelares, mas custam caro e estão fora da realidade financeira da maioria dos presos no Brasil.

Diante deste fato, Julita Lemgruber afirma: “O pobre, o negro, aquele que depende da defensoria, mesmo quando acusado de crimes não violentos, vai mofar na cadeia. Agora, se você pertence à elite, mesmo quando acusado de crimes que hoje surpreendem a nação, mesmo essas pessoas acabam recebendo prisão domiciliar. Assim o judiciário cumpre o papel que a

elite espera dele: manter preso o negro pobre e manter liberto o membro das elites” (BORGES, 2017).

A prisão de uma mulher impacta negativamente, tanto a mulher, quanto a família. Do ponto de vista financeiro, 36,5% das mulheres eram a principal fonte de renda da família, e 11,3% permaneceram como principal fonte de renda após a prisão, mesmo recebendo salários ínfimos com trabalhos dentro das unidades prisionais. O encarceramento diminui as contribuições financeiras que os indivíduos podem fazer enquanto encarcerados (COMFORT, 2007;GELLER et al.,2011). Além disso, o encarceramento exacerba as dificuldades financeiras que já são esperadas para estas famílias, uma vez que terão que prover seu ente preso de diversos recursos (BINSWANGER et al.,2007).

A história é ainda mais complicada quando estas mulheres são mães. No estudo, 81,5% eram mães. Recentemente, foi apontado que filhos de mães privadas de liberdade possuem piores níveis de saúde e educação e muitos destes efeitos adversos irão perpetuar durante toda a adolescência e vida adulta destas crianças (WILDEMAN; WANG,2017).

As relações familiares mudam necessariamente quando uma mulher está encarcerada. Enquanto em muitos casos as mulheres são afastadas (devido os presídios femininos serem escassos e longe das cidades de residência das presas) ou abandonadas pela família, essas conexões se tornam ainda mais importantes para as mulheres na prisão (MIGNON, 2016). Somente 32,3% das mulheres relataram receber visitas nas prisões. Mulheres presas que mantém contato com membros da família, principalmente crianças, tendem a melhor se “ressocializar” (MIGNON,2016).

Doenças infectocontagiosas e seus principais fatores de risco

As doenças infectocontagiosas, em especial o HIV/AIDS, têm sido durantes os últimos 30 anos, as questões de saúde mais estudadas entre presos no mundo todo (FAZEL; BAILLARGEON,2011). Este estudo encontrou elevada prevalência destes eventos, com destaque para a prevalência de sífilis (11,7%) e sintomas de IST (51,8%).

Estes achados estão em concordância com as práticas sexuais de risco, dentre outros fatores, que elevam o risco de presos contraírem alguma destas doenças (KHAN et al.,2015). Nesta pesquisa, o uso de preservativo nas relações dos últimos doze meses foi relatado por apenas 9,6% das mulheres.

O risco de infecção por HIV na população privada de liberdade é mais alto do que na população fora do ambiente prisional (DOLAN et al.,2007;BEYRER et al.,2016;DAS; HORTON, 2016). Uma análise da prevalência do HIV em prisões em 75 países de baixa e média renda,

mostrou que o HIV ultrapassou 10% em 20 destes países (DOLAN et al.,2007). Alguns fatores como a pobreza (OJIKUTU et al., 2016) e baixo nível de escolaridade (FREIRE, 2017), tão frequentes nesta população, parecem ser importantes determinantes deste risco.

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