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Um artigo: MEMÓRIAS DE UM ALUNO DAS AEC’S

MEMÓRIAS DE UM ALUNO DAS AEC’S

Eu sou o Zé sem cuidados! Ando no 4º ano numa escola bem dentro de Trás-os- Montes.

No outro ano não gostava muito de a frequentar. Eu até simpatizava com a minha professora e aprendia coisas novas, mas o ambiente escolar não era lá muito do meu agrado.

É verdade que eu fazia muitas asneiras! Mas os outros também as faziam; talvez ainda piores e as culpas caíam quase sempre no Zé. Isto custava-me muito, acreditem!

A minha vontade era mesmo portar-me mal de verdade. Todos berravam comigo: professores, empregadas e até pessoas de fora.

O meu sentimento de raiva na escola, era ainda mais forte do que lá em casa. Vivo apenas com a minha mãe e os meus avós maternos, mas no ano passado, o meu dia - a - dia era como se vivesse numa família de ciganos de fracos saberes, como dizia o meu pai noutros tempos.

Às vezes a minha avó ia à escola quando a minha professora principal mandava recados na caderneta. A minha mãe não podia, já que era pouco o tempo que estava comigo.

A minha avó, coitada, apesar da idade, até entendia os problemas, mas a minha mãe dizia que a educação em Portugal estava uma desgraça.

Nas Actividades de Enriquecimento Curricular é que era o fim do mundo!

Os professores tentavam ser meus amigos. Deixavam-me fazer tudo para eu não me portar mal, mas eu fazia tudo, menos o que eles pretendiam.

Este ano parece que alguma coisa está a mudar! Tenho alguns professores novos. Há um ambiente mais fresco e sossegado na escola.

Apesar de alguns colegas como eu terem ido para o 5º ano, tenho o meu professor principal que é um espectáculo! Ele é meu amigo; eu faço o que ele acha que é melhor para mim.

No princípio foi difícil adaptar-me, porque não estava nada habituado assim. Há dias, quando falámos na revolução do 25 de Abril, é que eu entendi o verdadeiro valor da Democracia.

Eu penso que na minha sala de aula, trabalho de uma maneira realmente democrática. O meu professor diz que deveria ser assim sempre e em todo o lado. Se eu quiser ir à casa de banho, eu vou sem ser necessário pedir licença. Se precisar de ir à mesa de outro colega, ou afiar o lápis, eu vou. Se tiver necessidade de ajuda, ou de falar, também posso. O que o meu professor quer é muito pouco e é exactamente isso que eu às vezes não cumpro: só quer que eu fale baixinho! Se falar alto, não deve ser ao mesmo tempo que os outros.

Em anos anteriores fazia birras, era preguiçoso, mesmo em bons momentos de aula. Agora sinto-me diferente; parece que a educação está a entrar em mim, até quando estou a brincar.

Mas eu sei que há quem não esteja de acordo com o meu professor principal! Ele está quase sempre onde eu preciso: no meu lugar, no refeitório, ou no recreio!

Quando me porto bem e acompanho as lições, também me faz festinhas na cabeça e elogia-me na turma. No início do ano disse que tinha “duas caras”, mas eu estou a fazer com que me mostre sempre “ a cara boa”.

Ele sabe e procura saber tudo o que se passa, mesmo não estando lá. O seu desejo é que certos acontecimentos negativos sejam resolvidos sem serem necessários castigos que eu não aceito lá muito bem.

Ele tem dito à minha avó que estou a melhorar o meu comportamento e é verdade. Agora sinto-me mais confortável e interessado, apesar de continuar a fazer algumas malandrices nas AEC’S. Quando me passa um não sei o quê pela cabeça, ainda faço umas asneirolas que nem ao diabo lembra e minto! Se o meu professor principal sabe, não me perdoa; e castiga-me mesmo e com razão!

Mas dou-me melhor com todos. Estou a começar a perceber que já não é só o Senhor Jesus que compreende as minhas necessidades e os meus desejos.

Como o meu professor principal é supervisor destas actividades, gosta sempre de receber boas notícias e verdadeiras. Quando lhe dizem que tudo corre bem, fica contente, mas vai perguntar a outras pessoas se não lhe estão a esconder nada.

Nas AEC’S gostava de me portar bem como nas outras aulas, mas a minha relação com os professores ainda é muito não sei como! Ainda faço muito barulho e pouco trabalho. Eu queria que todos vissem que preciso de tempo para brincar e para viver melhor! Eu queria trabalhar e viver a sério com quem eu gosto e portando-me bem como me pedem!

O meu professor diz que na escola somos todos iguais, por isso devemo-nos respeitar uns aos outros. Mas eu ponho a memória de férias e pronto! Eu devia entender que as AEC’S nasceram para eu aprender coisas diferentes e divertir-me mais um pouco com essas actividades. Eu penso que a escola tem feito muito para isso, mas eu ouço lá em casa e às vezes na rua que está tudo na mesma.

O meu professor principal quando recebe más notícias sobre o desenvolvimento destas actividades, vejo que fica muito aborrecido e quase sem forças para continuar. Até parece que o querem culpar de tudo o que acontece.

Mesmo assim, acho que ele continua a fazer tudo, para que tudo corra melhor com todos nós.

Quando é preciso, deixa-se ficar na escola e entra nas aulas destas áreas para pedir ajuda.

Na preparação da festa de Natal, gostei tanto de o ver naquelas aulas a preparar as canções, a ensaiar as pecinhas de teatro e a ajudar-me a decorar as poesias!

Para o desfile de Carnaval, até algumas mães e outras pessoas, vieram ajudar-nos a fazer os trajes.

Foram tão bonitos esses momentos! Eu estava ali, no meio dos colegas a trabalhar em grupo, completamente esquecido das asneiras que faço.

Eu sei que sou uma criança difícil como muita gente diz, mas sou capaz de entender o que muitos dos meus colegas não querem.

A minha turma tem participado em actividades organizadas pelas AEC’S.

O meu professor principal continua a fazer um esforço muito grande para o seu bom funcionamento. Os professores já o disseram nas suas aulas, mas há quem não pense assim.

Sem que ninguém me tenha dito nada, eu penso que na minha escola: - Já não existem aquelas barafundas de outros tempos.

- Está tudo mais asseado e o recreio mais limpinho. - Há muito mais cuidado com as instalações e materiais. - Toda a gente que trabalha na escola, se entende melhor.

- Todos os alunos das duas turmas, já são capazes de construir mais entendimento e muita amizade.

- Eu já não sou aquele estraga - compassos, parte - lupas ou entope – flautas, de outros tempos!

As aulas das AEC’S têm decorrido com alguma normalidade, excepto numa área onde aconteceram umas “coisinhas” menos agradáveis, mas que todos estamos a tentar resolver.

Eu percebo que os professores das AEC’S até gostavam de brincar mais comigo, como faz o meu professor principal, mas quando dizem uma piadinha, eu abuso e já ninguém tem mão em mim.

Antes de entrar para a aula, já sei o que vai acontecer e começo logo a desviar-me dos assuntos do professor e há muito quem me acompanhe. Eles bem nos mandam calar e às vezes berram mas não adianta!

Também entendo que todos os professores gostavam de me ensinar mais música, um pouquinho de Inglês, de me levar a praticar mais desporto e outras coisas. Oh! Como eu gostava de fazer mais jogos e jogar mais futebol no polivalente!

Às vezes até parece que o que é bom se deixa levar pelo mal e lá vou eu também na embrulhada.

Eu gostava de ser melhor, acreditem! Sinto dentro do meu coração que os professores, empregadas e alguns colegas, estão a contribuir para o meu bem-estar na escola, na família e na sociedade. Vejo aqui dentro de mim, pertinho do meu coração, aquela bondade e alegria que eu preciso para ser feliz!

Agora estou a ajudar a construir o nosso gerador eólico, nas aulas de Área de projecto. Nas AEC’S passo muito tempo a ver onde está a ser gravado o meu trabalho. Sinto-me tão bem, tão bem, que já nem sei portar-me mal. Começo a chamar os meus colegas da outra turma, que às vezes têm as actividades connosco, para apreciarem a beleza do meu empenhamento neste trabalho.

Eu vou acreditar em mim e nos outros! A minha vida vai melhorar em toda a parte! Eu vou acreditar que, sem ir à presença do rei, vou deixar de ser o “Zé Sem Cuidados” e ser chamado pelo meu nome verdadeiro.

O aluno,

Zé Sem Cuidados

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