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2 VISÕES EM CONFLITO: PARTICULARIDADES DE UMA REGIÃO

2.2 AS AÇÕES INSTITUCIONAIS DO ESTADO ATRAVÉS DO DNOCS, E A

As tentativas do Estado, desde o século XIX, de solucionar os efeitos da seca do sertão nordestino tiveram como foco central o combate às suas consequências, ou à sua existência. Data de 1918, por exemplo, o primeiro debate sobre a possibilidade de transposição das águas do rio São Francisco, principal rio da região Nordeste e único permanente do sertão (CABRAL, 2011). Divididas em medidas de curto, médio e longo prazo, todas tinham como objetivo o

enfrentamento ao clima natural da região através de estratégias como transferência da população sertaneja para outras regiões, criação de empregos através da industrialização das áreas urbanas ou de frentes de trabalho, construção de infraestrutura para armazenamento de água, tais como açudes e poços, criação de instituições locais com objetivos específicos, planos de ação interministerial etc. (CHILCOTE, 1990).

Foram duas as principais instituições do Estado que desenvolveram estas ações: o DNOCS, oriundo do Instituto Federal de Obras Contra as Secas – IFOCS, antes chamado de Inspetoria de Obras Contra as Secas – IOCS; e a SUDENE, fundamentada nas discussões realizadas pelo Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste – GTDN, e criada no governo Juscelino Kubitschek como um modelo do programa desenvolvimentista daquele período. Ambas as instituições passaram por grandes reformulações, mas ainda continuam em atividade como autarquias federais vinculadas ao Ministério da Integração Nacional do Governo Federal (CABRAL, 2011; CAVALCANTI et al., 2014).

Instituição mais antiga a atuar no Nordeste, o DNOCS surgiu em 1909 sob o nome de IOCS, tornando-se IFOCS dez anos depois e recebendo a nomenclatura atual somente em 1945. Seu principal objetivo era a realização de estudos para a resolução dos problemas da seca no Nordeste, principalmente na área denominada Polígono das Secas, adotando, para isso, quatro políticas: favorecimento de áreas e obras para o combate às secas e inundações (principalmente através da construção de açudes); irrigação; transferência da população para áreas de irrigantes ou localidades abrangidas por estes projetos (colonização); e outras ações determinadas pelos Governo Federal nas áreas de saneamento, assistência às populações vítimas de calamidades públicas e ações de parceria com os municípios (CAVALCANTI et al., 2014; CHILCOTE, 1990; DNOCS, 2013).

A categoria Polígono das Secas foi criada a partir da Lei nº 175, de 7 de janeiro de 1936, mediante delimitação de espaço para atuação do então IFOCS, e caracterizava a região do Nordeste de mais baixa pluviosidade e mais suscetível às secas e seus efeitos, reunindo municípios do Sertão e do Agreste (BRASIL, 1936). A distinção deste espaço, então chamado de Poligonal, foi feita com o objetivo de direcionar recursos, obras e demais ações específicas em consequência de suas características climáticas. Após o Decreto-Lei Nº 8.486, de 28 de dezembro de 1945, os limites do Poligonal passaram a determinar a área de atuação do DNOCS. Em 13 de setembro de 1946, através do Decreto-Lei Nº 9.857, e novamente em 10 de fevereiro de 1951, a partir da Lei Nº 1.348, a área do Polígono das Secas foi redefinida, ampliando-se o número de municípios.

Em 11 de dezembro de 1968, em virtude do Decreto Nº 63.778, somente poderiam ser incluídos os municípios, na área denominada Polígono das Secas, criados através do desmembramento de outros municípios já inseridos neste espaço; e passaria a ser responsabilidade da

(...) Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE verificados os pressupostos de fato e observado o disposto neste Decreto, declarar, em ato do Superintendente, quais os Municípios considerados como pertencentes ao Polígono das Sêcas nas condições e para os efeitos do artigo 2º, da Lei nº 4.763, de 30 de agôsto de 1965 (BRASIL, 1968).

Em 1989, a área designada Polígono das Secas passou a ser parte de um novo recorte político-geográfico, denominado Semiárido brasileiro, o qual será discutido adiante. Desde então, o primeiro termo caiu em desuso dando lugar aesta nova nomenclatura (CODEVASF, 2010).

Definida a área de atuação do DNOCS, as primeiras ações dessa instituição tinham como fim a realização de estudos, os quais foram de caráter bastante geográfico e científico, com o objetivo central de compreender a região, seus problemas e potencialidades, e elaborar um diagnóstico que fundamentasse um plano de ações. Foram montados, então, programas de pesquisa que tiveram como protagonistas diversos profissionais, brasileiros e estrangeiros, principalmente oriundos das engenharias. Como resultado, foram elaboradas as primeiras cartografias da região, voltadas principalmente para a formação de um resumo sobre suas particularidades geográficas, tais como capacidade hídrica, pluviometria média, tipos de solos etc. (DNOCS, 2013).

Tendo seu diretor indicado diretamente pelo Governo Federal, foi marcante no DNOCS, como em muitas instituições governamentais, a quebra de atividades em virtude dos diferentes interesses e objetivos de cada plano de governo. Assim, logo em seus primeiros anos, em virtude de sucessão presidencial, o DNOCS sofreu uma grande mudança, passando a ser a construção de obras o seu principal objetivo, sem necessariamente realizarem-se estudos mais empíricos. As ações de combate à seca gestadas pela instituição se dividiram em duas linhas: uma de curto prazo e outra de médio e longo prazo. As medidas de curto prazo se resumiam à oferta de empregos pelo Estado através da criação de frentes de trabalho para a execução de grandes obras públicas (abertura, construção e conserto de estradas, etc.). Já as medidas de médio e longo prazo se concentravam no represamento de água através da construção de açudes, os quais diminuíam os efeitos da seca sobre a criação animal, mas em quase nada alteravam suas

consequências sobre a agricultura de subsistência. Como resultado, ambas as linhas de ação potencializaram a fixação dos moradores às suas localidades, agravando, segundo a SUDENE, o problema da sobrecarga demográfica. “Não há como escapar à conclusão de que toda e qualquer medida que concorra para aumentar a carga demográfica, sem aumentar a estabilidade da oferta de alimentos, está contribuindo em última instância para tornar a economia mais vulnerável à seca” (SUDENE, 1967, p. 70).

Foi principalmente no anos 1950, no governo Juscelino Kubitscheck, que o DNOCS passou a ter como um de seus objetivos a implementação dos perímetros irrigados, que partia de uma política de desapropriação da terra para estruturá-la e disponibilizá-la ao assentamento de colonos. Após o golpe militar de 1964, o DNOCS assume um caráter clientelista na escolha dos colonos, respondendo a interesses políticos particulares que já vinham ocorrendo com a política de açudagem e através do apossamento do departamento pela oligarquia local, como mais tarde seria denunciado através do escândalo da “Indústria das Secas” (CABRAL, 2011; CALLADO, 1960).

Esse termo foi criado por Antônio Callado, que publicou uma série de reportagens denunciando as formas pelas quais os grandes latifundiários transformavam os problemas decorrentes da seca em um lucrativo negócio. Segundo Callado (1960), os açudes e vias construídas pelo DNOCS acabavam por não atender os interesses da população rural realmente necessitada, mas os interesses diretos dos grandes proprietários, sendo construídos açudes, inclusive, dentro de suas propriedades para uso particular2. Outro fator denunciado foi a exploração dos trabalhadores rurais, os quais eram submetidos a condições de trabalho precárias e tinham parte significativa de seus direitos violados (CALLADO, 1960; CHILCOTE, 1990).

Tais questões resultaram em um conflito ideológico interinstitucional entre o DNOCS e a SUDENE, após a criação desta última. Com o objetivo de definir as áreas de atuação destas duas instituições, o Estado separou as ações de supervisão e coordenação, ficando a cargo da SUDENE, das ações de execução, operação e manutenção de projetos, estas passando a ser reponsabilidade do DNOCS. Tal questão determinou uma discrepância de propostas entre as instituições, resultando em constantes tensões e atritos entre elas. As ações de irrigação/colonização, por exemplo, acima citadas, foram projetadas pela SUDENE, cabendo

2 Para Celso Furtado, a seca era, sobretudo, um negócio. “Como já disse, há a indústria da seca, gente que ganha

com a seca, porque ela significa muito dinheiro do governo chegando para o comércio, para financiar as frentes de trabalho etc. A seca é um negócio. Na Paraíba, por exemplo, havia as fortunas feitas pela seca; diversas fortunas de Campina Grande decorriam de vantagens públicas. Isso mostra a ligação entre a máquina política, o controle da administração...” (FURTADO, 1998, p. 25).

ao DNOCS a sua implementação, o que resultou numa modificação das ações que eram suas principais bandeiras: a açudagem e a viação (CHILCOTE, 1990; DNOCS, 2013).