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5 HISTÓRIA E FORMAÇÃO DO ASSENTAMENTO LYNDOLPHO SILVA

5.3 O ASSENTAMENTO LYNDOLPHO SILVA E A “CONQUISTA” DA TERRA

5.3.1 O papel de liderança de dona conceição

Dona Conceição chegou ao assentamento em 2009. Filha de Dona Neném, assentada do tempo de barraco, mudou-se para cuidar de sua mãe que já não conseguia exercer as ações necessárias para o trabalho de criação de animais e produção de alimentos. Chegou já na finalização das casas da vila, tendo ainda uma irmã como moradora do assentamento, mas titular de outro lote; essa irmã, entretanto, faleceu. Ao chegar, logo se aproximou da associação e montou um bar/mercearia. Passou, ainda, por uma série de dificuldades no assentamento em virtude da pouca estrutura que ele possuía, e ainda possui.

(...) quando eu cheguei em 2009, Rafael, a dificuldade daqui ainda era muito grande. A gente era abastecido de carro-pipa. Passamos muita sede. E aí as dificuldades se acrescentando. Os moradores não tinham uma assistência médica. Aliás, não tinham nada. As casas ainda mal construídas, algumas não terminadas. Quando eu cheguei algumas até faltavam piso, né, para fazer o piso no chão. E aí foi quando eu resolvi nessa época vir embora pra cá, [para ficar] com minha mãe. Eu trabalhava na cidade, fiz acordo e vim embora para ficar com ela (Dona Conceição).

Sentindo as dificuldades que a associação encontrava para acessar programas ou dialogar com instituições como o INCRA, em 2011 Dona Conceição montou uma chapa para concorrer às eleições e saiu vitoriosa. Foi exatamente a partir desse ano que o assentamento iniciou uma série de movimentações em busca de organização interna, diálogo com instituições, participação ativa junto aos movimentos sociais e sindicais, participação no Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável – CMDRS, acesso a programas sociais e produtivos etc. Apesar de não ser oriunda da luta, e não ter feito parte do tempo de barraco, Dona Conceição aprendeu no próprio processo de busca os caminhos para potencializar o assentamento. Foi a partir de sua gestão, inclusive, que os assentados afirmam que pararam de “esperar ações para buscá-las”, reconhecendo-as como “direitos, e não favores”.

Em 2012, Dona Conceição substituiu sua mãe como titular do lote em que reside. Em 2013, mais uma irmã de Dona Conceição passou a residir no assentamento, substituindo uma

vaga e tornando-se titular de outro lote junto a seu marido, lote este vizinho ao de Dona Conceição e sua mãe. Também em 2013 concorreu à reeleição para o cargo de presidente da associação, e novamente foi eleita. Em 2015, fez parte de uma chapa para eleição, mas desta vez como tesoureira, respeitando o estatuto que só permite duas gestões seguidas. Ao final de 2017, assumiu novamente a presidência da associação, contra a vontade de parte de sua família, que sepreocupa com sua saúde, mas com ampla aprovação dos associados.

Desde que chegou ao assentamento, portanto, Dona Conceição assumiu um papel de liderança e mediação entre o Lyndolpho Silva e as instituições e movimentos locais de Petrolina. Todas as questões da associação ou decisões coletivas são levantadas ou passam por ela. As buscas de programas, financiamentos e créditos são feitos, por vezes, a partir de esforços próprios, situação em que a líder tira dinheiro de seu próprio bolso e cobra a participação de associados. “(...) eu gosto daqui. É uma tal de uma Conceição que fica lhe aperreando para ir na rua atrás das coisas, e o jeito é ir, mas eu gosto de ficar aqui. Conceição faz falta. Conceição se passar hoje ou três dias, dá saudade. Aí tem ir é para Conceição mesmo. Não tem jeito. Tem que ir” (Dona Nilda).

O reconhecimento dos assentados com relação aos esforços e a luta de Dona Conceição é grande. Muitos dos programas que acessam ou das melhorias do assentamento são atribuídos diretamente à ela, desde Bolsa Família e Aposentadoria Rural, passando por resoluções burocráticas tais como substituição de nome na RB, até acesso ao Garantia Safra, Fomento e Pronaf A. Tal conhecimento se deu justamente por frequentemente representar o assentamento em reuniões com outros assentamentos, com instituições etc., aprendendo a lidar com todos estes tipos de situações e as formas para tal, e participando externamente e desenvolvendo internamente espaços de compartilhamento de conhecimentos, tais como os espaços sociotécnicos locais discutidos por Sabourin (2009a).

(...) graças a Deus que Maria Perninha [se referindo a Dona Conceição] arranjou essa Compesa [refere-se à água encanada]. Correu, correu, correu e conseguiu essa Compesa aí e aliviou. Aliviou porque a gente sabe que vai pagar e pagar caro, mas a gente sabe que tem. Não precisamos estar nos humilhando a políticos para eles mandarem uma carrada de água. Mas graças a Deus nós estamos aí. Estamos aí, estamos tentando (Dona Nilza).

Conhecedora de uma série de questões envolvendo normas, direitos e deveres da relação entre o assentamento e o INCRA, Dona Conceição é bastante crítica à instituição. Ao longo dos anos, travou várias discussões com os representantes institucionais, criticando sua inércia na

resolução de questões simples e morosidade para resolver demandas mais complexas. Defensora da autonomia dos agricultores em seu processo produtivo, sempre que tem possibilidade cita os debates realizados em reuniões reprovando a tutela desinteressada do Estado realizada através do INCRA, principalmente por gerar um processo de dependência que dificulta a busca por ações.

(...) o Incra foi quem passou displicente esse tempo todo, e não deu a mínima das importâncias, sabe? Na verdade, tiveram duas reuniões que eu não sei nem como eles não me levaram e não me prenderam por causa do tanto de absurdos que eu disse. Só que eu não me arrependi não. (...) Não estão nem aí com os problemas dos mais fracos, certo? E deixe eu dizer uma coisa a vocês: “se não fosse por nós, lá, pelo pequeno agricultor, vocês morriam de fome (...)”. Tem servidor lá dentro que não está nem aí para os nossos problemas. Não está nem aí (Dona Conceição).

É do papel de liderança de Dona Conceição também que surge uma estratégia de animação dos assentados para enfrentamento das dificuldades e manutenção da esperança de dias melhores. É comum, por vezes, encontrar e ouvir lamentações com a demora das ações, ineficácia de determinadas práticas, dificuldades etc., o que acaba por gerar um clima de desânimo entre os assentados, tendo como consequência o surgimento de uma descrença total no Estado, nas instituições, nos programas e até na associação. Como resultado disso, os assentados resistem a programas como o PAA, a frequentar e manter-se em dia com a associação, a buscar novas estratégias etc. Dona Conceição, então, assume uma papel de mediadora, animadora e motivadora, conversando com todos e sempre incentivando suas ações e integrações (MENDRAS, 1978).

O Incra, ele mostra um interesse muito pequeno por a gente. Muito, muito, muito mesmo. E aí, por isso torna-se muito complicado. Então a gente tem que ter muita força, se não tiver... E aí eu sempre incentivo, mesmo eu vendo que está indo já: “Não, está bom, a gente tem que... Vai melhorar sim”. “Quando?”. E eu digo: “Não importa” [risos]. “O que importa é que Deus vai abençoar e vai melhorar”. E assim, muitas coisas já têm algumas portas abertas (Dona Conceição).

Tais fatores se assemelham às reflexões de Queiroz (2009) e Sabourin (2009a), autores que ressaltam a importância das lideranças comunitárias para a organização da vida dos agricultores familiares brasileiros. Estes líderes são imprescindíveis no auxilio e compreensão das dificuldades e enfrentamento a estas, inclusive orientando os membros do grupo que

representam à respeito de estratégias e práticas que possibilitem resistir a épocas mais difíceis, e também compreender processos de mudanças econômicas e sociais. Assim, para o processo de luta e resistência de comunidades de agricultores familiares, é de grande importância o papel de liderança que alguns membros assumem.

O papel de liderança de Dona Conceição, portanto, já há seis anos diretamente envolvida com o assentamento e em particular com a associação, motivando, criticando, representando, repassando conhecimentos e mediando interna e externamente as relações entre os agricultores, e entre eles e as instituições, respectivamente, é de grande importância para a compreensão da história do Assentamento Lyndolpho Silva. Somente um relato foi crítico às suas ações, entretanto o responsável não recebe nenhum tipo de apoio da comunidade, uma vez que sua crítica é vista como mais pontual, com relação ao não acesso a um programa, para o qual não possuía as exigências necessárias. A líder representa um elo entre a micro sociedade agrícola familiar composta pelos agricultores familiares que formam o assentamento e a macro sociedade municipal, estadual, nacional e/ou global; ou melhor, entre os contextos local e global (MENDRAS, 1978).