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PARTE I – MARCO TEÓRICO

CAPÍTULO 2 – CULTURA ORGANIZACIONAL: CONCEITOS, ABORDAGENS, E

3. Abordagens culturais em estudos organizacionais

3.1. As abordagens de Hofstede e D’Iribarne

Hofstede (2003) emprega métodos quantitativos na pesquisa da cultura organizacional, fundamentando suas investigações, conforme análise de D’Iribarne (1994, p. 91), “na determinação de uma escala de atitudes ao invés de em estudos etnográficos”.

O estudo preliminar de Hofstede (2003), realizado em subsidiárias da IBM ao redor do mundo, valeu-se de uma mesma empresa em diversas nações. Em estudo posterior, foi conduzido o projeto de pesquisa em distintas empresas situadas em um mesmo país. Para tanto, Hofstede et al. (1990) voltaram-se à pesquisa da cultura em vinte unidades empresariais de dez organizações diferentes, sendo cinco situadas na Dinamarca e as outras cinco, na Holanda, sendo que a esses países havia sido conferido score semelhante no estudo cross-- nacional prévio. No que concerne a valores, a análise fatorial decorrente evidenciou pequenas dissonâncias entre as unidades. Já no que diz respeito às práticas, a diferença foi significativa, permitindo a identificação de seis dimensões culturais dicotômicas e independentes, conforme consta do Quadro 4.

Quadro 4. Dimensões da cultura organizacional, por Hofstede

Dimensão Descrição

Orientação a meios

versus orientação a

resultados

Essa dimensão relaciona-se à efetividade da organização. Em uma cultura orientada a meios (processos), a característica central é o modo segundo o qual o trabalho deve ser conduzido – as pessoas identificam-se com o “como”, denotando práticas organizacionais uniformes. Em uma cultura orientada a resultados, empregados visam à consecução de objetivos ou resultados específicos, a despeito de envolverem riscos – as pessoas identificam-se com o “o que”, havendo diferenças nas percepções acerca das práticas dentro de cada unidade administrativa.

Orientação ao trabalho

versus orientação ao

empregado

Essa dimensão relaciona-se à filosofia de gestão per si. Em organizações muito orientadas ao trabalho, há elevada pressão para se executar a tarefa, mesmo se em detrimento do empregado; já em organizações muito orientadas ao empregado, o bem-estar dos trabalhadores é considerado, mesmo se em detrimento do trabalho, revelando a assunção de responsabilidades mais amplas.

Profissional versus paroquial

Em culturas profissionais, os membros – usualmente com elevado nível educacional – identificam-se primariamente com suas profissões, ou com o conteúdo de seus trabalhos. Em culturas paroquiais, os membros identificam-se com seus chefes ou com suas unidades.

Sistemas abertos versus sistemas fechados

Essa dimensão refere-se à acessibilidade de uma organização. Em uma cultura muito aberta, recém-chegados são imediatamente benvindos, e há a crença de que qualquer um pode se adaptar à organização. Já em uma cultura muito fechada,

Dimensão Descrição

sucede o oposto.

Controle rígido versus controle flexível

Essa dimensão lida com a formalidade e a pontualidade dentro da organização. Culturas de controle rígido diferenciam-se às de controle flexível, ao revelarem estrutura interna bastante formal, observância à pontualidade e à disciplina, e alta previsibilidade.

Pragmático versus normativo

Essa dimensão relaciona-se com o modo como as organizações lidam com o ambiente e com seus clientes. Ao passo que culturas pragmáticas são mais flexíveis, culturas normativas denotam relação mais rígida com clientes, primando pela ética de negócio.

Fonte: Adaptado de Hofstede et al. (1990) e Hofstede (1994).

Um contraponto à abordagem quantitativa é feito por D’Iribarne (1989, 1994), que, valendo-se de perspectiva antropológica, concebe a cultura como um sistema que permite aos atores atribuir sentidos às suas vivências e ao mundo no qual se inserem.

Esse autor, desde a década de 1980, conforme salientam Souza et al. (2013), desenvolve pesquisas em empresas, em diferentes países, com uma abordagem histórica e etnográfica, no intuito de identificar a lógica cultural das organizações. O foco recai sobre o modo como os atores “definem precisa e explicitamente as responsabilidades de cada um, formulam claramente seus objetivos, deixam livres as escolhas dos meios; avaliam com atenção seus resultados, recompensas e sanções, considerando sucessos e fracassos” (D’IRIBARNE, 1989, p. 131).

Em sua obra A Lógica da Honra, D’Iribarne (1989) procura evidenciar lógicas culturais em função de contextos nacionais distintos. Para tanto, realiza pesquisa em três plantas de produção (subsidiárias) de uma organização multinacional que adotava modelo de gestão estadunidense. Uma das plantas era situada na França, uma nos Estados Unidos, e uma na Holanda. Por meio de observação e de entrevistas, o autor buscou compreender como se dá o funcionamento das organizações nesses três países. A despeito do compartilhamento do modelo de gestão, foram observadas diferenças significativas nas práticas administrativas das plantas, decorrentes de lógicas culturais específicas, delineadas a partir da interpretação de dados de campo associadas à história e à cultura nacional.

Nos Estados Unidos, por exemplo, prevalece o que esse autor chama de lógica do contrato, marcada pela manutenção da estrita conformidade das regras relacionais entre gestores e empregados, tais como respeito à cadeia de comando, clara definição de tarefas e disseminação de objetivos e avaliação com base em metas quantificáveis, de sorte que todos possam cumprir seus contratos com um espírito de honestidade e transparência. Na França,

predomina a nominada lógica da honra, segundo a qual há maior flexibilidade no cumprimento das tarefas, que passam a ser vistas mais como deveres inerentes a um status na organização. Há, assim, ajustes informais visto que empregados resolvem problemas pois é seu dever (uma questão de honra), não se restringindo à execução de regras escritas que definem seus trabalhos (DUPUIS, 2013). Por fim, na Holanda, é vigente a lógica do consenso, na qual há o “desejo de se alcançarem acordos entre pares, baseados em um exame honesto dos fatos, sem o qual ninguém está em uma posição de impor a sua vontade” (D’IRIBARNE, 1989, p. 222).

Com base no modelo de estudo de D’Iribarne (1989), Souza (2009) identifica sete categorias de análise que variam em função da lógica cultural prevalecente. Tais categorias, descritas no Quadro 5, servem de base para a escala de medidas de práticas organizacionais, com evidências de validação encontradas por Nascimento (2014).

Quadro 5. Categorias de análise da cultura organizacional, com base em D’Iribarne (1989)

Categoria Definição

Senso de dever

Refere-se ao exercício de procura de direitos e execução de deveres. Inclui aspectos de motivação na execução do trabalho (obrigação versus compromisso), adesão a valores organizacionais ou prevalência de interesses individuais nas relações de trabalho; sentimentos de orgulho e de pertencimento à organização; compromisso com a obtenção de resultados.

Relações de autoridade

Relações entre os diferentes níveis de gestão e entre profissionais; tomada de decisão na organização; forma como o poder é exercido (concentrado, desconcentrado). Contempla o nível de legitimidade de quem detém o poder formal clareza das relações entre profissionais pertencentes a níveis hierárquicos distintos, o modo como se dão a convivência e a comunicação entre profissionais, e a forma como as chefias tratam os profissionais, e como os profissionais tratam-se entre si.

Definição de responsabilidades

Refere-se ao modo em que as funções / tarefas são atribuídas, seja em termos individuais ou de grupos, podendo valer-se de aos critérios formais, definidos pelos superiores com base normativa (responsabilidade objetiva), e de critérios informais, de acordo com as relações pessoais (amizade, fidelidade, interesses privados), ou às crenças dos profissionais subordinados (responsabilidade subjetiva).

Regulação Refere-se ações de moderação e de acordos que regem as atividades dos profissionais, o cumprimento de contratos, gestão de interesses organizacionais e

individuais.

Recompensas e punições (sanções)

Refere-se às recompensas e/ou punições aplicadas em função de comportamentos no trabalho; à concessão de benefícios ou punições decorrentes da obtenção de resultados ou objetivos propostos; à existência de políticas organizacionais de sanções (benefícios ou punições), e à utilização de critérios para a aplicação de sanções.

Categoria Definição

cooperação individual ou em grupo, à disponibilidade dos profissionais para trabalharem em equipe; à forma como são gerenciados os conflitos no e pelo grupo; à tendência ao individualismo ou ao coletivismo das relações profissionais; à base em que ocorrem laços de cooperação (profissionais, sociais, familiares).

Percepção de controle

Refere-se à percepção que o profissional possui sobre as medidas de controle da organização; aos níveis de consentimento e de conformidade com as normas estabelecidas e com a autoridade; à percepção sobre a liberdade de atuação; à percepção sobre atos arbitrários.

Fonte: Adaptado de Souza (2009) e Nascimento (2014)

O uso de índices estatísticos para descrever uma cultura e predizer suas consequências para a gestão é contestável, na visão de Dupuis (2013). Não obstante, ao invés de rejeitar a abordagem quantitativa de Hofstede, esse autor entende por mais adequado “enxergar as dimensões e os índices de Hofstede como uma ferramenta imperfeita mas interessante de lidar com a realidade de cada país ou região” (DUPUIS, 2013, p. 48), o que demanda um esforço para se refinarem os índices e as questões da survey, além de se proceder à interpretação dos resultados cotejando-os com outras pesquisas, outros dados e outros métodos.

Dupuis (2013) reconhece a pertinência da combinação das abordagens. Para esse autor, o enfoque etnográfico e antropológico de D’Iribarne é necessário para se compreender, “mais diacrônica e profundamente, a cultura das sociedades e das organizações sob estudo”, de sorte que D’Iribarne “coloca carne no construto esquelético de Hofstede” (DUPUIS, 2013, p. 49). Idêntica análise é proferida por Hofstede (1999, p. 39):

As duas abordagens são complementares – a minha é mais quantitativa, a de D’Iribarne é mais qualitativa. E provi um esqueleto para os países que ele estudou, e ele proveu a carne. O esqueleto que eu propus é uma estrutura global de diferenças culturais entre países.

Para os fins desta pesquisa, visando ao estudo das práticas de gestão como manifestações culturais das organizações, serão empregadas as categorias identificadas por Souza (2009) nos estudos de D’Iribarne (1989). Entretanto, por serem as abordagens qualitativas e quantitativas duas maneiras de se descobrir uma mesma realidade, ambas as abordagens estão presentes nesta investigação.

A organização, como sistema social, insere-se em contexto específico, o que implica influências entre distintos níveis da cultura. Neste trabalho, é relevante a identificação de traços culturais brasileiros, bem como traços da cultura do setor público do Brasil, como subsídios à análise organizacional. Tal identificação é realizada na próxima seção.

4. A cultura nacional brasileira e a cultura do setor público brasileiro na conformação