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2. DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E SUAS IMPLICAÇÕES ECONÔMICAS: UMA

2.2. As análises da Cepal sobre distribuição de renda

As interdependências entre o perfil de demanda, mudanças na estrutura produtiva e crescimento econômico foi motivo de inquietação no âmbito do estruturalismo Cepalino. Esses autores buscavam nos fatores estruturais das economias latino americanas as explicações para a má distribuição de renda nesses países, considerada por eles como um importante determinante do subdesenvolvimento.

Para Furtado (1961), as economias latino americanas eram caracterizadas pelo “dualismo” advindo da estrutura primário-exportadora, de modo que setores modernos

27 coexistiam com setores arcaicos, que acolhiam a maior parte da mão de obra disponível e pagavam baixos salários. Assim, a remuneração média era baixa, o que concentrava a renda nas classes mais altas.

Na perspectiva de Furtado, a tendência à lentidão da expansão econômica que se observa na periferia tem sua chave no comportamento dos salários, isto é, no comportamento rígido da remuneração do trabalho, pois desta resultam padrões de distribuição e de demanda que inibem a expansão de várias atividades, como resultado da impossibilidade ou da dificuldade crescente para realizar (vender) os aumentos de sua produção (RODRIGUEZ, 2009).

Nesse sentido, Furtado (1968) atribuía a estagnação na América latina à estrutura da demanda. Segundo este autor, o perfil da estrutura de demanda dessas economias poderia ser dividido em três estratos: o primeiro era formado por subempregados excluídos do mercado de consumo moderno; o segundo, por um grupo de trabalhadores de baixa renda, que formava um mercado interno voltado para bens de consumo tradicionais; e o terceiro, pelas classes de renda elevada, que emulavam o padrão de consumo das economias desenvolvidas, principalmente de bens duráveis. Desse modo, a estrutura de demanda era descontínua e não possibilitava a criação de um mercado interno que compensasse os investimentos em indústrias dinâmicas, como a de bens duráveis, uma vez que sua implantação era intensiva em capital e exigia elevada injeção de recursos (DÓRIA, 2013). Por estas concepções, a visão de Furtado foi considerada como “estagnacionista” no que concerne à acumulação de capital e consequente crescimento da periferia.

O enfoque de Aníbal Pinto (1965, 1970, 1971, 1976a, 1976b), embora possa ser considerado complementar à análise de Furtado, traz um contraponto a respeito da maneira de se pensar a direção da causalidade entre a estrutura produtiva e a distribuição de renda. Enquanto para Furtado a distribuição de renda é vista como a maneira de compatibilizar a demanda e a estrutura produtiva, para Pinto essa causalidade é inversa: uma menor heterogeneidade estrutural traria ganhos de desconcentração de renda e consumo. Assim, segundo esta concepção, como é a estrutura produtiva que determina a distribuição de renda e o consumo, e não o contrário, a tendência estagnacionista de Furtado não se aplicaria.

O argumento de Aníbal Pinto era baseado na identificação de uma “heterogeneidade estrutural”, derivada do sistema econômico dual que tanto esse autor quanto Furtado concordavam que caracterizavam as economias latino americanas. Na visão de Aníbal Pinto, a

28 perpetuação dessa estrutura desigual colocava determinadas camadas sociais à margem do processo produtivo moderno e de seus ganhos, mantendo a renda concentrada. Assim, a heterogeneidade estrutural da periferia resultaria na dependência dos núcleos mais dinâmicos do sistema produtivo à demanda dos grupos colocados na extremidade superior da estrutura distributiva, que seria fortemente pautada pelo consumo conspícuo.

Para o autor, um estilo fortemente relacionado com o consumo conspícuo realmente enfrentaria dificuldades significativas no que corresponde à continuidade da expansão econômica. Propõe, no entanto, em sua análise de “estilos de desenvolvimento” (PINTO, 1976a), uma espécie de alteração do estilo predominante, por meio da incorporação gradual dos diversos estratos sociais às novas pautas de consumo, de modo a generalizá-las (consumo de massas11), o que implicaria benefícios de uma ampliação e diversificação produtiva crescentes. Para o autor esta opção supõe uma redução da heterogeneidade estrutural ou, o que é o mesmo, uma redução dos desníveis de produtividade setoriais, que implicariam ganhos e elevação das camadas mais baixas da população (RODRIGUEZ, 2009, p. 331).

Tavares e Serra (1972) também se opõem à visão estagnacionista de Furtado. Para esses autores, a manutenção do dinamismo econômico no Brasil seria alcançada pelas oportunidades de investimento. Com o esgotamento da fase mais simples do modelo de substituição de importações dos anos 1950 e o término das medidas do Plano de Metas (1956-1961), seria necessário um novo pacote de investimentos, cuja implantação era limitada não por conta da elevada relação produto-capital, como pensava Furtado, mas devido à estrutura de demanda e financiamento. Enquanto a demanda era limitada pela distribuição extremamente concentrada nos estratos elevados de renda, restringindo a expansão e diversificação do consumo dos grupos médios, o financiamento era limitado pelo descontrole inflacionário da década de 1960 (DÓRIA, 2013).

O Governo militar que se iniciou na década de 1960 foi pautado pelo aumento da desigualdade, cujos determinantes, na percepção de Serra e Tavares (1973), foram, além da concentração de capitais trazidas pelo PAEG (Plano de Ação Econômica do Governo 1964- 1967), as medidas de compressão dos salários das camadas baixas, ao passo que se ampliou as ocupações das camadas médias. Assim, houve uma ampliação do mercado de consumo

11 Para Rostow (1971), o consumo de massas seria caracterizado por uma economia de altos salários em que o consumo da maioria da população está acima das necessidades em alimentação, habitação e vestuário, sendo o crescimento conduzido pela indústria de bens duráveis.

29 moderno, contudo, em consonância com o aumento da desigualdade. Para estes, o mercado consumidor para bens modernos foi ampliado pela redistribuição entre as diferentes camadas da classe média, enquanto a classe da extremidade superior manteve sua participação e a da extremidade inferior teve sua renda achatada pela compressão salarial.

Furtado (1972) retoma suas análises sobre a distribuição para definir que as estratégias tomadas pelo Governo Militar, ao concentrar a renda nas classes médias e altas, proporcionou um aumento da poupança dessas classes, possibilitando a ampliação do consumo de bens modernos pelas classes médias. No entanto, na visão do autor, essa estratégia proporcionou um equipado complexo industrial, que não tinha suas potencialidades plenamente exploradas devido ao empobrecimento das classes da extremidade inferior, o que entravava o dinamismo econômico. Assim, a formação de um mercado de bens duráveis de consumo de adequadas dimensões só seria alcançada quando o crescimento privilegiasse não apenas as minorias proprietárias dos bens de capital, mas um grupo social mais amplo, com a elevação das classes mais baixas a essa pauta de consumo. Dessa forma, seria necessário compatibilizar oferta e demanda, que estavam em descompasso devido à má distribuição de renda.

Em suma, é eminente a preocupação estruturalista com o tema da distribuição de renda e sua premente articulação com as estruturas de demanda e produção. Pode-se depreender da análise Cepalina que uma melhora na distribuição de renda, ao gerar impactos no consumo dos estratos inferiores da distribuição, teria rebatimentos na estrutura produtiva na direção da produção voltada para o mercado interno, trazendo benefícios de uma ampliação e diversificação, alterando a rentabilidade setorial e os investimentos, o que poderia atenuar o padrão de heterogeneidade estrutural. Ainda, na visão de Aníbal Pinto, um movimento a favor de uma maior homogeneidade produtiva traria impactos sobre a própria distribuição.

No entanto, enquanto os autores da Cepal se preocuparam primordialmente em estabelecer qual seria a direção causal entre a distribuição de renda e a heterogeneidade estrutural, um outro campo analítico avançava nas análises quantitativas das relações estruturais a partir da relação sistêmica entre esses elementos. Essas análises são alicerçadas sobre as interdependências do fluxo circular da renda e o desenvolvimento desses estudos permitiu apreciações quantitativas dessas relações. A próxima seção aborda os estudos realizados para a economia brasileira inseridos nessa perspectiva.

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