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2. DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E SUAS IMPLICAÇÕES ECONÔMICAS: UMA

2.3. Relações de interdependência estrutural para a economia brasileira

O cerne dos estudos nessa linha está na composição estrutural e na avaliação dos efeitos sistêmicos provocados pelas interdependências do sistema econômico. Sob essa perspectiva, as mudanças no perfil da distribuição da renda impactam a estrutura produtiva pelo consumo, promovendo efeitos assimétricos sobre os setores, que impactam, por sua vez, as remunerações geradas e distribuídas às instituições da economia.

Esses estudos se baseiam, em geral, nos modelos multissetoriais de Insumo-Produto (IP) de Leontief. Nas palavras de Leontief (1956): “o método de insumo-produto é uma adaptação

da teoria de equilíbrio geral ao estudo empírico da interdependência quantitativa entre as atividades econômicas relacionadas”12. A evolução do modelo de Leontief para os modelos Leontief-Miyazawa (Miyazawa, 1976), para os métodos de decomposição de multiplicadores (PYATT E ROUND, 1977, 1979; PYATT, 1988, 2001), e sua extensão para os modelos de Matriz de Contabilidade Social (MCS) (STONE, 1985; THORBECKE, 1995) permitiram o aprofundamento das análises quantitativas a respeito da interdependência entre as estruturas de distribuição de renda, consumo e produção. Possibilitaram, portanto, análises de mudanças estruturais na composição da produção e remuneração a partir de alterações no perfil distributivo, ou análises do efeito contrário (da mudança da composição setorial para a distribuição).

É possível encontrar uma ampla gama de estudos aplicados à economia brasileira inseridos nessa vertente. Os primeiros trabalhos debruçaram-se sobre a investigação das interconexões entre o padrão distributivo da renda, estrutura de produção e desempenho econômico da década de 1970 utilizando modelos IP. Entre esses autores, Bonelli e Cunha (1981, 1982, 1983) analisaram o efeito de diferentes hipóteses de distribuição de renda e do padrão de consumo sobre a evolução da estrutura de produção entre 1970 e 1975. Os resultados encontrados permitiram classificar os setores em três grupos: setores que se beneficiam do aumento da concentração da renda; setores que se beneficiam da desconcentração da renda; e setores insensíveis a mudanças na distribuição da renda.

Na mesma linha, Locatelli (1985) apontou para efeitos macroeconômicos positivos, principalmente no emprego, sob regimes alternativos de menor desigualdade de renda, a partir da matriz IP do IBGE do ano de 1979. Constatou, entretanto, que a desconcentração de renda

31 teria efeito negativo sobre as indústrias de bens de consumo duráveis. Resultados semelhantes foram encontrados em Fernandes (1989) a partir de um modelo IP com ano base em 1975. O autor chama atenção, no entanto, para o efeito negativo de uma redistribuição de renda sobre a poupança agregada e para uma mudança na estrutura de produção em favor de ramos da indústria que empregam mão-de-obra menos qualificada e pagam salários mais baixos.

Bêrni (1995) realizou dois experimentos de redistribuição de renda para o Brasil nos anos de 1970 e 1980: no primeiro, simulou uma redução do consumo das famílias mais ricas de acordo com sua estrutura de consumo setorial e a consecutiva transferência desse montante para as famílias mais pobres; no segundo, a transferência se deu das famílias mais ricas para o Governo, com sua estrutura setorial de despesa. O autor encontrou que a alocação de renda das famílias ricas para o governo, por meio de um imposto de renda progressivo acompanhado do gasto público adequado, poderia exercer impactos positivos sobre o emprego e o valor adicionado mais expressivos do que a transferência direta dos mais ricos para os mais pobres. Em linha com outros trabalhos da literatura, esse autor aponta a demanda doméstica como um importante determinante do crescimento econômico.

Guilhoto et al. (1996), ao analisarem as estruturas de produção, consumo e distribuição de renda no Brasil para os anos de 1975 e 1980, inferiram que as classes com maior potencial de impactar a produção pelo aumento do consumo seriam aquelas com renda entre 5 e 20 salários mínimos. Adicionalmente, Cavalcanti (1997) analisou os impactos de alterações na distribuição setorial da renda sobre a distribuição funcional da renda e concluiu que a estrutura produtiva de 1985 propiciava uma canalização da renda adicional em favor da classe dos rentistas em prejuízo dos assalariados.

Considerando-se as estruturas de produção e consumo brasileira mais recente, é possível encontrar os trabalhos de Almeida e Guilhoto (2006), Moreira, Almeida e Azzoni (2008) e Gutierre, Guilhoto e Nogueira (2013). Os primeiros, ao analisarem a estrutura econômica referente ao ano de 2002, concluíram por uma assimetria no que compete à contribuição dos setores para o crescimento econômico e para a distribuição de renda, de modo que os setores que mais contribuem para o crescimento não são os mesmos que melhoram a distribuição de renda. Já Moreira, Almeida e Azzoni (2008), que analisaram os impactos de mudanças na estrutura produtiva brasileira entre 1992 e 2002 sobre a distribuição de renda, encontraram que as mudanças nas participações setoriais ocorridas no período contribuíram para a redução na desigualdade.

32 Gutierre, Guilhoto e Nogueira (2012) empregaram um modelo Leontief-Miyazawa13 sobre uma matriz IP de 2008 e constataram que o crescimento da renda familiar leva a um padrão de consumo menos concentrado em bens de primeira necessidade e mais concentrado em serviços em geral. No entanto, segundo esses autores, existe uma tendência de que a expansão nos setores de serviços gere ganhos de renda mais elevados para as classes mais altas do que para as mais baixas, levantando a questão de que o crescimento da economia possa ocorrer de forma desigual.

Todos os estudos para a economia brasileira supracitados empregaram modelos IP em suas análises. Essa metodologia foi largamente utilizada nesses estudos dada sua capacidade de articular os setores produtivos e a estrutura de demanda final, e a disponibilidade de dados. A MIP fornece as relações intersetoriais e as informações detalhadas sobre a demanda final das instituições, o valor adicionado das atividades e os impostos indiretos. Mais recentemente, alguns trabalhos têm acrescentado informações adicionais das Contas Nacionais à MIP, no intuito de completar o fluxo circular da renda, construindo Matrizes e Modelos de Contabilidade Social, que permitem uma análise mais aprofundada das interdependências entre o sistema produtivo e os fluxos de renda.

Grijó (2005) e Fochezzato (2011) investigaram, a partir de uma MCS para o ano de 2002, a relação entre desigualdade de renda, estrutura produtiva e desempenho econômico no Brasil. O primeiro analisou os efeitos de mudanças na distribuição de renda sobre a estrutura produtiva, concluindo que uma redistribuição geraria um potencial de crescimento em todos os setores, na remuneração dos fatores de produção e na renda total da economia. O segundo, por sua vez, complementou a análise do primeiro, questionando se uma melhora exógena na distribuição de renda e, por conseguinte, um aumento no consumo das famílias mais pobres, terminaria por estabelecer um padrão concentrador ou distributivo da própria renda. Segundo o autor, os resultados não permitem afirmar que o aumento do consumo dessas famílias geraria um padrão mais equitativo de renda.

As mudanças recentes ocorridas na economia brasileira, especialmente aquelas relacionadas à melhora na distribuição de renda na primeira década dos anos 2000, tornam relevantes uma análise estrutural a partir de ferramentas mais atualizadas e adequadas ao tema

13O Modelo Leontief-Miyazawa endogeniza a renda ao modelo Leontief, permitindo que a renda gerada para atender a demanda final e sua distribuição entre classes de renda seja determinada (SANTOS e HADDAD, 2007).

33 da distribuição de renda. Nesse sentido, esta Tese constrói uma MCS e um modelo de MCS que retratam, além da estrutura produtiva e de consumo, os fluxos e a apropriação de diferentes fontes de renda na economia brasileira. Posteriormente, a estrutura e os dados da MCS são utilizados como base para um modelo EGC dinâmico com foco nas interdependências estruturais da geração e distribuição de renda, possibilitando análises de impacto de políticas redistributivas, como a de transferências e de tributação da renda.

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3. MATRIZES DE CONTABILIDADE SOCIAL E SUAS APLICAÇÕES: UMA