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CAPÍTULO 2 AGROECOLOGIA E TRANSIÇÃO AGROECOLÓGICA:

2.3 As aplicações da Agroecologia em dinâmicas de desenvolvimento rural

ampliação da sua biodiversidade, para atingir autorregulação e biodiversidade (ALTIERI, 2009). Em uma perspectiva de manejo, o objetivo da Agroecologia é proporcionar ambientes equilibrados, rendimentos sustentáveis, fertilidade do solo resultante de processos biológicos e regulação natural de “pragas” por meio do desenho dos agroecossistemas diversificados e do uso de tecnologia de baixos insumos externos (GLIESSMAN, 2009).

Outro aspecto que vem sendo destacado na literatura diz respeito às especificidades de técnicas ecológicas, que não tentam modificar ou transformar de forma radical os ecossistemas camponeses, mas tratam de identificar elementos de manejo que, uma vez incorporados, conduzem a uma melhoria da unidade de produção (ALTIERI, 2009). Isso porque a Agroecologia pressupõe o uso de tecnologias alternativas e heterogêneas, com adequação às características locais e à cultura das populações e comunidades rurais que vivem numa determinada região ou ecossistema e que irão manejá-las (CAPORAL; COSTABEBER; PAULUS, 2006).

Como se pode perceber, a corrente agroecológica é bem abrangente e sugere a consolidação dos processos de manejo e desenho de agroecossistemas sustentáveis, numa perspectiva de análise sistêmica e multidimensional (CAPORAL; COSTABEBER, 2007b). Os autores complementam que, diferentemente de procedimentos agrícolas que se orientam exclusivamente pelo mercado e pela expectativa de um bom desempenho econômico, as práticas de agriculturas sustentáveis se apoiam na ideia de justiça social e de proteção ambiental, contribuindo, assim, mais eficazmente para o desenvolvimento rural.

2.3 As aplicações da Agroecologia em dinâmicas de desenvolvimento rural

Conforme discutido na literatura especializada, as propostas de desenvolvimento rural sustentável, pautadas nos princípios da Agroecologia, devem levar em consideração, além da degradação ao meio ambiente, os níveis de pobreza rural, pois, para que as estratégias de desenvolvimento rural possam se tornar eficazes, é necessário que haja um elo entre as questões tecnológicas, econômicas e principalmente as sociais, para o enfrentamento da crise ambiental e da miséria rural que persistem no mundo em desenvolvimento (ALTIERI, 2009). A esse respeito, Sevilla Guzmán (2005) comenta que:

Essas novas estratégias de ação devem garantir o incremento da biodiversidade, no que se refere às formas de relação com os recursos naturais. Elas devem atender não somente à utilização dos mesmos, mas também à sua conservação, empregando, para isso, tecnologias que respeitem o meio ambiente e, além disso, permitam a abertura de espaços na administração, para garantir a participação local. Em suma, a Agroecologia como desenvolvimento rural sustentável, consiste na busca do local para, partindo daí, recriar a heterogeneidade do mundo rural por meio de formas de ação social coletivas. (SEVILLA GUZMÁN, 2005, p. 131).

Para promover a construção do desenvolvimento rural sustentável, com base nos princípios da Agroecologia, merecem destaque, nesta discussão, as ações de Ater e os processos educativos e participativos que se está buscando consolidar no Brasil nos últimos anos, visando ao fortalecimento da agricultura familiar. Isso ficou mais evidente, notadamente, depois da criação da Pnater de 2004, mesmo que essa política não tenha sido consolidada ou estruturada pelas políticas subsequentes, como já situado no início deste trabalho.

Ainda assim, é pertinente resgatar que as propostas para os serviços de Ater incluíram, na época, ações renovadas e democráticas, em que se levou em consideração a diversidade ambiental do meio rural, o entendimento dos agroecossistemas como unidade de análise e em que se respeitaram os diferentes grupos sociais, tendo seus saberes e conhecimentos como pontos de partida para qualquer ato de intervenção (BRASIL, 2004).

Para alcançar tais proposições, a Pnater retomou a necessidade de outra postura institucional e um novo profissionalismo por parte dos extensionistas, para que estes desempenhassem o papel de facilitadores no processo de transição agroecológica, através do uso de metodologias participativas, do resgate de conhecimentos populares e do estímulo ao uso sustentável dos recursos locais, contribuindo, assim, para o desenvolvimento rural sustentável (BRASIL, 2004). As palavras abaixo retomam um pouco das proposições da Pnater de 2004:

A Pnater estabelece a necessidade de adoção dos princípios da Agroecologia e suas bases epistemológicas, para o desenho de agroecossistemas sustentáveis e para o estabelecimento de estratégias de desenvolvimento rural sustentável [...]. Desta forma, poderia ser dito que o enfoque metodológico e tecnológico, que está proposto na Pnater, requer a implementação de uma extensão rural agroecológica ou ecossocial. (CAPORAL, 2006, p. 12).

Na tentativa de destacar os requisitos estabelecidos pela Pnater de 2004, Caporal (2006) define esse tipo de extensão rural agroecológica como sendo:

Um processo de intervenção de caráter educativo e transformador, baseado em metodologias de investigação-ação-participante, que permita o desenvolvimento de uma prática social mediante a qual os sujeitos do processo buscam a construção e sistematização de conhecimentos que os levem a incidir conscientemente sobre a realidade, com o objetivo de alcançar um modelo de desenvolvimento socialmente equitativo e ambientalmente sustentável, adotando os princípios teóricos da Agroecologia como critério para o desenvolvimento e seleção das soluções mais adequadas e compatíveis com as condições específicas de cada agroecossistema e do sistema cultural das pessoas implicadas em seu manejo. (CAPORAL, 2006, p. 12). Merecem destaque igualmente, nessa busca de construção do desenvolvimento rural sustentável norteado pela Agroecologia, as ONGs voltadas para a problemática rural e agrícola, principalmente nos países em vias de desenvolvimento, onde existe a necessidade de se combater a pobreza no setor rural e se recuperar os recursos básicos das pequenas propriedades. Essas ONGs têm buscado novas estratégias de desenvolvimento rural, pautadas em uma abordagem de baixo para cima e utilizando os recursos já disponíveis: população local, suas necessidades e aspirações, seu conhecimento agrícola e recursos naturais existentes (ALTIERI; MASERA, 2009). Analisando programas agroecológicos promovidos por ONGs em diferentes partes do mundo, Altieri (2009) considera que essas organizações em muito podem contribuir para o desenvolvimento dos sistemas produtivos dos agricultores.

Algumas ONGs envolvidas em programas de desenvolvimento rural demonstraram uma capacidade única de compreender a natureza específica e diferenciada da pequena produção, promovendo experiências bem-sucedidas na geração e transferência de tecnologias camponesas. Um elemento-chave tem sido o desenvolvimento de novos métodos agrícolas baseados em princípios agroecológicos, que se assemelham ao processo de produção camponês. Esta abordagem distingue-se daquela da Revolução Verde não apenas tecnicamente, ao reforçar o emprego de tecnologias de baixo uso de insumos, mas também por critérios socioeconômicos, no que tange às culturas afetadas, beneficiários, necessidades de pesquisa e participação local. (ALTIERI, 2009, p. 41).

Para Altieri (1987 apud ALMEIDA, 2009), as organizações não governamentais que atuam no meio rural possuem características particulares que as distinguem de diversas outras, entre as quais se destacam: uma preocupação para que a transferência de tecnologias seja (socialmente) apropriada à realidade de cada produtor, o incentivo ao resgate de práticas agrícolas tradicionais, o entendimento da sua lógica e a promoção de atividades de intercâmbio de conhecimento entre agricultores. Ao lado disso, tratam as questões do

desenvolvimento rural e agrícola como processos sociais, permitindo que os agricultores envolvidos nesses processos tenham consciência de sua condição e se sintam capazes de enfrentar os desafios.

2.4 Transição agroecológica: limites e potencialidades de um processo de mudança social