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CAPÍTULO 2 AGROECOLOGIA E TRANSIÇÃO AGROECOLÓGICA:

2.2 As relações da Agroecologia e a agricultura sustentável e suas aplicações em

De maneira geral, a concepção de agricultura sustentável está fortemente ligada aos efeitos negativos provocados pelo modelo da agricultura convencional, fato que fez com que muitos agricultores e pesquisadores, sobretudo a partir dos anos 1980, passassem a repensar as práticas, os objetivos e as consequências de tal modelo. Com efeito, a prioridade para muitos atores do meio rural passou a ser conciliar a produção, a conservação ambiental e a viabilidade econômica da agricultura (EHLERS, 2008).

Dessa forma, o conceito de agricultura sustentável surge como resposta ao declínio que a “agricultura moderna” vem provocando na qualidade da base de recursos naturais (ALTIERI, 2012). Ehlers (2008) utiliza-se da argumentação de que, em quase todas as definições existentes para a agricultura sustentável, a noção de sustentabilidade presente no termo está associada aos seguintes critérios: manutenção a longo prazo dos recursos naturais e da produtividade agrícola, mínimo de impactos ao meio ambiente, retornos adequados aos produtores, otimização da produção das culturas com o mínimo de insumos químicos, satisfação das necessidades humanas de alimentos e atendimento das necessidades sociais das famílias e das comunidades rurais. Paulus e Schlindwein (2001) também listam alguns dos pressupostos que vêm sendo apontados para que a agricultura seja qualificada como

sustentável, tais como ecologicamente correta, economicamente viável, socialmente justa, humana e adaptável.

Nessa perspectiva, Altieri (2009) lembra que somente uma compreensão mais profunda da ecologia humana dos sistemas agrícolas é capaz de levar a medidas coerentes com uma agricultura realmente sustentável. Para Leff (2002), isso é passível de acontecer com o enfoque agroecológico, uma vez que a Agroecologia incorpora o funcionamento ecológico necessário para uma agricultura sustentável. Além disso, acrescenta este autor, ela agrupa princípios de equidade na produção, de maneira que suas práticas permitam um acesso democrático aos meios de vida.

Um fator importante implícito no conceito de agricultura sustentável é a valorização das comunidades rurais em seus aspectos sociais, humanos e culturais. O reconhecimento desse último aspecto, isto é, o da diversidade cultural presente no campo, além de contribuir para uma definição de agricultura sustentável, permite uma reflexão sobre o próprio significado de agricultura, para além de uma ciência (PAULUS; SCHLINDWEIN, 2001). Sobre a relação entre agricultura sustentável e Agroecologia, Leff (2002) expressa como isso vem se configurando:

Os saberes agroecológicos são uma constelação de conhecimentos, técnicas, saberes e práticas dispersas que respondem às condições ecológicas, econômicas, técnicas e culturais de cada geografia e de cada população. Estes saberes e estas práticas não se unificam em torno de uma ciência: as condições históricas de sua produção estão articuladas em diferentes níveis de produção teórica e de ação política, que abrem o caminho para a aplicação de seus métodos e para a implementação de suas propostas. Os saberes agroecológicos se forjam na interface entre as cosmovisões, teorias e práticas. A Agroecologia, como reação aos modelos agrícolas depredadores, se configura através de um novo campo de saberes práticos para uma agricultura mais sustentável, orientada ao bem comum e ao equilíbrio ecológico do planeta, e como uma ferramenta para a autossubsistência e a segurança alimentar das comunidades rurais. (LEFF, 2002, p. 37).

Sob essa visão, Costa Neto (1999) esclarece que, na agricultura sustentável, o agroecossistema é considerado como um todo, procurando prever as possíveis consequências da adoção de determinadas práticas. No âmbito ecológico, ela parte da grande diversificação, através da policultura ou das culturas de rotação, além de buscar associar a produção animal à vegetal. Na esfera socioeconômica, a agricultura sustentável apresenta como características a possibilidade de um retorno econômico a médio e longo prazo, com elevado objetivo social; baixa relação capital/homem; elevada eficiência energética; além de produzir alimentos de alto valor biológico e sem resíduos químicos (COSTA NETO, 1999).

Nos agroecossistemas, a Agroecologia utiliza como primeiro princípio a preservação e ampliação da sua biodiversidade, para atingir autorregulação e biodiversidade (ALTIERI, 2009). Em uma perspectiva de manejo, o objetivo da Agroecologia é proporcionar ambientes equilibrados, rendimentos sustentáveis, fertilidade do solo resultante de processos biológicos e regulação natural de “pragas” por meio do desenho dos agroecossistemas diversificados e do uso de tecnologia de baixos insumos externos (GLIESSMAN, 2009).

Outro aspecto que vem sendo destacado na literatura diz respeito às especificidades de técnicas ecológicas, que não tentam modificar ou transformar de forma radical os ecossistemas camponeses, mas tratam de identificar elementos de manejo que, uma vez incorporados, conduzem a uma melhoria da unidade de produção (ALTIERI, 2009). Isso porque a Agroecologia pressupõe o uso de tecnologias alternativas e heterogêneas, com adequação às características locais e à cultura das populações e comunidades rurais que vivem numa determinada região ou ecossistema e que irão manejá-las (CAPORAL; COSTABEBER; PAULUS, 2006).

Como se pode perceber, a corrente agroecológica é bem abrangente e sugere a consolidação dos processos de manejo e desenho de agroecossistemas sustentáveis, numa perspectiva de análise sistêmica e multidimensional (CAPORAL; COSTABEBER, 2007b). Os autores complementam que, diferentemente de procedimentos agrícolas que se orientam exclusivamente pelo mercado e pela expectativa de um bom desempenho econômico, as práticas de agriculturas sustentáveis se apoiam na ideia de justiça social e de proteção ambiental, contribuindo, assim, mais eficazmente para o desenvolvimento rural.

2.3 As aplicações da Agroecologia em dinâmicas de desenvolvimento rural

Conforme discutido na literatura especializada, as propostas de desenvolvimento rural sustentável, pautadas nos princípios da Agroecologia, devem levar em consideração, além da degradação ao meio ambiente, os níveis de pobreza rural, pois, para que as estratégias de desenvolvimento rural possam se tornar eficazes, é necessário que haja um elo entre as questões tecnológicas, econômicas e principalmente as sociais, para o enfrentamento da crise ambiental e da miséria rural que persistem no mundo em desenvolvimento (ALTIERI, 2009). A esse respeito, Sevilla Guzmán (2005) comenta que: