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CAPÍTULO 1 TEORIAS DE DESENVOLVIMENTO: DE UMA NOÇÃO

1.1 Emergência e antecedentes históricos da ideia de desenvolvimento: crise e crítica de

O desenvolvimento, na opinião de Beltrão (1965), não é apenas um fato histórico, e sim um processo, um movimento que está presente em diversos contextos e que prossegue na linha do tempo. Não é fácil precisar a criação da noção ou dos padrões de desenvolvimento, mas o autor considera que os primeiros processos de desenvolvimento estão vinculados à transformação tecnológica vivenciada na segunda metade do século XVII na Inglaterra, denominada de Revolução Industrial (BELTRÃO, 1965). Esse período foi precedido de uma revolução técnico-científica, na qual ocorreu uma transformação na produção e no trabalho, tendo em vista o aumento do lucro e da produtividade.

Beltrão (1965) ainda apresenta um conceito de desenvolvimento pautado unicamente no seu aspecto econômico, fator mais relevante para as formulações da época de seus escritos. Segundo o autor, o desenvolvimento seria um “processo inédito e irreversível de mudança social, através do qual se instaura numa região um mecanismo endógeno de crescimento econômico cumulativo e diferenciado” (BELTRÃO, 1965, p. 116). Em contrapartida, apesar

de considerar o desenvolvimento um fenômeno predominantemente tecnológico-econômico, o autor procurou situar, ainda que de forma incipiente, coordenadas sociológicas desse processo, destacando alguns fatores não econômicos, como, por exemplo, os padrões ecológico-profissional, demográfico-familiar e ideológico-profissional.

Esteva (2000), ao caracterizar a dimensão conceitual do termo “desenvolvimento”, sugere que foi no discurso de posse do presidente norte-americano Harry S. Truman, no final da década de 1940, que o mundo conheceu uma nova era – a do desenvolvimento. Isso porque os Estados Unidos, que já eram considerados uma potência produtiva e econômica, tinham entre seus objetivos consolidar sua hegemonia e torná-la permanente diante do mundo. Assim, o presidente Truman, ao utilizar a palavra “subdesenvolvida” para referir-se às áreas que necessitavam de avanços científicos e de progresso industrial, deu um novo significado ao desenvolvimento, criando um símbolo que indicava a supremacia norte-americana (ESTEVA, 2000).

Entretanto, como sublinha o próprio Esteva (2000), o conceito de desenvolvimento, após o discurso de Truman, sofreu a transformação mais equivocada de toda a sua história, sendo reduzido a crescimento econômico ou, ainda, a um simples aumento da renda per capita nas áreas economicamente subdesenvolvidas.4 O fato é que o desenvolvimento não consegue se desvincular das palavras com as quais foi criado, como, por exemplo, crescimento, progresso, evolução e maturação. Desse modo, a palavra sempre apresenta um sentido de mudança favorável, do inferior ao superior, do pior para o melhor, ou seja, indica que existe um progresso na direção de uma meta desejável (ESTEVA, 2000).

Os autores Cowen e Shenton (1996) argumentam que, entre suas várias definições e graus de complexidade, o desenvolvimento é entendido como um processo capaz de aumentar a capacidade de escolha das pessoas, de melhorar a participação e os processos democráticos, permitindo a inserção de públicos excluídos, historicamente, do próprio processo de desenvolvimento. Ao mesmo tempo, é entendido como um meio para estimular as metas de uma nação, promovendo o crescimento econômico, a equidade e a autossuficiência nacional (COWEN; SHENTON, 1996).

4 É importante ressaltar, como bem destaca Furtado (1996), que captar a natureza do subdesenvolvimento não é tarefa fácil, pois muitas são as suas dimensões e as que são mais visíveis nem sempre são as mais significativas. De qualquer forma, ainda de acordo com o autor, “o parâmetro para medi-lo é o grau de acumulação de capital aplicado aos processos produtivos e o grau de acesso ao arsenal de bens finais que caracterizam o que se convencionou chamar de estilo de vida moderno” (FURTADO, 1996, p. 17).

Em Morin (1984), encontra-se uma crítica voltada à noção de desenvolvimento, especialmente aquela que prevaleceu nas décadas de 1950 e 1960. De acordo com esse autor, o desenvolvimento é uma noção obscura, incerta, mitológica e pobre, na medida em que:

Impôs-se como noção-chave, ao mesmo tempo evidente, empírica (mensurável pelos indícios de crescimento da produção industrial e da elevação do nível de vida), rica (significando só por si ao mesmo tempo crescimento, bem-estar, progresso da sociedade e do indivíduo). (MORIN, 1984, p. 345).

Sendo assim, Morin (1984) alega que a originalidade do desenvolvimento socioeconômico está na capacidade de criar uma grande expectativa para a construção de um futuro inédito, via o progresso tecnológico, que através da industrialização mensurava o desenvolvimento de maneira quantitativa, sendo que o crescimento dessa natureza levaria ao desenvolvimento qualitativo. Porém, delimitar o desenvolvimento social e humano nesses termos não é tarefa simples, pois, na medida em que se medem os avanços da sociedade por modelos exclusivamente econômicos, desconsideram-se, com efeito, aspectos fundamentais do desenvolvimento social, como, por exemplo, regressões, perdas e destruições (MORIN, 1984).

A partir disso, o que se viu na década de 1960 foi a noção de desenvolvimento entrar em crise, pois a tentativa de integrar harmoniosamente as noções de crescimento, bem-estar, liberdade, felicidade, equilíbrio etc. tornou-se problemática, gerando um antagonismo entre as nações (MORIN, 1984). Surgia ali, na visão de Morin (1984), a crise da civilização, em que o crescimento exponencial situado como desenvolvimento resultou no mal-estar das pessoas, insatisfação, solidão, sofrimentos, destruições e até mesmo no questionamento da ideia de felicidade.

Morin (1984) esclarece que as soluções para tal situação só podem ser construídas a partir de uma nova consciência (no pensamento e na ação) e de inovações provenientes do próprio inconsciente do corpo social. Para tanto, seriam necessárias duas ações: reformular e reestruturar o conceito de desenvolvimento, não mais o subordinando ao crescimento, mas, ao contrário, subordinando o crescimento ao desenvolvimento; e pensar os problemas do desenvolvimento como todos os problemas humanos e sociais, ao nível reflexivo dos conceitos de segunda ordem, implicando, por conseguinte, uma recorrência do objeto (o desenvolvimento) para o sujeito (homem, sociedade), o que traria como novo conceito-chave o autodesenvolvimento (MORIN, 1984).

Do ponto de vista de Souza (1996), ao longo de todo o século XX, houve uma enorme lacuna de alternativas analíticas verdadeiramente radicais ao desenvolvimento visto como modernização, industrialização, urbanização ou, ainda, ocidentalização.5 Isso porque as propostas de desenvolvimento que surgiram ao longo do século passado jamais apresentaram uma alternativa real ao capitalismo nem à sua premissa funcional, o crescimento. O que se percebe é que o conceito de desenvolvimento não é unívoco, tampouco se esgota na ideia de desenvolvimento econômico, que se resume na junção de crescimento (identificado através do Produto Interno Bruto [PIB], do Produto Nacional Bruto [PNB] ou da renda nacional per capita) com modernização tecnológica. Por isso, tomar o desenvolvimento econômico como sinônimo de desenvolvimento é, com efeito, uma impropriedade, porque, se aquele está ligado ao fato de uma sociedade conseguir produzir bens em maior quantidade, de melhor qualidade e com mais eficiência, ele concerne a meios, e não a fins (SOUZA, 1997).

Não é à toa que, em meados dos anos 1970, principalmente, constatou-se que crescimento e modernização não eram uma garantia de maior justiça social. Souza (1997) coloca que, posteriormente, outras abordagens surgiram em contraposição à noção de desenvolvimento dominante, como os enfoques da satisfação das necessidades básicas, do desenvolvimento de baixo para cima, do ecodesenvolvimento, do desenvolvimento endógeno, entre outros, mas que, mesmo assim, não foram capazes de fazer objeção ao modelo civilizatório capitalista. De tal modo, é por meio dessa breve retrospectiva, que assume a noção de desenvolvimento como problema, que se torna fundamental resgatar alguns elementos da sua trajetória, mesmo que de forma pouco aprofundada, o que possibilita acompanhar as suas recentes transformações, partindo das demandas contemporâneas.