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As armadilhas decorrentes da operacionalização do BPC

3.2 A inserção do direito a um salário mínimo às pessoas idosas e com deficiência na Constituição

3.2.1 As armadilhas decorrentes da operacionalização do BPC

Apesar de a LOAS estabelecer que cabe ao órgão responsável pela coordenação da Política Nacional de Assistência Social operar o benefício, o Decreto nº 1.744/1995 definiu que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) seria o órgão responsável pela operacionalização do BPC. Desde então o BPC é operacionalizado pelo INSS46.

O Decreto 1.744/1995, que regulamentou o BPC até 2007, também previa que a gestão e a avaliação do benefício seriam realizadas pelo órgão gestor da assistência social; entretanto, estas não foram realizadas por este.

A inserção da assistência, na estrutura institucional do INSS, criou conflitos entre as lógicas contributiva e não-contributiva da seguridade social, com a clara predominância técnica e política da previdência social sobre a política de assistência social. Seus critérios de acesso foram fortemente influenciados pela concepção do trabalho formal prevalentes no INSS (LOBATO, 2006). Em resumo, a operacionalização do BPC pelo INSS incorporou a racionalidade instrumental da seguridade social contributiva da previdência social (MACIEL, 2005).

Tal análise decorre do fato de que o passado histórico das instituições continua presente por meio das “normas e regras institucionais, como as ordens internas de serviços, as ações burocráticas, os atos ditos e não ditos dos atendimentos realizados” (MACIEL, 2005, p. 118)47. Os atores sociais absorvem de forma tão intensa o cotidiano institucional que tendem a desvincular a "ação e a experiência humana da moldura contextual que lhe confere realidade e compreensibilidade” (SOUZA 2003, p. 23). Sendo o INSS uma instituição cinquentenária e o BPC um direito ainda em sua juventude, seu arcabouço institucional funciona como uma âncora que pressiona e impõe-se sobre o BPC, ressignificando-o devido ao forte ancoramento institucional da instituição previdenciária. Este ancoramento institucional que o INSS exerce sobre o BPC tem uma força vinculante – estruturante e estruturadora – que é fundada pela lógica contributiva da seguridade social. Essa força objetiva-se por meio da racionalidade instrumental que é constituidora das normas, de resoluções, dos

revogado pelo Decreto 2.214/2007. Este novo decreto mantém a operacionalização do BPC com o INSS. Para Maciel (2005), foram apresentadas duas justificavas para a escolha do INSS: (i) a grande capilaridade do órgão que se encontra presente em grande parte dos municípios brasileiros e (ii) a experiência acumulada com a organização e o controle dos benefícios previdenciários que possuíam abrangência nacional.

47 Resolução INSS/PR nº 324, de 15 de dezembro de 1995; Portaria MPAS/SEAS Nº 1.478, de 22 de dezembro de 1999 - DOU de 23/12/99; Orientação Interna/INSS/DIRBEN Nº 58, DE 18 de dezembro de 2001; Resolução INSS/DC Nº 127 - de 30 de maio de 2003 – DOU de 3/6/2003; Resolução INSS/PR nº 435, DE 18 de março de 1997 - DOU de 04/04/97; Resolução INSS/DC nº 60 - de 6 de setembro de 2001 - DOU de 12/9/2001 e; OI INSS/DIRBEN/Nº 081, de 15/01/2003.

critérios de elegibilidade, da burocracia institucional e dos atos presentes na própria instituição do INSS (MACIEL, 2005). Então, o benefício, “ao invés de ratificar-se como direito de uma cidadania substantiva, pode assumir uma feição de um direito relativo e fragilizado e, portanto incerto” (MACIEL, 2005, p.129).

Também tende a ocorrer uma identidade simbólica do BPC com um benefício da previdência social em função da sua operacionalização pelo INSS. Isto leva à imprecisão quanto à natureza do BPC, a partir do momento em que esse benefício é identificado pela população demandante como da previdência social. Muitos usuários do BPC confundem esse benefício como se fosse aposentadoria, inclusive, reclamando nas agências do INSS, pelo não- recebimento do 13º salário que teriam direito (MACIEL, 2005). Trata-se do equívoco da assistência social que concebe a assistência social pelo seu lugar institucional de elaboração. Portanto, pelo “aparelho Estatal que ela é sistematizada, formalizada, orçada e avaliada, deduz-se automaticamente que é aí que ela se origina” (PEREIRA, 1996, p. 35).

Para o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza e à Fome48, a implementação e a gestão do BPC, desde a sua implantação, ficaram

mais a cargo da previdência social. Isso levou a uma identificação equivocada do BPC como benefício da previdência social, a uma cultura de regulação restritiva à concessão e a concepção de não-legitimidade do direito por ser não-contributivo. Diante disto, o BPC teve a sua “história inicial apartada da assistência social e desarticulada das demais ações, experimentando um distanciamento do ponto de vista da condução da política, sem visibilidade e sem sua apropriação” (BRASIL. 2006).

A forma como o BPC foi regulamentado e operado pela burocracia estatal provocou retrocessos. Entre eles podemos destacar (i) a não consideração do usuário no processo de implantação do benefício, ignorando completamente a sua capacidade de participação; (ii) a forma seletiva e residual de acessar o BPC (SPOSATI, 2004) e; (iii) a transposição da racionalidade instrumental da lógica atuarial do INSS para a operacionalização do benefício (MACIEL, 2005).

48 Palestra proferida pela equipe do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome no “Encontros Regionais 2006: Benefícios de Assistência Social no Contexto do SUAS”, realizado pelo MDS em Belém, nos dias 16 e 17 de novembro de 2006.

Apesar de o BPC ser o (i) único benefício da assistência social efetivado enquanto direito reclamável pela justiça, (ii) único direito da LOAS que é despesa obrigatória no FNAS; (iii) ter o maior número de usuários e; (iv) consumir a maioria dos recursos da assistência social (cerca de 80% do orçamento executado pelo FNAS, no ano de 2008), a sua inserção na assistência social ainda é muito contábil e programática.

A relação do beneficiário com a assistência se deu de forma indireta — por “carnê” ou “guichê bancário” — limitada ao saque do dinheiro no sistema bancário, sem relações humanas, extraindo a dimensão relacional da política (SPOSATI, 2009).

A LOAS prevê que (i) a assistência social deverá ser realizada por meio de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade e (ii) os programas voltados ao idoso e à integração da pessoa com deficiência deverão ser devidamente articulados com o benefício de prestação continuada. Entretanto, a inserção do usuário na rede de proteção social da assistência social, de forma articulada com outras políticas, nunca ocorreu. Diante disso, a renda proveniente do direito ao BPC se tornou um fim em si mesmo, e não um meio de proteção social que vise à promoção social do indivíduo e sua família.

A sua operacionalização foi passada para o INSS e sua gestão ficou mais a cargo da gestão securitária. Essa transferência de responsabilidade, seja pela incapacidade da assistência social, como defende Aldaíza (2004) ou pela manutenção do legado das políticas prévias49, idéia da qual partilhamos, submeteu o direito à lógica da seguridade social contributiva retraindo e, até

49 Para Arretche (2000), o legado das políticas prévias (herança institucional dos programas anteriores) pode influenciar a descentralização das políticas publicas. Para a autora este legado conforma “o entendimento dos problemas a serem preservados ou destituídos e, sobretudo, conformam as capacidades institucionais de ação da burocracia” (ARRETCHE, 2000:30). Isso porque, a existência de capacidades estatais instaladas podem minimizar ou elevar os custos da descentralização. Também, “os interesses organizados em torno da forma que como estavam distribuídas as atribuições nas modalidades institucionais prévias atuam no sentido de sua manutenção”. A avaliação dos resultados das políticas prévias pelos formuladores das reformas com relação ao formato descentralizado influencia o processo de reformas ao condicionar caminho conceitual de identificação dos problemas e soluções (ARRETCHE, 2000:31). A sua operacionalização e gestão pelo INSS podem estar relacionado aos fatos de sua experiência, suas capacidades estatais e pela manutenção de interesses organizados entorno da forma que estavam antes, no caso a RMV.

imobilizando o campo de atuação da seguridade social não-contributiva brasileira sobre ele.

Em 2008, foi publicado um novo decreto de regulamentação do BPC, Decreto 6.216/2008. Tal decreto reviu alguns conceitos e critérios e atribuições em relação ao anterior, mas manteve a operacionalização do BPC com o INSS. Para esse trabalho, permanecer com o BPC operacionalizado pelo INSS – mesmo com um novo convênio que estabeleça uma parceria – não retira a objetivação do passado no presente do espaço institucional da previdência.