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CAPÍTULO 3 OS CICLOS DE APRENDIZAGEM NA REDE MUNICIPAL DE ENSINO

3.2 As bases da proposta dos Ciclos de Aprendizagem

A proposta contrária à seriação, os ciclos de aprendizagem, foi instituída a partir da gestão do PT no Município do Recife, em 2001, que prezava pelos princípios de gestão democrática, de participação e de educação escolar como um direito social.

A organização escolar em ciclos de aprendizagem surge como uma alternativa para a construção de “[...] uma sociedade onde a segregação seja superada na relação entre os povos e nações; transformar essa sociedade de modo que a solidariedade, a cooperação, o respeito às diferenças, conduzam a uma convivência de compreensão, tolerância e acolhimento” (DIRETORIA GERAL DE ENSINO, Apresentação, 2003, p. 9).

A Secretaria de Educação, Esporte e Lazer da Prefeitura Municipal de Recife, ao implantar o sistema de ciclos de aprendizagem, o fez na perspectiva de oferecer uma escola democrática, uma educação escolar com qualidade social.

A opção pela nova organização escolar é respaldada pela LDB (1996), que indica no artigo 23 a possibilidade da educação básica “[...] organizar-se em séries anuais, períodos de estudos, grupos não-seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios [...]” (BRASIL, 1996).

Mesmo considerando a implantação dos ciclos de aprendizagem um avanço em relação à democratização do ensino, Patto (2005) chama a atenção para essa questão quando diz que democratizar o ensino requer muito mais do que universalizar o ensino e proporcionar um diploma no prazo previsto, através de políticas de não retenção.

Pensar numa nova forma de funcionamento escolar implica considerar a mudança que provocará na cultura escolar.

É preciso estar atento às modificações necessárias quando da implantação desse modelo, no que se refere não só à gestão escolar, mas também às questões pedagógicas. Avaliação, currículo, prática pedagógica e docente e formação de professores são aspectos que devem ser repensados e adequados ao modelo de organização em ciclos de aprendizagem.

A prefeitura do Recife, ao propor a organização escolar em ciclos de aprendizagem, também compreende que esta estrutura, além de favorecer a continuidade, a interdisciplinaridade e a integração coletiva da escola, deve respeitar os ritmos e tempos dos alunos. “Essa lógica de pensar a escola e o seu currículo se antagoniza com a tradicional matriz curricular da seriação anual da educação escolar que legitima a compartimentalização, a fragmentação e a desarticulação do currículo, dos saberes e das aprendizagens, traduzindo a lógica linear da produtividade” (DIRETORIA GERAL DE ENSINO, 2003, p. 131).

Nessa linha de pensamento é que a proposta de ciclos de aprendizagem da rede municipal de ensino do Recife tem como base a reorganização do espaço, do tempo e da prática pedagógica, respeitando dessa forma as diversidades e os diferentes tempos de aprendizagem.

Com esta proposição e na perspectiva de uma educação como qualidade social, é que a Secretaria de Educação, Esporte e Lazer da prefeitura municipal do Recife propõe a mudança na organização escolar.

Contrariamente à organização tradicional, seletiva e excludente, a proposta dos ciclos de aprendizagem corrobora a formação integral do sujeito numa concepção de escola inclusiva, na qual as práticas pedagógicas sejam a favor da interação e da construção do conhecimento. Essa proposta redimensiona os fundamentos dos processos de ensino e de aprendizagem, fazendo com que a construção do conhecimento seja vista como uma construção processual.

A concepção que dá suporte à implantação dos ciclos de aprendizagem é a teoria sócio-interacionista de Vygotsky. Nesta concepção, o desenvolvimento é ligado ao contexto sócio-histórico, onde o aluno sai da condição de passivo na perspectiva do inatismo e passa a ser um sujeito ativo em seu processo de construção do conhecimento. Dessa maneira, “a estrutura, a dinâmica e o funcionamento escolar voltam-se para a promoção do aluno, que passa a ser visto como sujeito singular, ativo e co-autor de seu processo de aprender, rompendo com o mito da homogeneidade, tradição autoritária da escola” (DIRETORIA GERAL DE ENSINO, 2003, p. 143).

A rede municipal de ensino do Recife, ao optar pelos ciclos de aprendizagem, o fez também por estes significarem o enfrentamento da questão do fracasso escolar e dos altos índices de repetência e evasão.

Além disso, essa organização representa uma política de inclusão, que respeita a diversidade e os diferentes tempos de aprendizagem e valoriza a profissionalização da docência. Nesse sentido, para a Prefeitura do Recife, “[...] a idéia de ciclo ressurge como uma perspectiva emancipatória para os alunos da escola pública, como também para o próprio professorado” (DIRETORIA GERAL DE ENSINO, 2003, p. 147).

Assim, a organização escolar em ciclos de aprendizagem proposta pela Prefeitura do Recife expressa os princípios da igualdade, do reconhecimento das diferenças, da inclusão, da integralidade e da autonomia, compreendendo a educação como uma ação integrada que interfere e sofre interferência do contexto social, político, econômico e cultural.

De acordo com a proposta, a organização escolar em ciclos de aprendizagem tem como fundamento a concepção de desenvolvimento e de aprendizagem pautada no respeito às diferenças de ritmo dos alunos, levando em consideração a idade do aluno e as características de natureza cognitiva e sócio-cultural-afetiva.

Dentro dessa perspectiva, e dando cumprimento às diretrizes da política educacional, a rede municipal de ensino do Recife, desde 2002, ampliou para nove anos a duração do Ensino Fundamental, de acordo com o que prevê uma das metas do Plano Nacional de Educação, aprovado pela Lei Nº 10.172/2001.

O Ensino Fundamental, a partir da implantação dos ciclos de aprendizagem, tem a seguinte estrutura:

1º ciclo – crianças de 06 a 08 anos 2º ciclo – crianças de 09 e 10 anos 3º ciclo – crianças de 11 e 12 anos 4º ciclo – crianças de 13 a 14 anos

É preciso esclarecer que no primeiro ciclo há o 1º, 2º e 3º anos para atender às crianças com 6, 7 e 8 anos respectivamente, e no segundo ciclo, 1º e 2º anos, para os alunos com 9 e 10 anos. Assim também se dá a organização do 3º e 4º ciclos, para os adolescentes de 11 a 14 anos.

Terão acesso ao primeiro ano do 1º ciclo as crianças com 6 anos ou que vão completar em abril, e as que têm mais de 6 anos que nunca freqüentaram a escola. Os alunos vindos de sistemas seriados serão inseridos nos ciclos considerando a relação de um ano de escolaridade para cada ano do ciclo.

Quanto à progressão do aluno, a passagem de ano para ano, dentro de um mesmo ciclo, se dá de forma contínua. A retenção é praticamente inaceitável pela Secretaria de Educação, Esporte e Lazer. No início da implantação, apenas no 3º ano do 1º ciclo e no 2º ano do 2º ciclo é que o aluno poderia ser retido; mesmo assim, era necessária uma série de procedimentos: um relatório com uma justificativa, feito pelo(a) professor(a), um parecer da coordenação da escola e um parecer da inspeção. Após esses procedimentos, a família era chamada para conversar sobre a situação do(a) aluno(a) e em conjunto, família, professor, coordenador e inspetor decidiam pela retenção ou não. Porém, todo o relatório, juntamente com a decisão, é apreciado pela Gerência de 1º e 2º ciclos da Secretaria de Educação, Esporte e Lazer, que dá o veredicto final. Atualmente a retenção no final de cada ciclo é praticamente inaceitável.

Dentro desse quadro, conclui-se que as transformações propostas pela prefeitura municipal do Recife representam uma nova possibilidade, um novo olhar, um novo caminho para a educação pública que está tão sucateada.

A implantação dos ciclos de aprendizagem, no entanto, não pode ser limitada apenas à nomenclatura, nem ao respeito aos diversos tempos e espaços de aprendizagem.

Faz-se necessário que haja várias transformações no cotidiano escolar, na política de formação e capacitação de professores, na postura do educador, na gestão, na avaliação, no currículo, na compreensão dos processos de desenvolvimento, enfim, e principalmente, no processo de ensino e de aprendizagem.

Mainardes fortalece esta afirmação quando diz que:

A mera expansão do tempo não significa a solução do problema da aprendizagem dos alunos e elevação da qualidade da escola. Assim,a implantação de programas de ciclos precisa ser, necessariamente, acompanhada de uma revisão de toda a concepção de conteúdos, de metodologia, avaliação e gestão da escola (2007a, p. 186).

É importante ressaltar que, ao propor os ciclos de aprendizagem, a rede municipal de ensino do Recife tem a clareza da necessidade de efetuar profundas mudanças, quando estabelece em sua proposta as diretrizes educacionais que servem de base para a execução desse regime.

No entanto, é necessário que haja uma aceitação dessa nova política por parte dos alunos, dos professores, dos pais, enfim, de todos os envolvidos direta e indiretamente no processo de ensino e de aprendizagem, para que os objetivos da proposta sejam de fato consolidados. Para isso, é fundamental que os construtos teóricos da proposta de ciclos sejam apreendidos por todos, principalmente pelos professores.

3.3 Os sentimentos dos professores diante da nova organização escolar no encontro de