• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2 A ORGANIZAÇÃO ESCOLAR EM CICLOS: A DIVERSIDADE DE

2.4 Ciclos de Aprendizagem

A abordagem feita aqui, sobre os ciclos de aprendizagem, será baseada principalmente nas concepções do sociólogo Philippe Perrenoud, por ter sido um autor que dedicou um trabalho específico sobre esse modelo de organização escolar.

Contrapondo-se aos ciclos de estudos, Perrenoud (2004a) denomina essa organização de ensino ora de Ciclos de Aprendizagem, ora de Ciclos de Aprendizagem Plurianuais.

É extremamente equivocado pensar que o ciclo de aprendizagem seja apenas uma política de não retenção visando à correção da distorção idade-série.

Perrenoud (2004a), assim como Freitas (2002a), afirmam que existem duas concepções de ciclos de aprendizagem: uma concepção conservadora e outra inovadora.

Quanto à concepção conservadora, Perrenoud (2004a) diz que, fora o nome, nada tem de diferente da organização seriada. Nesta corrente, as práticas pedagógicas, os programas, a avaliação, a forma de aprovação/reprovação são as mesmas da escola seriada. É necessário, nessa vertente conservadora, que o aluno adquira determinados conhecimentos e desenvolva certas competências que se constituem como condição para a passagem de um nível para o outro.

espaços-tempos de formação, que favorecem uma maior igualdade na escola através de “uma pedagogia diferenciada, baseada em uma avaliação formativa; percursos diversificados de formação” (2004a, p. 41). O que leva a uma diversificação dos percursos de formação, explica o autor, é o modo e a intensidade do acompanhamento pedagógico. Além disso, os ciclos de aprendizagem, numa visão progressista de educação, são considerados uma verdadeira inovação e requer novas competências.

Para Perrenoud (2004a), os ciclos de aprendizagem são definidos por muitos educadores apenas como uma forma de suprimir a reprovação.

No entanto, Barretto e Sousa (2004b) fazem uma reflexão sobre o aspecto conservador dos ciclos de aprendizagem por outra ótica. Não por ser apenas uma forma de acabar com a reprovação, mas, sobretudo, segundo as autoras, porque, a exemplo da proposta dos ciclos de aprendizagem nos parâmetros curriculares nacionais, o detalhamento minucioso dos objetivos e conteúdos curriculares (associados à artificial correspondência, caso a caso, entre conceitos, atitudes e procedimentos) dificulta o manejo dos tempos e dos espaços diferenciados de aprendizagem.

Seguindo essa mesma linha de raciocínio, Perrenoud (2004a) enfatiza que os ciclos de aprendizagem vão além de uma política de retenção. Para ele, os ciclos representam etapas mais compatíveis com as unidades de progressão das aprendizagens, permitem um planejamento mais flexível e possibilitam uma maior diversidade e flexibilidade no atendimento ao aluno.

Perrenoud (2004a) defende uma definição chamada por ele de ambiciosa, segundo a qual “[...] um ciclo de aprendizagem poderia servir de quadro integrador e de ponto de apoio a uma evolução do ofício de professor, dos programas e das formações escolares, da avaliação e da luta contra as desigualdades” (2004a, p. 35). Ambiciosa no sentido de ser uma estrutura aberta, que possibilita uma descompartimentalização das séries, e cria “[...] uma solidariedade institucional entre professores do mesmo ciclo [...]” (Ibid, 2004a, p. 38).

Segundo Krug (2004), nos ciclos de aprendizagem, o currículo já apresenta significativas variações em relação à estrutura curricular da seriação.

Quanto à avaliação, a idéia de que nos ciclos ela “perde” o sentido é bastante equivocada. Ao contrário, a avaliação nos ciclos de aprendizagem é de fundamental importância, pois possibilita um maior acompanhamento no processo tanto de ensino quanto de aprendizagem. No entanto, a avaliação deve ser repensada dentro de uma nova perspectiva,

que seja adaptada à lógica dos ciclos, que não tenha apenas o objetivo de “medir”, a cada fim de etapa, os conhecimentos e as competências adquiridos, mas que, sobretudo, seja um instrumento orientador para os percursos a serem seguidos. O que desaparece, segundo Perrenoud (2004a), é a avaliação imposta num calendário com prazos estabelecidos.

É nessa perspectiva que Perrenoud evidencia que “[...] os ciclos de aprendizagem exigem uma “ruptura” com as etapas anuais e, portanto, com os programas correspondentes” (2004a, p. 22).

Embora Perrenoud não tenha o objetivo de “expressar uma definição ortodoxa dos ciclos” (2004a, p. 41), como ele mesmo afirma (e nem poderia fazê-lo, diante da diversidade de experiências e estudos sobre essa organização escolar), propõe nove “teses” que apontam uma concepção global sobre os ciclos de aprendizagem, a seguir elencadas:

1. Um ciclo de aprendizagem é apenas um meio para ensinar melhor e para lutar contra o fracasso escolar e as desigualdades;

2. Um ciclo de aprendizagem só pode funcionar se os objetivos de formação visados ao final do percurso estiverem claramente definidos. Eles constituem o contrato para os professores, alunos e pais;

3. É importante desenvolver nos ciclos plurianuais vários dispositivos ambiciosos de pedagogia diferenciada e de observação formativa;

4. A duração de passagem em um ciclo deve ser padrão, para forçar a diferenciar por meio de outras dimensões além do tempo e para não favorecer uma reprovação disfarçada;

5. Um espaço-tempo de formação de vários anos só pode atingir seus objetivos se os procedimentos e as situações de aprendizagem forem repensados nesse âmbito;

6. Dentro de um ciclo, os professores se organizam livre e diversamente. O sistema lhes propõe instrumentos a título indicativo: balizas intermediárias, modelos de organização do trabalho e de agrupamento dos alunos, instrumentos de diferenciação e de avaliação;

7. É desejável que um ciclo de aprendizagem seja confiado a uma equipe pedagógica estável que se responsabilize por ele coletivamente durante vários anos;

8. Os professores têm que receber uma formação, um apoio institucional e um acompanhamento adequados para construir novas competências, e

9. A busca de um funcionamento eficaz em ciclos é uma longa caminhada, que deve ser considerada como um processo negociado de inovação, que se estende por vários anos (2004a, p. 29-30, grifos do autor).

Mesmo com as diversas mudanças propostas e um olhar diferente na estrutura de uma escola organizada em ciclos de aprendizagem, é importante lembrar que não adianta listar uma série de ações que devem ser adotadas se as concepções de educação, de ensino, de aprendizagem, de avaliação, de aluno, não estiverem em consonância com as teorias inovadoras, contrárias às concepções tradicionais. Além disso, é necessário que toda forma de organização de ensino tenha suas ações adequadas à realidade de cada escola e lugar, sem, no

entanto, perder de vista a garantia de uma escola de qualidade que não seja excludente nem seletiva.