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2 A PRESENÇA DAS BIBLIOTECAS UNIVERSITÁRIAS NA EDUCAÇÃO

2.1 Bibliotecas: aspectos histórico-conceituais

2.1.2 As bibliotecas na Idade Média

A referência temporal para a abordagem das bibliotecas na Idade Média é o período que vai do século V ao XV, justamente a época do surgimento das corporações de

ofícios, consideradas como as experiências de formação das primeiras universidades (DIOGENES; CUNHA, 2017). Dentre os tipos de corporações, destacam-se as Universitas studi, que se caracterizavam como um grupo coeso de alunos e mestres para transmissão e aprendizagem de conhecimentos sem o compromisso de uma aplicabilidade imediata, ou seja, o grupo se reunia em torno de professores para aprender o que eles tinham para ensinar. Era comum serem os professores a emprestar os próprios livros aos estudantes mais aplicados, que os copiavam e, por vezes, até vendiam as cópias efetuadas a livreiros que se instalavam junto das universidades (VEIGA, 2007). Esta forma de ensino permitia a alguns estudantes a circular entre cidades e países à procura dos melhores mestres. Esse movimento favoreceu a formação de novos grupos que por sua vez constituíram os núcleos das primeiras universidades que, significativamente, atendiam pelo nome de studium generale.

Na Europa, mais especificamente nas cidades da Itália (Salerno, Bolonha), da França (Paris, Montpellier), da Inglaterra (Oxford, Cambridge), dos reinos que viriam a constituir a futura Espanha (Salamanca, Toledo, Sevilha), de Portugal (Lisboa, Coimbra) estabeleceram-se as primeiras universidades, muitas delas resultantes da evolução de escolas e colégios religiosos, que funcionavam junto a catedrais ou mosteiros (RIBEIRO, F., 2015).

É importante destacar que as bibliotecas universitárias de Paris e de Oxford serviram de modelo para a maior parte das demais instituições bibliotecárias de ensino superior na Europa. Eram espaços de dimensão reduzida, com poucos lugares para trabalho sentado e os livros mais valiosos encontravam-se presos com cadeiras em ferro. A leitura e o estudo realizavam-se na mesma sala onde se guardavam os livros (em estantes) e estes estavam organizados segundo uma classificação que, geralmente, se dividia nas matérias do trivium e do quadrivium teologia, medicina e jurisprudência.

Com relação à leitura nesse período, DeNipoti (2002) pontua que, em virtude do cristianismo durante a Idade Média, as técnicas pedagógicas de ensino da leitura se multiplicaram. O ensino da leitura era feito visando principalmente às orações e aos textos religiosos, sendo as bibliotecas mantidas quase que exclusivamente nos mosteiros.

As atividades de leitura passaram a ser regulamentadas e organizadas em parágrafos e títulos, observando as funções gramaticais. A leitura era realizada em voz alta, respeitando a pontuação e o leitor deveria comentar as características de vocabulário, interpretando seu conteúdo, principalmente subordinando a leitura, à educação religiosa, as Sagradas Escrituras (MANACORDA, 2006, p. 129).

Para as crianças medievais, buscava-se ensinar o alfabeto através de tábuas, de micrografias, de bordados ou de utensílios domésticos nos quais se apresentavam as letras. A

disposição destas em sequências lineares, horizontais, verticais ou circulares, permitia que se efetuasse um aprendizado precoce da leitura. Buscava-se a identificação com as escrituras sagradas, fosse associando-se o alfabeto aos dez mandamentos, fosse através de uma pedagogia que se equiparasse temporalmente à criação (DENIPOTI, 2002).

Somente no século X se começou a ler silenciosamente. O leitor podia estabelecer uma relação mais próxima com o livro e as palavras e, entra em cena, o espaço interior, espaço este em que o leitor podia antecipar leituras, pular trechos, realizar comparações com outros livros deixados abertos para consulta simultânea.

Contudo, para os padres cristãos, tal procedimento era sinônimo de ociosidade, pois a leitura silenciosa abria espaço para sonhar acordado, para o perigo da preguiça, o pecado da ociosidade, além do perigo de se ler refletindo sobre o sentido das palavras, sem ter alguém que oriente ou que condene a leitura feita.

A leitura silenciosa permitiu, assim, o estreitamento da relação texto-leitor, sem desconsiderar as outras práticas de leitura, conforme destaca Chartier (1999) em essência, a leitura silenciosa é a grande mudança revolucionária no modo de ler. Ratificando com o mesmo autor: A grande revolução da leitura localiza-se, a partir do século IX, nos mosteiros, e a partir do século XIII, nas universidades europeias e depois se estende para a sociedade leiga.

O quadro 1 apresenta, de acordo com Veiga (2007), a categorização e a data de surgimento das primeiras universidades na Idade Média. O que chama atenção nesta sistematização da evolução histórica e social das universidades neste período é sua dinâmica de influência e influenciada constante no desenvolvimento das sociedades, ou seja, as universidades, em grande medida, transformam não só o saber social como também reproduzem a sociedade.

Quadro 1 – Formação das bibliotecas universitárias na Idade Média

TIPO DE FORMAÇÃO UNIVERSIDADE ANO DE CRIAÇÃO

Espontânea Bolonha (Itália) Oxford (Inglaterra) Montepellier (França) Paris (França) 1088 1214 1220 1250

Formadas por migração Pádua (Itália)

Cambridge (Inglaterra)

1222 1318

Formadas por autoridades religiosas ou nobreza Nápoles (Itália) Salamanca (Espanha) Valladolid (Espanha) Lisboa (Portugal) 1224 1218 1250 1290

Criadas por decreto real

São Domingos (América Espanhola)

Lima (América Espanhola) México (América Espanhola)

1538 1551 1551

Fonte: Adaptado de Veiga (2007, p. 176).

Ainda sobre a categorização de Veiga, é válido também observar as formas de organização das universidades que inicialmente surgiram com o caráter espontâneo, isto é, foi uma necessidade humana genuína de compartilhamento do conhecimento. Tal fato é corroborado na fase migratória. Nos momentos seguintes, motivadas por mudanças sociais e políticas, as universidades ficaram no domínio da Igreja e da realeza.

Sobre a permanência e a vitalidade das instituições medievais, há de se observar a originalidade e a importância destas construções e a sua relevância como espaço para o desenvolvimento do pensamento intelectual. Nessa perspectiva histórica, é conveniente observar que as bibliotecas medievais tinham para si mesmas o objetivo de instrução materializada nos ensinamentos teológicos, no estudo do latim e das leis.

Nesse sentido, é importante mencionar que, apesar da ocorrência das transformações políticas e culturais, tais unidades “de saber” (e não ainda de informação) continuavam sendo espaços de conservação e preservação de acervos e não de disseminação e usos, principalmente por parte da Igreja.

A passagem da Idade Média para a Idade Moderna foi impulsionada pelo movimento renascentista, que causou importantes mudanças sociais e culturais. Afirma Silveira (2014) que esse contexto de transformações reflete também nas bibliotecas, principalmente com o advento do livro impresso iniciando o desenho de seu sentido moderno. Na análise que segue, a tentativa é circunscrever a biblioteca universitária frente às transformações ocorridas no

período moderno, transformações essas que possibilitaram maior visibilidade e autonomia para a evolução conceitual da biblioteca na contemporaneidade.