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5 ABORDAGENS AVALIATIVAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM

5.3 Perrenoud: abordagem formativa da avaliação

5.3.2 Avaliação formativa na perspectiva da teoria das competências

Historicamente, a noção de competência era utilizada desde a Idade Média por meio da linguagem jurídica: os juristas designavam tribunais competentes para um determinado tipo de julgamento a pessoas ou instituições “com competência” para realizar certos atos juridicamente válidos. No decorrer do tempo, o termo passou a ser utilizado na linguagem das organizações, para qualificar a pessoa capaz de realizar determinada atividade produtiva com efetividade (MARINHO-ARAÚJO; RABELO, 2015).

Ao longo do tempo, a noção de competência assumiu contornos diversos, de forma mais geral, a uma capacidade reconhecida de ação ou de expressão sobre determinados assuntos, assumindo um caráter polissêmico que permitiu evocar uma multiplicidade de conhecimentos e de saberes, bem como suas diversas fontes, quer seja a escola quer sejam outras origens dessa aprendizagem (MARINHO-ARAÚJO; RABELO, 2015).

Nos anos 1970, o conceito de competência atrelava-se a um saber tácito, um saber fazer, fruto de práticas de trabalho oriundas de oportunidades diferentes e de uma ausência de sistematização e articulação com o conhecimento teórico, motivado por uma divisão técnica e fragmentada do trabalho. Hoje já não se dissociam desse conceito as dimensões cognitivas,

emocionais, pessoais e interpessoais que se desenvolvem por meio de relações sistematizadas com o conhecimento teórico formal (MARINHO-ARAÚJO; RABELO, 2015).

O processo de avaliação educacional apresenta múltiplos sentidos, produzidos na interdependência entre a aprendizagem de conhecimentos e o desenvolvimento de competências, influenciando a constituição da subjetividade dos atores nos processos educativos. Um importante espaço de interlocução entre os conhecimentos que deverão ser apropriados pelos sujeitos em seus processos educacionais e as possíveis competências que podem ser desenvolvidas deverá ser oportunizado pela avaliação tanto de produtos e resultados quanto de processos pelos quais a formação educacional e profissional se materializa.

Vários autores, em diversas áreas do conhecimento, vêm debatendo as proximidades, os distanciamentos e os consensos entre as noções de saberes (eruditos, escolares, populares), conhecimentos, competências, habilidades e savoir-faire (PERRENOUD, 2002; ROPÉ, 1997). Especialmente a respeito do conceito de competências, é fundamental considerar o alerta de Dias Sobrinho e Ristoff (2002) no sentido de não se reduzir o desenvolvimento de competências ao treinamento de um conjunto de capacidades que realcem, essencialmente, a dimensão técnica da ação profissional. É necessário, portanto, que se amplie a compreensão do seu conceito, sob pena de não se conseguir desenvolver procedimentos e métodos adequados à sua avaliação.

Para além do uso no mundo do trabalho, as competências também aparecem no discurso contemporâneo de vários campos do conhecimento científico, quer se trate de prática profissional, da pesquisa ou da aprendizagem. Ropé (1997, p. 16) observa que uma das características essenciais da noção de competência é ser inseparável da ação: “[...] a competência é um atributo que só pode ser apreciado e avaliado em uma situação dada.” A partir desse pensamento, é propício considerar que é importante verificar as significações e transformações nos contextos em que as competências são utilizadas.

Segundo Marinho-Araújo (2003), ser competente caracteriza-se por, diante de uma situação-problema, mobilizar recursos, comportamentos e conhecimentos disponíveis e articulá-los aos pontos críticos identificados, para que seja possível tomar decisões e fazer encaminhamentos adequados e úteis ao enfrentamento da situação. Portanto, aprender a identificar, mobilizar, gerenciar e utilizar esses conjuntos de recursos, articulados a habilidades, saberes, conhecimentos e outras características pertinentes, é o que oportuniza a visibilidade de uma competência (ROPÉ, 1997).

Retomemos, então, após essa breve introdução acerca de competência e seu viés educacional no contexto da Ciência da Informação, a avaliação do ensino-aprendizagem, desta feita, as análises e reflexões serão feitas a partir da perspectiva de competência, de Philippe Perrenoud. O interesse de se refletir sobre avaliação do ensino-aprendizagem sob a ótica de Perrenoud pauta-se no entendimento de competência do autor no âmbito educacional, mais especificamente sua proposta de avaliação, que no nosso entendimento, é possível encontrar pontos de convergência com a biblioteca.

A preocupação com as competências intensificou-se nos finais do século XX, por ocasião da globalização econômica, que invocava uma maior competitividade, rentabilidade e flexibilidade. As empresas sentiam necessidade em conceber as suas próprias organizações de formação, a fim de uma mão de obra mais competente ou qualificada. Esta complexidade da vida econômica atingiu forçosamente a escola, a qual sentiu também necessidade de novos modelos para vencer os atuais desafios. O desenvolvimento de competências apareceu, assim, como uma resolução viável na busca de soluções eficazes, criativas e inovadoras (MEDONÇA, 2007).

A literatura da área de Educação revela que, inicialmente, houve dificuldade de assimilação do termo competência como elemento formador da educação. Essa resistência, citada por Farias (2014), está ligada à pressão do saber teórico-acadêmico que por muito tempo priorizou o ensino de conteúdo e menos os procedimentos, as habilidades, as estratégias, as atitudes e os valores como elementos desenvolvedores da formação.

Com efeito, o uso do termo competência, nesse caso, resulta da necessidade de superar um ensino que, na maioria dos casos, reduziu-se a uma aprendizagem cujo método consiste em memorização, fato que acarreta dificuldade na mobilidade do conhecimento aplicado na vida real. Como superação, a proposta da aprendizagem por competência suscita um procedimento construtivo, ativo, contextual, social e reflexivo.

No âmbito educacional, a competência possibilitou o surgimento de uma abordagem educativa concebida como pedagogia das competências7, tendo Perrenoud como um dos pensadores mais proeminentes. Para o Perrenoud (1999, p. 7), competência “[...] é uma capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles.” Neste caso, as ações de competente ultrapassam o saber técnico/científico, requerendo a mobilização de um conjunto de recursos cognitivos e

7 A “pedagogia das competências” é um termo que surgiu no contexto da crise estrutural do sistema capitalista, em função da necessidade de formação de um novo trabalhador, que precisava se adequar às novas exigências da produção, dando suporte a uma grande mudança de paradigma que começou a se verificar no mundo do trabalho e da Educação (BOSCHETTI, 2014).

saberes vivenciados. Perrenoud (1999) vê as competências não como um caminho, mas como um efeito adaptativo do homem às suas condições de existência. Desse modo, cada pessoa, de maneira diferente, desenvolve competências voltadas para a resolução de problemas relativos à superação de uma dada situação.

Sobre essa questão, o autor ainda nos esclarece:

As competências não são elas mesmas saberes, savoir-faire ou atitudes, mas mobilizam, integram e orquestram tais recursos;

Essa mobilização só é pertinente em uma situação, sendo cada situação singular, mesmo que se possa pontua-la em sintonia com outras, já encontradas;

O exercício da competência passa por operações mentais complexas, subentendidas por esquemas de pensamento que permitem determinar (mais ou menos consciente e rapidamente) e realizar (de modo mais ou menos eficaz) uma ação relativamente adaptada à situação;

As competências profissionais constroem-se, em formação, mas também ao sabor da navegação diária de um professor, de uma situação de trabalho à outra. (PERRENOUD, 2000, p. 15).

Para Perrenoud (2002), não pode haver competências sem saberes. A aquisição de conhecimentos é muito importante, mas nunca deslocada da aplicação prática, em situações concretas. Assim, a escola deve proporcionar o desenvolvimento de competências através da resolução de problemas, onde os saberes entram em ação. No entendimento do autor, a escola deve preparar a todos para a vida, e não para longos estudos. Perrenoud defende, ainda, a diminuição do peso dos conteúdos disciplinares paralelamente a uma avaliação formativa e certificativa, direcionada claramente para as competências, mas, sem entrar em oposição com os saberes. O autor nos alerta, que, para a efetivação das modificações mencionadas, são necessários o envolvimento do sistema educacional, no que diz respeito à alteração de programas, introdução de ciclos de aprendizagem plural, assim como o engajamento dos professores.