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3. ASPECTOS METODOLÓGICOS

3.2 As circunstâncias de coleta

Neste item, é importante comentar certos aspectos que parecem ser muito relevantes em relação à produção das respostas. Diz respeito ao papel do Vestibular na determinação de posições de maior ou menor prestígio que podem ser ocupadas atualmente na sociedade. O vestibular é o marco que divide a vida do cidadão brasileiro em duas partes. Na primeira parte, ele é uma criança e/ou adolescente que, desde cedo, é preparado para competir, para desejar ter sucesso. Na segunda parte, ele se encontra em processo de estabelecimento de uma carreira. A primeira parte é marcada por se ter, durante os Ensinos Fundamental e Médio, uma série de conteúdos que, muito embora nem todos tenham utilidade para a vida prática, servem para medir a quantidade de conhecimento que os alunos têm ao chegarem ao Vestibular. Entretanto, nem todos os brasileiros têm acesso a esses conteúdos, uma vez que o Ensino Público enfrenta uma séria crise, cujo principal resultado é indicado por índices relevantes de analfabetismo funcional34 dos alunos que chegam ao último ano do Ensino Médio, como demonstra Vanilda Paiva, num conjunto de pesquisas sobre conhecimentos básicos, realizado em São Paulo, Rio de Janeiro e Campinas, com uma população de idade entre 15 e 55 anos. Para sua pesquisa, foram aplicados testes que buscavam avaliar a utilização das habilidades de leitura, escrita e cálculo rudimentar. Segundo a autora:

Dos 1.000 entrevistados, 70 (7%) foram considerados como analfabetos absolutos e 25,5% mostraram certo grau de habilidade em leitura, embora não suficiente para responder ao teste principal. Assim, a amostra efetiva foi de 671 entrevistados, entre os quais 67% não ultrapassaram os níveis 1 e 2 de

34 É chamado analfabetismo funcional a incapacidade de atribuir sentido a um texto, ou seja, incapacidade de compreender um texto lido. Mesmo após anos de escolarização, muitos estudantes não conseguem ler um texto e, por conseqüência, fazer comentários e interpretações acerca do mesmo.

dificuldade, numa escala de 1 a 4 - um nível bastante precário de domínio das habilidades. [...] Aplicadas 2057 provas válidas nas duas cidades, os resultados mostram que entre 69% a 81% da população de 15 a 55 anos das cidades testadas encontram-se no nível mais baixo das escalas de prosa, documento e da área quantitativa. 35

Assim, o vestibular, há alguns anos atrás, era uma etapa para poucos: apenas os alunos bem preparados, oriundos de colégios tradicionais, geralmente, particulares, conseguiam ingressar numa faculdade ou numa universidade. Este fato era ainda mais grave em se tratando de UFBA. Por ter um processo seletivo bastante rigoroso, quantidade de vagas relativamente pequena considerando-se a grande demanda de candidatos, e excelência em ensino, a maioria de seus cursos sempre foi mais concorrida do que em qualquer outra faculdade do estado da Bahia. E, apesar de ser uma universidade pública, só era acessível aos candidatos oriundos de classes alta e média-alta, devido ao fato de esses candidatos terem sempre estudado em boas escolas. Os colégios e cursinhos de pré-vestibular passaram a investir cada vez mais em conteúdos direcionados para se “passar no vestibular”, em busca de altos índices de aprovação que garantissem a manutenção das empresas. A preparação deixava de ser apenas durante o terceiro ano do Ensino Médio, começando mais cedo. Com uma demanda cada vez maior de candidatos e universidades que não poderiam absorvê-la, faculdades particulares começaram a surgir, facilitando o ingresso ao Curso Superior e o acesso a um diploma. O governo, através das políticas de cotas e de programas de inclusão e financiamento de estudos para alunos de baixa renda, fez com que o quadro que se delineava nos fins do século XX mudasse. Todavia, o acesso ao nível superior ainda não é algo que todo e qualquer cidadão brasileiro consiga. E ainda existe o mito de que o nível superior é inatingível e distante da realidade de muitos alunos de escola pública.

Esses aspectos mencionados são importantes para que se avalie a grande quantidade de omissão dos alunos da turma C nas respostas dos questionários. Considerando que a turma tinha 15 alunos e que cada prova tinha três questões, a

amostra deveria conter 45 textos. Entretanto, 25% das questões não foram respondidas nesta turma. Além disso, 40% da turma afirmaram não pretenderem fazer vestibular.

Foi considerado, para observação e análise dos dados, o fato de que há uma preparação para a produção de texto para o vestibular e para concursos. Certas regras são colocadas para os alunos como condição sine qua non para que uma boa redação seja elaborada, muitas vezes tomando-se como base as regras gramaticais e deixando- se de lado aspectos que dizem respeito ao conteúdo, ao grau de informatividade do texto e à criatividade do aluno. Tentando seguir estas regras, muitas vezes os alunos se esquecem de que qualquer texto precisa, antes de tudo, de um conteúdo, de um objetivo a ser atingido com o texto produzido, uma vez que o texto não é um amontoado de frases e palavras, mas sim uma unidade desenvolvida por alguém que tem intenções e destinado a outro alguém que têm expectativas a respeito disso. No caso do aluno que escreve um texto como resposta a uma questão discursiva, seja numa prova de vestibular ou numa avaliação da escola, sua intenção é dizer o que o professor quer ouvir. Assim, o aluno se preocupa muito mais com a forma do que com o conteúdo, buscando encaixar o seu texto no padrão estabelecido pelo professor. Por não identificar na norma prescrita pela GT a sua norma, o aluno muitas vezes comete “erros”, assim como também os comete quando permite que aspectos da sua fala espontânea figurem em seu texto escrito. Do outro lado, há o professor que, apesar do desenvolvimento de campos dos estudos da lingüística como Análise do Discurso, Lingüística Aplicada e o Funcionalismo, nem sempre consegue desenvolver um método de trabalho com seus alunos que não fique estagnado nas regras gramaticais. Sua expectativa em relação ao texto do aluno é que esse texto apresente uma boa estrutura, com aplicação das regras de concordância e regência, uso adequado das conjunções e pontuação perfeita.

Desta forma, o ensino/aprendizagem de “redação”, nas escolas de Ensino Médio e Fundamental continua sendo um grande desafio para professores, pedagogos e alunos.