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2. TÓPICO COMENTÁRIO VERSUS SUJEITO-PREDICADO

2.5 Modalidade escrita e modalidade oral

Atualmente, muitos trabalhos são desenvolvidos sobre construções de tópicos na oralidade, por se tratar de um elemento cuja função é predominantemente discursiva e por atuar diretamente no processo comunicativo, sempre trazendo ao texto informações do contexto situacional, portanto pragmático, a fim de manter a eficácia da interação verbal. É evidente que há trabalhos sobre CTs em textos escritos, mas eles representam uma minoria. Na Gramática Tradicional, como já foi dito anteriormente, tais construções são tomadas como anacolutos ou pleonasmos, e são tidas como figuras de linguagem e estilo, usadas por escritores e poetas consagrados da Literatura de Língua Portuguesa. Entretanto, no que diz respeito à escrita do dia–a-dia, às redações de alunos de Ensinos Fundamental e Médio, o uso de CTs que alteram a ordem canônica ou rompem com a estrutura sintática reconhecida pela tradição gramatical como naturais é tido como erro. Parte desse posicionamento dos professores tem origem no desconhecimento sobre as construções de tópicos. Outra parte relaciona-se diretamente com o tratamento que a escola e a tradição gramatical dão à escrita, modalidade de língua eleita como superior à fala. Ainda segundo essa postura, à oralidade atribuem-se valores de desordem, incoerência e caos. Já à escrita, são atribuídos valores de ordem, coerência e coesão. Esta forma de ver os usos da língua em duas modalidades dicotômicas e estanques gera uma série de mitos a respeito de ambas e de seus papéis na sociedade. O primeiro mito é o de que a escrita indica supremacia social e cognitiva daqueles que a dominam: sociedades ágrafas, ainda nos dias atuais, são consideradas primitivas por quem desconhece que a oralidade, a língua falada é tão importante e organizada quanto a escrita; pessoas analfabetas são subestimadas quanto à sua capacidade de pensar, raciocinar ou refletir, por muita gente que acredita que aqueles que dominam a leitura e a escrita apresentam uma maior capacidade de raciocínio, sendo superiores cognitivamente. Segundo Marcuschi (2001, p. 16), nas décadas de 50,60 e 70, “considerava-se a relação oralidade e letramento como dicotômica, atribuindo-se à escrita valores cognitivos intrínsecos no uso da língua, não se vendo nelas duas práticas sociais.” Entretanto, a escrita, na sociedade ocidental passou a ter um papel muito maior.

Numa sociedade como a nossa, a escrita, enquanto manifestação formal dos diversos tipos de letramento, é mais do que uma tecnologia. Ela se tornou um bem social indispensável para enfrentar o dia-a-dia, seja nos centros urbanos ou na zona rural. Neste sentido, pode ser vista como essencial à própria sobrevivência no mundo moderno. (idem)

Com essa valorização, a escrita simboliza educação, desenvolvimento e poder, tendo adquirido tais valores pelo fato de ser uma tecnologia que é aprendida numa situação formal, além de representar o modelo de língua que a GT prescreve como norma padrão. Para se aprender a ler e a escrever, na nossa sociedade, é preciso freqüentar a escola, desenvolver atividades de leitura, envolver-se com o que a instituição “escola” determina que seja cultura. “Daí seu caráter mais prestigioso como bem cultural desejável” (idem).

Por outro lado, a fala é a forma natural de expressão da língua. Ela é inata e surgiu muito antes da escrita. Ninguém precisa ir à escola para aprender a falar a língua materna, pois esta é “adquirida naturalmente em contextos informais do dia-a-dia e nas relações sociais e dialógicas que se instauram desde que a mãe dá o seu primeiro sorriso ao bebê.” (ibidem, p. 18) O ser humano goza, assim, da predisposição genética e biológica para aprender a falar, mas acima de tudo, a aquisição da língua materna é a forma mais poderosa de se inserir culturalmente numa sociedade.

Colocando fala e escrita em pólos opostos, desconsidera-se que cada uma dessas modalidades tem seu papel na sociedade. Marcuschi afirma que “[...] fala e escrita são atividades comunicativas e práticas sociais situadas; [...] em ambos os casos temos um uso real da língua.” (ibidem, p. 21) Não se nega, assim, a diferença que existe entre fala e escrita, apenas acredita-se que as diferenças existentes não são polares mas sim graduais. A fala apresenta sons, gestos, prosódia, expressões faciais e movimento do corpo e dos olhos. Já a escrita apresenta letras, sinais de pontuação, elementos pictóricos que traduzem, na modalidade escrita, os elementos sonoros e gestuais da fala. Há outros aspectos que marcam as diferenças entre as modalidades oral e escrita:

• Enquanto a fala se organiza em turnos, a escrita apresenta uma estrutura definida, com frases e parágrafos.

• Na interação através da fala, é necessário que os interlocutores estejam em contato simultaneamente. Portanto há uma resposta imediata entre os interlocutores. Com a escrita, isso não é necessário. Normalmente o texto escrito é elaborado para ser recebido e processado longe de seu produtor.

• Como conseqüência da diferença supracitada, o texto escrito tende a ser mais detalhado, a fim de evitar ambigüidades, uma vez que o produtor e o interlocutor nem sempre terão a chance de tirar dúvidas sobre suas intenções e suas interpretações. Ao contrário da escrita, o fato de a interação através da fala necessitar da presença dos interlocutores, nem sempre há necessidade de que tudo seja explicado. Isso permite que frases sejam iniciadas mas não terminadas; que se usem amplamente as construções de tópico, que gestos e expressões falem mais do que frases inteiras.

Erroneamente, ao se colocar fala e escrita em pólos opostos, duas características são atribuídas, respectivamente, às modalidades descritas: informalidade e formalidade. Entretanto, tanto é possível produzir textos na modalidade oral com alto grau de formalidade, como é possível observar nos telejornais e nos discursos formais, em apresentações em congressos e seminários acadêmicos, como é possível produzir textos escritos com alto grau de informalidade, como textos em diários, bilhetes pessoais ou mesmo “falas” em chats29. Entre a fala e a escrita, ao invés de se visualizar uma dicotomia, é importante que se perceba uma gradação, um continuum.

A escola contribui para que o mito da superioridade da escrita sobre a fala seja difundido. Segundo Marcuschi (ibidem, p. 26)

Esta perspectiva, na sua forma mais rigorosa e restritiva, tal como vista pelos gramáticos, deu origem ao prescritivismo de uma única norma lingüística tida como padrão e que está representada na denominada

norma culta.

É com base nesse pensamento que os alunos passam a desenvolver suas atividades de leitura e produção de texto. O objetivo não é desenvolver a competência de atuar socialmente através da escrita e da leitura, mas sim adquirir uma norma tal como se adquire uma língua estrangeira, eliminando os traços da variante de língua

materna que foi adquirida na primeira infância, que, na grande maioria das vezes, é estigmatizada e considerada errada. O papel do professor, segundo esse posicionamento, é o de eliminar “erros”, através de regras gramaticais. A redação, ao invés de ser um instrumento de expressão, passa a ser um modelo que deve ser seguido, sempre prezando pelas regras gramaticais que mostram “o bom português”. A avaliação do texto produzido pelo aluno passa a ser uma mera verificação da aplicação de regras de pontuação e concordância. Costa Val (1999) propõe que o texto seja avaliado pelos aspectos que o tornam um texto, isto é, por fatores de textualidade, tais como continuidade, progressão, não-contradição, articulação, suficiência de dados, entre outros. Além disso, deve-se considerar em quais condições o produtor do texto o produziu.

No presente trabalho, acredita-se que o modelo de ensino e preparação de alunos para o vestibular interfere diretamente na produção do fenômeno aqui analisado. Como, de um modo geral, os alunos tendem a seguir uma receita “infalível” dada pelos professores de redação, na qual se verifica a indicação do uso da impessoalidade (normalmente indicada pelo discurso indeterminado), bem como a necessidade de se evitar repetições e generalizações, como em sentenças que se iniciam com “o autor quer dizer que...”, uma das hipóteses levantadas é a de que as regras dadas pelos professores de redação estão favorecendo o tipo de construção que se estuda aqui nos textos dos alunos de terceiro ano do Ensino Médio.