• Nenhum resultado encontrado

As classificações e a organização do conhecimento químico

A Química é uma ciência da

classificação, por excelência.

Scerri, 2004

Tipo de conhecimento Conceitual

Conceito estruturante Propriedades, composição, substância, equilíbrio,

composição, permanência

Tipo de conteúdo Conceitual, fatual

Estilo de aprendizagem Teórico

Forma de ensino Demonstrativo, argumentativo Tipo histórico de ensino Ensino tradicional

Grande temática

Classificações e organização do conhecimento químico

A Química é uma ciência da classificação, por excelência.

(Scerri, 2000)

Objetivo

Aproximar conteúdos de Química com elementos da Filosofia Natural

Conteúdos

•  Ontologia de substância, essencialismo na Química, tipos químicos, essências nominais e reais

•  Filosofia Natural, pensamento categórico e os princi pais conceitos químicos: substância, composição, ele mento, propriedades, equilíbrio, estabilidade •  Reducionismo × emergentismo

•  Princípios e principais classificações da Química

•  Erros conceituais e epistemológicos no ensino-aprendizagem: micro/macro

Competências

Competência cognitiva e conceitual

Tipo de ensino

Tradicional

No século XVII, a Filosofia da Ciência preocupou-se com o mé- todo (Pombo, 2006). No século XVIII-XIX, atingiu-se com o ilumi- nismo o esplendor da disciplinarização e a classificação tornou-se central primeiro em Lineu, nas Ciências Naturais, e depois em Comte e Spencer. No século XX, apesar de Peirce,18 Piaget e Fou-

cault, a centralidade maior foi da axiomatização das teorias no con- texto do Círculo de Viena e do positivismo lógico. As ciências que não possuíssem teorias formalizáveis eram mera filatelia e as classi- ficações foram tidas como um conhecimento menor. Na atualidade, o estatuto das classificações é recuperado com as nanotecnologias e a astronomia, campos dominados pela imagem (Pombo, 2006).

As classificações são arbitrárias, dependem da razão humana, têm um princípio classificador e aspiram à clareza, completude e ao 18. No esquema classsificatório de Peirce, a Química é posta juntamente com a

dirimir da ambiguidade. No contexto da Química, a dispersividade e o crescimento exponencial medido tanto em praticantes como em produção de artigos ou de compostos (Schummer, 1999) oferece desafios à produção e reprodução do conhecimento químico, obri- gando o desenvolvimento de poderosos esquemas classificatórios para documentação que opera por um princípio de completude ser- vindo a um sistema educativo (que opera por seletividade, unidade e convergência) e à investigação.

A Química é uma ciência da classificação por excelência (Scerri, 2004). Os seus protagonistas, ao contrário da Física, foram desco- bridores de princípios classificatórios: Paracelso usou propriedades disposicionais; Lavoisier, substância pura; Mendeleev, peso atô- mico; na atualidade, há uma variedade enorme de sistemas classi- ficatórios fundamentados em princípios matemáticos da Química Quântica, topologia, padrões emergentes, tema sempre candente de busca de unidade.

Os esquemas classificatórios (Figura 3) são transversais à his- tória e à cognição química e servem de princípio fundador da sua didática e da literacia química. Nos principais periódicos de Quí- mica e ensino de Química, e também nas disciplinas analisadas, não há uma explícita alusão ao problema das classificações como um fundamento transversal.

Existem diferentes tipos de classificações, baseando-se todos num poderoso sistema conceitual que se inscreve no domínio da

ontologia, já que está em causa a necessidade de clarificar os tipos que dela resultam: são naturais ou artificiais? São observáveis ou inobserváveis? Como determiná-los? Quando dizemos, por exem- plo, que o metal é duro, e não o duro é metal, já temos a priori o conceito de “substância” (Earley, 2006) que poderá excluir os com- postos não estequiométricos (bertolídeos), mas que inclui enti da- des químicas como as estruturas dissipativas19 que filoso ficamente

são substâncias e cuja consideração leva ao aparente para doxo de 19. Por exemplo, chamas.

Figura 3 – Classificações na Química

“substâncias” químicas que não são “substâncias químicas”. Ao conceito de substância geralmente acrescentamos qualificações, propriedades, que po dem ser intrínsecas, essenciais ou relacionais. As propriedades podem ter um estatuto filosófico diferente, con- forme se opte pela teoria do substrato (substrate theory) de Locke ou pela teoria dos molhos (bundle theory) de Hume (Earley, 2010). De qualquer modo, definem categorias20 de pensamento, donde

são extraídos, por exemplo na Química, conceitos nucleares e pri- mitivos como: elemento, substância, afinidades, valência, equi- líbrio, permanência (tempo de semivida) e processos. Logo, a Quí mica está também inscrita na Filosofia Natural, tema geral- mente aceite (Earley, 2005), mas pouco explicitado e problema ti- zado nos textos analisados.

Trabalhos sobre a ontologia da Química, tipos naturais da Quí- mica, periodicidade (Needham, 1996, 2002; Harré, 2004, 2010,

20. Essas categorias não têm consenso na História da Filosofia; por exemplo, Peirce, que certamente recebeu influência da Química, usa relação em lugar de substância como categoria do pensamento.

2006; Scerri, 2002; Schummer, 2006), fundamentados principal- mente em Aristóteles e Pierre Duhem, têm sido um marco na ex- plicitação dessa dimensão. Duhem, um físico-químico, explicitou o caráter classificatório das operações químicas e o caráter ope- rativo e por vezes convencional e instrumental das representações. Para Duhem, uma teoria é, antes de mais nada, um sistema de clas- sificação de fenômenos. As suas produções, muito trabalhadas por Needham (2002) podem servir como fundamento didático, mas ainda não são explicitadas nos textos analisados.

Harré (2010) afirma que a gramática do discurso da Química, pelo menos depois de Boyle, é marcadamente mereológica,embora Earley (2006) defenda que a mereologia convencional não se apli- que à Química e procure definir uma mereologia estendida, para o efeito. Harré (2006) também interpreta a História da Química como uma tensão e transição entre entidades nominais, caracteri- zadas por qualidades secundárias e entidades reais, caracterizadas por qualidades primárias.21 Do século XVIII até o presente, a Quí-

mica tem-se transferido cognitivamente para entidades reais ao buscar explicação física e matemática, conseguindo um estatuto realista para os átomos desde o artigo de Einstein (1905) sobre a interpretação do movimento browniano,22 embora tenha que se re-

signar com a utilização de aproximações e de ficções como orbitais e configurações eletrônicas (Scerri, 2004).

Essa tensão entre entidades nominais e reais é particularmente evidente na tensão entre a Química descritiva (essências nominais) e a Química teórica (essências reais), fortemente influenciada pela

21. As qualidades primárias são independentes da observação, enquanto as secun- dárias são dependentes da observação. Note-se que Earley (2000) discorda dessa distinção entre qualidades e propõe uma alternativa em propriedades que resultam da adição das partes componentes e propriedades que resultam da in- teração entre as partes componentes.

22. Este foi o menos conhecido dos três artigos que o jovem Einstein publicou em 1905. Os outros foram o que lança a relatividade restrita e a interpretação do efeito fotoelétrico.

revolução instrumental da Química dos pós-guerras. A Química descritiva é o coração de muitos processos e aplicações e forma a base histórica da tabela periódica. Entretanto, como é difícil de ser ensinada, é frequentemente omitida em muitos cursos (Bent & Bent, 1987; Houten, 2009), o que é um prejuízo crítico para os alunos.

A didática dessa dimensão relaciona-se imediatamente com a competência conceitual e argumentativa e com formas de traba- lhar com conceitos. Deve, necessariamente fazer-se forte vincu- lação com a Filosofia Natural, a lógica, a mereologia e operações classificatórias.

A processualidade do pensamento químico: