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B: Vai continuar pedindo cervejinha? A (para o garçom): Manda um cervejão!

3.6 AS COMPETÊNCIAS DO PROFESSOR DE LÍNGUA ESTRANGEIRA

A questão das competências inerentes ao ofício de se ensinar uma língua estrangeira constituem um tópico fundamental dentro desta atividade. Por este motivo, as competências sempre foram discutidas com destaque pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Assim, embora as teorias enunciativas não se ocupem diretamente da questão da formação do professor, todas as competências que

veremos têm, em maior ou menor grau, uma contribuição para o modelo de ensino que propomos – reflexivo, pautado pelos princípios da TOPE e da interdisciplinaridade. A própria escolha por este quadro teórico compõe o que veremos adiante como competência implícita. Aliás, se observarmos nossas próprias pesquisas, os textos que escrevemos e os textos que lemos para escrevê-los veremos que eles exigem uma considerável dose de competência metalinguística e também da competência linguístico–comunicativa.

Além disso, se queremos realmente praticar a interdisciplinaridade, é fundamental manter este diálogo com a Linguística aplicada, uma vez que existem algumas questões inerentes à prática de ensino que não são da alçada da enunciação – problemas referentes à motivação, disciplina, recursos didáticos, modo de aplicação de tarefas, planejamento de aula, entre outros. Assim, consideramos importante complementar nossa reflexão teórica com algumas das competências que, em nossa visão, serão fundamentais para auxiliar o professor em alguma eventualidade que não tenha sido prevista nos itens anteriores.

3.6.1 O Conceito de Competência e as Competências do Professor de Línguas

O termo competência foi introduzido no universo linguístico por Noam Chomsky, em 1965, na obra Aspects of the theory of syntax, onde o autor apresenta a célebre dicotomia competência/desempenho, na qual o primeiro termo refere–se ao potencial, o saber inato que todo falante possui da estrutura de sua língua e, o segundo, ao uso imperfeito deste conhecimento. Porém, a teoria chomskyana, por mais brilhante que fosse, não foi pensada para o ensino de línguas, por isso foi necessário adequar este conceito à atividade didática, voltada para falantes imperfeitos que viviam em comunidades linguisticamente heterogêneas (WIDDOWSON, 1989). Desde então, a questão da competência de professores e alunos vem sendo incessantemente discutida dentro da Linguística Aplicada. Atualmente, o termo é associado sobretudo à eficácia, eficiência, fazer bem e, mais atualmente, no rastro dos novos letramentos, fazer bem, de forma dinâmica e voltada para o social.

Existem diversas matrizes teórico–conceituais, cada uma com suas próprias crenças com relação às competências necessárias para o professor de línguas. Após consultarmos autores como Almeida Filho (2008), Perrenoud (2000) e as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM) (2006), elegemos as competências descritas abaixo como as mais importantes para o trabalho do professor de LE:

Competência linguístico comunicativa: Segundo Almeida Filho (2011), esta é a mais importante das competências por se tratar da matéria–prima do ensino e o objeto de desejo dos alunos. Na OCEM, esta competência é definida como:

um conjunto de componentes linguísticos, sociolinguísticos e pragmáticos relacionados tanto ao conhecimento e habilidade necessários ao processamento da comunicação quanto à sua organização e acessibilidade, assim como sua relação com o uso em situações socioculturais reais, de maneira a permitir–lhe a interação efetiva com o outro. (Brasil 2006, p. 151).

Vejamos duas sentenças:

1. They cancelled the show. (Eles cancelaram o show) 2. They called the show off. (Eles cancelaram o show)

A grande maioria dos alunos brasileiros não teria dificuldades com a primeira sentença, devido à enorme semelhança entre ‘cancelar’ e cancel. Porém, cancel é bem menos usado pela maioria dos falantes nativos. Ele é muito mais comum em situações que exigem formalismo, como comunicados e anúncios de caráter oficial – uma companhia aérea informando que um voo foi cancelado, um porta voz do governo falando sobre, por exemplo, o cancelamento de um programa governamental, entre outros. Na informalidade, they cancelled soa menos natural e pode frequentemente causar a impressão de que o falante está tentando ‘falar difícil’. Por isso a grande maioria de falantes nativos usariam call off para dizer que algo foi cancelado.

Além disso, a opção dos brasileiros pela forma não preposicionada pode, muitas vezes, tornar a sentença incompreensível para quem não conheça o português.

Observemos mais um exemplo de desvio, cometido por este autor, quando ainda cursava os primeiros anos de um curso particular de língua inglesa:

Não é difícil inferir que nossa intenção era dizer que ‘a luz acabou’ porém, end (terminar, acabar) se refere exclusivamente ao fim de um evento ou situação como em the film ended, the ceremony ended, their marriage ended, etc. Pode também ser usado como verbo transitivo como em Paul McCartney ended his show with Yesterday (Paul McCartney terminou seu show com Yesterday) porém, jamais para se referiria à falta de luz, como fizemos. O que um nativo de inglês diria é the lights went out.

Nos exemplos acima, fica claro que este autor ainda sofria uma forte interferência do sistema de sua língua nativa, que o leva a optar por cancel ao invés de call off (desvio de registro) e ended ao invés de go out (desvio lexical). Esta interferência é denominada por Selinker(1972) de interlíngua (IL) e permeia toda aprendizagem de LE. Para ajudar seu aluno a superar esta grande barreira cognitiva é necessário que, antes de tudo, o professor supere suas próprias limitações interlinguísticas.

Em suma, a competência linguístico–comunicativa envolve o domínio da estrutura da língua (linguístico) e a capacidade de uso desta estrutura em situações reais de comunicação (comunicativo). Dentre as competências vistas, esta é a principal, visto que é impossível ensinar aquilo que não se domina. Além disso, como dito acima, trata–se do objeto de desejo do aluno de uma LE.

Outra competência que, em nossa concepção, também deve ser incluída é a competência profissional. Segundo a OCEM (2006), a competência profissional refere–se à boa avaliação das condições do ambiente de trabalho e a capacidade de usar os recursos disponíveis.

Destacamos também a competência teórico–didática. Para Almeida Filho (2008) esta competência engloba a capacidade para transpor didaticamente os conteúdos e a capacidade de selecionar e ordenar os conteúdos mais relevantes e práticos.

A seguir, incluímos neste rol a competência afetiva. Esta refere–se basicamente ao estabelecimento de uma empatia, uma identificação entre professor e alunos. Envolve questões como o afeto pelo indivíduo, a inteligência emocional e o respeito pelas diferentes identidades. Existe aí um diálogo claro com o conceito culioliano de alteridade, que consiste exatamente em saber colocar–se no lugar do outro.

Uma das competências mais fundamentais, sobretudo, para nós da linha enunciativa, é a competência metalinguística. Basicamente, refere–se ao conhecimento da gramática, suas nomenclaturas, classes e funções. Entretanto, mais do que o conhecimento do sistema, consiste na capacidade de explicar esta gramática sem apenas limitar–se a apontar os “erros” cometidos pelo aluno, o que é fundamental para quem trabalha com o modelo culioliano. Ademais, um dos pilares da TOPE é o conceito de metalinguagem inconsciente, o que torna essa competência mais importante ainda. Além disso, uma boa metalinguagem pressupõe o conhecimento do uso dos marcadores discursivos e de informações gramaticais que costumam ser ignorados pela maioria dos livros didáticos.

Em uma consulta a algumas renomadas séries de livros didáticos observamos que, on é na grande maioria das vezes descrita como ‘sobre, em cima de’, por meio de exemplos como o já famoso “The book is on the table”. Porém, tal definição não explica construções como:

4. On a bus to St. Cloud, I thought I saw you there (Em um ônibus para St.