• Nenhum resultado encontrado

As concepções de família nos programas de transferência de renda

CAPÍTULO 2: Exclusão social, exclusão escolar e políticas sociais

2.2. O debate sobre programas de transferência de renda

2.2.3 As concepções de família nos programas de transferência de renda

Um dos aspectos bastante discutidos na literatura sobre os programas de transferência de renda é a concepção explicita ou implícita de família. No estudo realizado por Fonseca (2001), a autora analisa a concepção de família nos projetos de construção da nação nos anos 1930 e 1940 e as estratégias de combate à pobreza nos anos 1990, em particular nos denominados programas de garantia de renda mínima implementados em alguns municípios brasileiros.

Segundo Fonseca (2001), a idéia de família nos anos 1930 e 1940 funda- se na importância de um determinado tipo de família para a construção da nação: a família seria “o meio pelo qual formar-se-ia um povo moral e fisicamente são”.

Para a autora, o principal eixo dos debates sobre programas de transferência de renda no Brasil está relacionado com a idéia de que a pobreza familiar é um elemento impulsionador para o ingresso precoce das crianças no mercado de trabalho e com o fato de que “o custo de oportunidade para manter as crianças na escola é muito alto para os pobres”, pois as crianças das famílias pobres ingressam cedo no mercado de trabalho, saindo cedo da escola, tornando-se adultos com alguma experiência de trabalho e baixa escolaridade. Dessa maneira, “é como se a pobreza gerasse os mecanismos de sua reprodução: a pobreza de hoje gera a pobreza de amanhã.” (FONSECA, 2001, p. 219). Diante disso, o benefício possui, como contrapartida das famílias pobres, o compromisso com a permanência das crianças na escola.

Fonseca (2001) faz uma comparação entre a concepção de família apresentada no Programa de Garantia de Renda Familiar Mínima (PGRFM) da Prefeitura de Campinas e as concepções daqueles que são considerados uma família perante o poder público. O resultado desse exame aponta para uma distinção entre os propositores do PGRFM e os beneficiários deste: a família pobre é

entendida pelos formuladores do PGRFM de Campinas como sendo constituída por: “pai, mãe, ou pais ou responsáveis legais, morando sob o mesmo teto com seus filhos e filhas menores de 14 anos e/ou com seus não filhos, desde que juridicamente sejam responsáveis pelos mesmos.” (FONSECA, 2001, p. 220).

A investigação referida revela que a concepção de família do PGRFM é completamente distinta da concepção de família dos beneficiários desse programa, na medida em que a idéia de família para estes está relacionada com “um leque de relações de consangüinidade e afinidade, e ainda, laços de parentesco ‘fictício’, no sentido de que não derivam de vínculos legais e/ ou biológicos” (FONSECA, 2001, p. 220-221). Portanto, a autora conclui que não existe “a família”, e, sim, “famílias”, cuja configuração se estabelece por “um código de lealdades e obrigações recíprocas completamente alheias à lógica colocada pelo PGRFM” (FONSECA, 2001, p. 221).

De acordo com o Decreto nº 11.7141/95, que regulamentou o Programa de Renda Familiar Mínima de Campinas, o benefício destina-se às famílias residentes na cidade de Campinas há dois anos da data da instituição do Programa, com renda familiar per capita inferior a R$ 35,00 e que, em sua composição, contassem crianças e adolescentes com idade de 0 a 14 anos (ARTHUS, 2000, p. 109).

Campineiro (1999) esclarece que no PGRFM do município de Campinas, para efeitos do cálculo da renda familiar per capita só são considerados membros da família os pais ou responsáveis, seus filhos tutelados e menores de 14 anos. Sendo assim, os membros maiores de 14 anos, ainda que residentes sob o mesmo teto, não fazem parte do cálculo da renda familiar; “esta estratégia tem por objetivo não desincentivar o trabalho destes membros e nem penalizar famílias com idosos contemplados por benefício previdenciários.” (DRAIBE et al. apud CAMPINEIRO, 1999, p. 20).

Para Arthus (2000), o PGRFM — Campinas, ao conceber a família como unidade de referência, deveria não apenas levar em consideração o estado civil dos núcleos familiares, mas também conhecer suas composições e estruturas, principalmente quando se trata de avaliar os graus de coesão, desagregação e vulnerabilidade.

Segundo o Ministério Desenvolvimento Social e Combate à fome — MDS —, o atual Programa Bolsa Família instituído pelo governo federal atende de maneira geral três grupos de famílias, a saber: as famílias com baixo nível de

escolarização, vivendo em condições precárias e chefiadas por mulheres; as famílias “novas”, compostas a partir da união com outras famílias; e as famílias mais estruturadas, que possuem alguma renda.

Outro aspecto enfatizado nas pesquisas sobre os programas de transferência de renda diz respeito à possibilidade de as famílias conquistarem sua autonomia financeira. Um dos pontos problemáticos dessa questão refere-se à dificuldade das famílias em participar dos projetos vinculados à aquisição de renda para a obtenção dessa autonomia e o conseqüente desligamento do programa. Avaliando o PGRFM de Campinas, Arthus (2000) observa que as famílias se tornaram “arredias” às propostas que sinalizavam nesse sentido, pois a vinculação, por exemplo, ao programa Pró-rendas representava para elas o envolvimento em situações desconhecidas, daí a sua apreensão em inserirem-se nessas iniciativas (ARTHUS, 2000).

Os grupos sócio-educativos instituídos pelo PGRFM de Campinas buscam incentivar o potencial emancipatório das famílias. Bejarano (1998) e Arthus (2000) destacam que atividade tem um significado positivo para as famílias, na medida em que seu objetivo é proporcionar o desenvolvimento social e pessoal dos beneficiários. Nas reuniões desses grupos são discutidos diversos temas de interesses da comunidade, tais como: conselho tutelar; afetividade; cidadania; preconceito; planejamento familiar; sexualidade feminina; auto-imagem/auto-estima; alternativas de geração de renda; violência doméstica, entre outros.

Arthus (2000) conclui em seu estudo que “a concessão da renda é condição necessária, mas não suficiente para assegurar a não-proliferação das situações de risco”. O autor considera que a participação das famílias nos trabalhos de orientação proporciona o desenvolvimento da sociabilidade entre as famílias, e isso significa a possibilidade de uma maior capacidade emancipatória dos beneficiários.

Para Bejarano (1998), apesar de o grupo sócio-educativo estimular as pessoas a buscarem trabalho, isso não significa que elas encontrarão lugar no mercado de trabalho; pelo contrário, o que se observou foi a baixa inserção. Para ela, os principais limites para alcançar a autonomia financeira referem-se à baixa escolarização dos beneficiários e à inexistência de uma política de geração de emprego e renda. Essas questões foram consideradas como limites para a implementação de programas de renda mínima local. Para a autora, “sozinho, um

PGRFM não é capaz de erradicar a pobreza, porém ele é capaz de dinamizar um conjunto de políticas capazes de erradicá-la.” (BEJARANO, 1998, p. 45). Nessa linha de abordagem, a autora afirma que a disposição de erradicar a pobreza “é política e não econômica”.

Weissheimer (2006), ao descrever as potencialidades do Programa Bolsa Família, enfatiza que a principal finalidade deste é fazer com que as famílias deixem de ser beneficiárias dele. No entanto, adverte que esse é um desafio para muitos anos e não simplesmente para um programa isolado. Diante disso, considera que o caminho para a porta de saída do Programa Bolsa Família é a promoção do “desenvolvimento socioeconômico de famílias em estado de insegurança alimentar, gerar trabalho e renda, devolver ou mesmo criar uma dignidade capaz de levar a algo que possa ser chamado de cidadania.” (WEISSHEIMER, 2006, p. 39).

De acordo com a Lei nº 10.836, de 09 de janeiro de 2004, que institui o Programa Bolsa Família no Brasil, a família é considerada como “a unidade nuclear, eventualmente ampliada por outros indivíduos que com ela possuam laços de parentesco ou de afinidade, que forme um grupo doméstico, vivendo sob o mesmo teto e que se mantém pela contribuição de seus membros”.

Esta definição parece-nos distinta das concepções anteriormente adotadas nas primeiras experiências dos programas de renda mínima, pois considera-se membro da unidade familiar não só os indivíduos que mantêm algum nível de parentesco, mas também aqueles que estão ligados por vínculos de afinidade.