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CAPÍTULO 2: Exclusão social, exclusão escolar e políticas sociais

2.2. O debate sobre programas de transferência de renda

2.2.4. Programas de transferência de renda e educação

De maneira geral, os programas de transferência de renda vinculam a concessão do benefício à matrícula das crianças e dos adolescentes na rede pública de ensino. Esse mecanismo tem como pressuposto o aumento da escolarização da população e, como conseqüência, a diminuição dos níveis de pobreza.

Alguns autores (SILVA e SILVA; YAZBEK; GIOVANNI, 1997) analisam que a condicionalidade da freqüência à escola é um componente “inovador” nos programas de transferência de renda:

[...] No Brasil, há que se destacar que a inovação mais significativa é a articulação de uma transferência monetária, direcionada à família enquanto unidade beneficiária, com a política da educação para crianças e jovens. A exigência de manter crianças na escola parece ser socialmente significativa e expressa a originalidade dessa Política. Esse movimento articula o enfrentamento da pobreza com a melhoria de condições educacionais das futuras gerações, podendo fazer da transferência de renda uma política pró- família, pró-criança e pró-educação (YAZBEK et al., 1997, p. 192).

Esta observação coloca em evidência um dos aspectos problemáticos dos programas de transferência de renda, uma vez que a obrigatoriedade da freqüência à escola exigida pelos programas parece não se traduzir numa real mudança na trajetória escolar das crianças pobres. Ou seja, isso “não é suficiente para alterar o quadro educacional das futuras gerações e alterar a pobreza.” (YAZBEK; GIOVANNI; SILVA , 1997, p. 14.)

Diferentemente da perspectiva citada anteriormente, outras análises constatam que a vinculação da freqüência escolar ao acesso ao benefício funciona como um mecanismo de exclusão das famílias, já que se “pretende substituir uma renda auferida com um trabalho por uma renda de manutenção escolar.” (LOPES, 1997, p. 159). A argumentação, portanto, faz uma crítica à exigência da matrícula prévia e da freqüência escolar, nos programas de transferência de renda, pois seria mais coerente atender as crianças que estão fora da escola e acompanhar a inserção destas, para depois solicitar esta contrapartida (LOPES, 1997).

Para Lopes (1997), as causas do ingresso das crianças no mercado de trabalho e da saída destas da escola não se limitam apenas à necessidade de contribuir para o aumento da renda familiar; decorre também da pressão imposta pelo mercado de trabalho, que recruta uma mão-de-obra barata e encontra na má qualidade do ensino um elemento reforçador desse problema.

A pesquisa de Campineiro (1999) sobre o Programa de Garantia de Renda Familiar Mínima do Município de Campinas revelou que “não se mostrou verdadeiro o pressuposto do PGRFM e dos seus similares de que existe sempre uma relação positiva e automática entre assiduidade, rendimento e sucesso escolar.” (CAMPINEIRO, 1999, p. 167). Além disso, o estudo evidenciou que existe uma “tendência relativamente forte” da continuidade do padrão “pregresso dos alunos” após a permanência no Programa.

Referindo-se ao problema acima citado, Débora Campineiro (1999) considera que são vários os fatores que explicam a situação escolar dos alunos.

Entretanto, sua pesquisa indica dois elementos presentes no cotidiano escolar dessas crianças, a saber: o problema das motivações e das resistências apresentadas pelas crianças para estudar e ir à escola e a valorização da educação pelos pais e suas posturas em relação à vida escolar dos filhos.

Segundo Campineiro (1999), o problema das motivações dos alunos tem quase sempre a ver com o modo pelo qual o aluno se relaciona com a escola. Diante disso, o estudo da autora conclui que

a resistência a estudar apresentada por alguns alunos constitui um obstáculo ou limite aos programas desta natureza, que visam assegurar a permanência escolar das crianças mais pobres, elevar seu nível de escolaridade e romper com o ciclo da reprodução da pobreza (CAMPINEIRO, 1999, p. 168).

Em relação à valorização da educação pelos pais e à postura deles em relação à vida escolar dos filhos, o estudo aponta para uma associação entre esse fator e a freqüência escolar. No entanto, a autora comenta que “é difícil saber se isso envolveu uma mudança mais definitiva de valores e comportamento, ou se decorreu simplesmente da observância à regra do PGRFM e da coerção exercida pelo sistema de controle escolar.” (CAMPINEIRO, 1999, p. 166).

Um dos problemas identificados por Campineiro (1999) diz respeito ao controle da freqüência dos alunos e envolve a “pressão” exercida pelas famílias beneficiárias do programa para que os professores atestem a assiduidade dos alunos, mesmo estes não tendo comparecido à escola. Diante disso, os professores convivem com um difícil dilema: ao mesmo tempo em que ficam sensibilizados para não prejudicarem as famílias, temem a emissão de um parecer negativo que os prejudique em sua carreira profissional.

Outra dimensão ressaltada nessa investigação é o estigma existente por parte dos professores e diretores contra os alunos beneficiários do PGRFM, pois estes desconhecem os objetivos e os modos de funcionamento do programa. Há uma visão negativa em relação aos alunos e suas famílias: “ao que parece os professoras tendem a, para o conjunto dos beneficiários do programa, alguns casos particulares em que os alunos, de fato, apresentam problemas escolares.” (CAMPINEIRO, 1999, p. 170).

Nas conclusões de seu trabalho, Campineiro afirma que “o programa tem efeitos positivos sobre a freqüência escolar dos alunos, mas, por si só, não

consegue assegurar bons níveis de assiduidade para todos eles; a sustentabilidade destes efeitos não está garantida a longo prazo.” (CAMPINEIRO, 1999, p. 11). Além disso, a autora enfatiza que há situações difíceis de serem superadas com os programas de transferência de renda, como, por exemplo, a pouca motivação, a resistência das crianças em estudar e ir à escola, assim como a baixa valorização da educação pelos pais.

No estudo de Fonseca (2001), porém, as entrevistas demonstram que a educação possui um valor significativo para as famílias beneficiárias do PGRFM de Campinas. Nesse sentido, a pesquisa revela que “na educação estão depositadas as esperanças de um futuro melhor pra seus filhos.” (FONSECA, 2001, p. 223).

Para Rios-Neto (2007), pesquisador do Centro de Desenvolvimento Regional — Cedeplar —, da Universidade Federal de Minas Gerais, o atual Programa Bolsa Família implementado pelo governo “apenas tem o efeito de adiar a evasão”. Segundo ele, seria necessário o oferecimento de uma escola de qualidade e a assistência às crianças desde seu nascimento. O pesquisador está “cada vez mais convencido de que, se não pegar essa criança desde seu nascimento e não desenvolver seu aparato cognitivo e nutricional, nenhum programa vai ter o impacto de quebrar a miséria intergeracional.” (Valor Econômico, 12 fev. 2007).

De acordo com o Decreto nº 5.209, de 17 de setembro de 2004, que regulamenta o Programa Bolsa Família, a concessão do benefício está condicionada à “efetiva participação das famílias no processo educacional e nos programas de saúde que promovam a melhoria das condições de vida na perspectiva da inclusão social”. Particularmente em relação à educação, é exigida a matrícula das crianças e dos adolescentes de 6 a 15 anos na escola e a garantia da freqüência escolar mínima de 85% nas aulas de cada mês.

Para os formuladores do Programa, “a escola é um espaço de construção do conhecimento, formação humana e proteção social às crianças e adolescentes e [...] o baixo índice de freqüência escolar é um dos indicadores de situação de risco que deve ser considerado na definição de políticas de proteção social.” (Portaria Interministerial MEC/MDS Nº 3.789 de 17/11/2004). Ou seja, a obrigatoriedade da freqüência à escola é uma condição para a participação no programa.

2.2.5 Percepções das pesquisas e questões inerentes ao debate sobre